COLEÇÃO QUARTETO FANTÁSTICO - PARTE 1



A equipe do nosso blog não queria deixar passar de forma alguma o aniversário de cem anos do falecido Jack Kirby. Quem foi Jack Kirby? Simplesmente cocriador do Universo Marvel e criador de uma boa parte de elementos da DC. Os trabalhos de Kirby de décadas atrás continuam ecoando e influenciando, e com muitíssima força. Você não encontra um único nome da indústria de quadrinhos que não o reverencie como um dos maiores homens que já passou pela nona arte. Com origens humildes, inclusive já tendo participado de gangues, Kirby se firmou como desenhista no difícil mercado das histórias em quadrinhos. Como homenageá-lo decentemente? Várias ideias pareceriam um tanto pequenas em execução. Eis que resolvemos fazer como foi feito com o falecido Bernie Wrightson este ano, que foi homenageado com o especial do Monstro do Pântano... Resolvemos fazer um especial do Quarteto Fantástico. Mas há uma grande diferença! Este será pelo menos quatro vezes maior! Dividido em quatro partes onde analisaremos as melhores fases do amado grupo. É a parcela dos nossos colaboradores (Douglas Joker, Roger e Ozymandias Realista) de gratidão ao eterno Rei dos quadrinhos: Jack Kirby! Falando em gratidão, nas próximas três partes deixaremos como introdução das análises as experiências pessoais que nossa equipe teve revisitando estes amados clássicos. Agora vamos logo, que só se comemora os cem anos do Jack Kirby uma vez!

“A resposta mais honesta é que essa é a revista que eu mais gostava quando criança. As primeiras cem edições de Stan Lee e Jack Kirby eram simplesmente perfeitas. Todas as histórias do Quarteto desde então têm sido uma releitura, a ideia de tentar somar algo a esse legado brilhante é um cálice sagrado cheio de veneno, porque o título nunca mais alcançou aqueles padrões mais altos.” 
-Mark Millar.[1]




POSTS DE ANÁLISE ANTERIORES


COLEÇÃO HELLBOY




Fase do Stan Lee


Foi com a dupla de Stan Lee e o aniversariante homenageado Jack Kirby que o Quarteto Fantástico (e a maior parte do Universo Marvel) foram criados. Kirby já havia trabalhado com o Capitão América na época da Segunda Guerra Mundial, mas até então não havia ainda um grande universo compartilhado de heróis como surgiu depois. Por isso que a criação do Quarteto Fantástico é considerado o ponto de nascimento do Universo Marvel! Apesar da exigência do editor ter sido um super-grupo que pudesse rivalizar com a Liga da Justiça da DC, Stan acertou em cheio em explorar características que ele considerava interessantes, fazendo todos os personagens possuírem aspectos mais humanos de sua personalidade e serem uma família. A criatividade então explodiu como provavelmente não haja exemplo igual em toda a nona arte. A maior parte dos elementos que tornaram esse universo tão cativante por décadas foram introduzidos nesta fase.


Pilares de uma grande construção (#01-10)

“É curioso, guria! Apesar de ser cega, você vê as coisas bem melhor do que eu! E me faz sentir vergonha de mim mesmo!”

Temendo que os russos chegassem antes á lua, o gênio Reed Richards recruta sua noiva, seu cunhado, e melhor amigo (esse de fato relevante, por ser o piloto) e “roubam” uma nave. A viagem foge do previsto quando são “banhados por raios cósmicos”, tendo suas genéticas alteradas a representarem de modo explicito e comportamental cada um dos quatro elementos do mundo. Poderia ser apenas mais uma equipe com habilidades incomuns, se não fosse a dinâmica ímpar daquela que viria a ser a família mais famosa e aventureira dos gibis. Visto com mais atenção, era uma espécie de quebra das “leis dos super-heróis”. Por mais que fossem ovacionados pelo público, poderiam por ele facilmente ser perseguidos, viajavam ao espaço, e realizavam o impossível, ainda em tempo de brigarem entre si, terem dúvidas e sonhos, tais quais “humanos comuns”. Fugiam do padrão de uniformes elaborados com diversos símbolos, pela genial roupa padronizada idealizada por Kirby, e nem mesmo máscaras usavam. Poderiam estar sujeitos ao mais maquiavélicos vilões, tal como exercerem sua cidadania normalmente, fugindo do unidimensional. Já estavam estabelecidos como combatentes após a prova de fogo inicial do Toupeira (inspirado no livro da Ilha do Dr. Moreau[3]) em ilhas remotas, ao passo que repelindo sabiamente uma invasão interplanetária da famosa raça Skull --uma metáfora válida do medo da infiltração comunista, visto que os aliens seriam transmorfos, cujo objetivo inicial de dominação visa ferir a imagem de ídolos aclamados --. Namor seria tirado da “geladeira”, que estava desde 1956, por um inconsequente Tocha Humana, vindo a ser um dos mais complexos seres da inusitada galeria de vilões; ouso dizer que o “homem despertado fora de seu tempo em uma cultura estranha” antes mesmo de Steve Rogers! 

TV no fundo do mar ao estilo do Bob Esponja? E o marvete raiz ainda tinha coragem de zombar do Aquaman?


E na #05, uma emblemática estreia de Victor Von Doom traria entre tantos elementos, o adversário cujo passado se relacionava com o grupo. Em cinco números, já tínhamos a base para muito do que seria o universo Marvel, ou como o velho Stan mestre do marketing astutamente nomeou: A ERA MARVEL DOS QUADRINHOS. Vingadores, mutantes, o próprio Aranha que viria a se tornar o símbolo maior da editora nada seriam sem a “mal sucedida viagem lunar”, trazendo além dos quatro extraordinários seres toda uma mitologia moderna intricada e autorreferente, tão atemporais quanto a grega ou cristã, sujeitas a serem reinventadas em qualquer época com sucesso. Meu primeiro contato com uma HQ do grupo foi na extinta Geração Marvel #03. Mesmo lida quando garoto, ao reler ela, dessa vez no lápis original a que foi concebida, revivi com mais força a tensão proposta pela ameaça do Milagroso (obviamente “inspirado” no Mandrake [4], além de percussor do Mystério, dada a semelhança de “poderes”), somada a ações dos heróis que pareciam não obter nenhum êxito, bem como meu assombro em ver tudo resolvido em 22 páginas!

E lembrariam mesmo!

Os “justiceiros sociais” talvez ficassem surpresos, ao ver já na #08 a inserção de Alicia Masters, uma mulher cega, cujo padrasto estava a ser um dos mais vis déspotas, não sentir pena de si mesma, e lidar com sua perda de forma a realçar suas outras habilidades, sem solicitar atenção especial por isso, temática que futuramente seria trabalhada em Demolidor. Estava aqui uma “minoria”, em 1962, sem soar gratuito ou panfletário, com consistência ideológica nutridora de clássicos. Até “Mestre dos Bonecos”, a primeira vista alguém com traços asiáticos praticante do vodu, poderia fazer paralelo a empresários que controlavam as editoras, os que dos bastidores “puxavam as cordas”. Não teria Kirby (que como tantos outros artistas, sofreram horrores e incertezas nas garras destes) ironicamente realizados planos onde o megalomaníaco segurava com gana miniaturas de quem supunha controlar? 

Martin Goodman, é você?

E não seriam as chamas do Tocha, uma pontual indireta sobre quem tinha mais poderes sobre uma obra? Um outro ponto, é que lido um pouco mais sobre o Rei, podíamos ver muito dele personificado em Ben Grimm, desde sua predileção por charutos, à forma de falar seca, sem ter Reed “o espertinho” como líder, e tentar conquistar Sue, a modo discreto. Em primeira instância, sua ida como piloto se adveio mais para provar coragem a ela (#01), e em segunda fica nítida a mágoa do ogro quando esta fez um elmo para esconder seu rosto, somada a ironia de Johnny Storm: “Minha irmã? Não se engane, Coisa! Ela não se apaixonaria por ti nem que você fosse a cara do Rock Hudson![5]”, preciso mencionar o surgimento do fantásticarro ainda na mesma história?!

"Meio Spock com japonês"

Temos esse primeiro pacote fechado de maneira formidável pelas #09 e #10. Esses enredos tinham em comum mais do que o fato de serem os dois mais famosos antagonistas até então, mas pelas camadas adicionais de existirem gibis deles dentro da própria história (ou pensou que isso havia sido inventado em Watchmen?), não se tratando de alguma confusão de realidades ao estilo “sonho dentro de um sonho”, o grupo era agora quase de carne e osso, estando sujeitos a falência (adiantando parte da temática do futuro Homem-Aranha) em sua nona edição. Momentos como Reed Richard estudando a genética diferenciada deles, ou indo a uma editora de quadrinhos (com participação especial dos próprios autores, discutindo o que criar na própria revista!) narrar as aventuras para que estes desenhassem mostrava o quanto “fora da caixa” era o material, mesmo sob censura rígida do comic code authority[5.5]. Outro fato a mencionar era a dupla de vilões fugirem da caricatura, e mostrarem progressos em outras áreas da vida, retornando mais experientes e letais: Namor descobria formas de usar parte das riquezas financeiras do fundo do mar, percebendo que o poder do dinheiro poderia ser mais letal que chamar algum monstro marinho, enquanto Victor Von Doom astutamente empregava poderes aprendidos com seres de outros mundos (ovoídes), e concluía que trocar de corpo com seu maior inimigo e ter tudo o que ele tinha, seria mais doloroso ao algoz do que qualquer confronto físico, algo que Jonathan Hickman usaria em sua megasaga de 2015 “Guerras Secretas”, ao fazer o vilão se apossar do mundo, e da família do odiado, embora dessa vez sendo ele mesmo e “meramente” remendando todo multiverso.

E não é que o desenho na prancheta, acabou sendo o vilão podre de rico?


Contextos políticos (#11-20)

Uma das melhores tiradas!

“Ben, ninguém é forte o bastante para derrotar pessoas livres! Nunca se esqueça disso!”


Acompanhantes da realidade política, o QF demonstrava de forma mais direta medos do americano comum, fosse da ditadura comunista (personificado no Fantasma Vermelho – Ed. #13), ou o retorno da intolerância extrema ao estrangeiro com cunho nazista (Monge do Ódio – Ed. #21). Pode parecer “reaça” a quem pega para ler fora do contexto, porém, acrescido do fato do grande em vendas da Timely Comics [6] ter sido o Capitão América vinte anos antes, e os gibis, essencialmente serem patrióticos por refletirem um anseio de reconstrução de uma nação que havia quebrado algumas décadas passadas, não causa nenhum estranhamento histórico... Como discuti com alguns colegas do blog Aquiles Grego, a Marvel nunca foi um partido político [7], mas uma editora antenada às tendências e divergências ideológicas, representando-as em seu universo, assim como todas formas de arte e entretenimento perspicazes executam.


Na #11, tudo vai – literalmente – de cabeça para baixo com a chegada do Homem-Impossível. A primeira vez, vale mencionar, que o quarteto se depara com um oponente superior á combinação de habilidades que os precediam, se mostraria “como mais uma” situação onde o inescapável consegue ser burlado pela perspicácia anormal do Sr. Fantástico. O mesmo que dá uma aula no fim da edição sobre a importância vital de cada membro dos quatro, o que não ocorre muito em quadrinhos de super grupos, por sempre haverem os “buchas”, enquanto aqui, até mesmo a Mulher-Invisível, a principio sendo de forma exagerada uma donzela em perigo, sendo sequestrada sempre que possível, era utilizada como o “fator surpresa”, muitas vezes salvando os três que foram a salvar! A rivalidade entre heróis que tanto permeia a cabeça dos fãs seria explorada na #12, finalmente os leitores da época poderiam descobrir quem seria até o dado momento o monstro mais barra pesada da editora: Coisa ou Hulk? (o monstro gama tinha estreado em maio de 1962, mesmo mês que a revista #4 do grupo...)[8], ao tempo que vislumbrava o leitor com todos aqueles seres poderem se cruzar a qualquer hora, por habitarem em sua maioria Nova York, um pesado contraponto a DC que dividia com linhas bem claras as cidades fictícias de seus campeões, primeiro embate que ecoaria na mega saga “Hulk Contra o Mundo” de alguns anos atrás.

Coisa: O melhor nas frases de efeito na hora da porrada.
Fugindo ainda mais do estereótipo de “cientista maluco de jaleco branco”, a dupla de criadores inspirada na estátua francesa do pensador [9] propôs um gênio do crime com poderosos cálculos para seus planos. A exemplo de um enxadrista potencializado, suas estratégias contemplariam tudo “o que poderia dar certo ou errado” quando conduzisse uma operação. Tendo os 4 fantásticos como mero empecilho à sua tomada dos gangsteres, e possuindo computadores de “ultima geração”. O feito mais marcante, entretanto, é a invasão bem sucedida ao edifício Baxter, e uso maléfico para algumas das invenções ali feitas. Uma forma de mostrar que problemático é o homem que empunha a arma, e não ela em si.


“micro mundo” mencionado de relance do filme do Homem-Formiga é criativamente explorado em #16. Embora a investida de Destino deixe a desejar, é difícil se livrar do deslumbramento com que Kirby desenhava novos mundos e reinos com tamanha facilidade, por menos crível que seja toda a existência mostrada na edição em matéria subatômica, todos traços conseguem dar extremo conhecimento da breve nova realidade, e claro, a participação de Hank Pym, mesmo que breve, é outro ponto alto. Os retornos de Grimm à forma humana, apesar de desconexos, teriam grande utilidade algumas edições depois. A #17 exploraria a revanche contra o malfeitor, bem como pela primeira vez a real tentativa de dominação global. É digno de nota que uma das ameaças seria “jogar esporos” que fariam a vegetação crescer sob a cidade, gerando o caos total, por coincidência ou não uma medida “ecoterrorista” que o Monstro do Pântano escrito por Moore tomaria em Gotham para reaver sua amada... Bem como havia o atual presidente John F. Kennedy, de forma tímida, fazendo uma participação no enredo! Recurso que seria usado a exaustão no universo ultimate para dar mais realismo[10] as catástrofes.





E entre #18 e #20? Por mais poderoso que pode ser o “Super Skull”, ele se torna bem menos mortal comparado aos antagonistas dos dois números seguintes, aderindo mais relevância só na dramática #32. Não é problema visto que na #19 teríamos “apenas” uma viagem no tempo ao antigo Egito, e um confronto contra aquele que um dia seria “Kang – o Conquistador”. O motivo também era bem autocrítico: o viajante do espaço seria do ano 3000, onde assistiria em sua TV 3D [11] filmes de ação, e entediava-se por viver em uma utópica paz. Por uma “velharia do passado”, que era máquina do tempo feita por Doom, atravessa eras e conquista reinos por estar munido de centenas de anos de conhecimento e armas idem. Como um ciclo de há cada dez números surgir algo imbatível, na #20 Uatu para suas atividades de vigilância para interferir (novamente quebrando seu sigilo profissional) em favor do bando, ao mostrar o surgimento de um dos seres mais poderosos dos quadrinhos (embora quase nunca bem explorado em sua grandeza): o Homem-Molecular. A figura antecede o estilo amoral com poderes imensuráveis remodeladores de universos, tendo em seu exemplo maior no futuro do título o próprio Galactus. A descrição do sujeito, faz lembrar ao leitor mais atual, o nível “overpower” do Dr. Manhattan. É válido notar no otimismo do grupo ao falarem que se um deles tivesse tal dádiva, poderia salvar toda a humanidade...



Revanches e encontros com as demais maravilhas! (#21-30)


“Belas asas que cê tem aqui, filho. O que cê come... Alpiste??”

A 22º capa anunciava sem pudor o “estilo Marvel”. Por mais crítico que eu seja dessa medida pela forma como os créditos de criação são no mínimo mal distribuídos, sou obrigado a reconhecer dois fatores firmes dela: a coesão de cruzamentos de histórias, onde todos os acontecimentos naquele mundo geravam consequências reais entre si (ao contrário de hoje, onde ícones têm diversos títulos, e cronologia vira fator quase descartável), sem falar da propaganda nada menos que genial de Lee, despertando o sentimento que viria se tornar um lugar comum: “O que preciso comprar e ler também para entender este?”. Ao tempo da pergunta surgir: “Como Jack Kirby conseguia desenhar tudo isto?!”, questão mais que válida em um mundo onde cada vez mais ilustradores brilham um pouco e reduzem seu trabalho, achando que já se esforçaram muito... Para um ansioso como eu, foi revigorante finalmente testemunhar o poder dos construtos invisíveis de Sue Storm vir à tona. Comparando, o retorno do Toupeira soa corriqueiro, ao fim do conto, em seus diálogos com os leitores, Lee expõe sua preocupação em decolar aquela mídia até então uma subcultura:

“Mas se você puder se manter longe dos clássicos universitários, nos procure de novo no mês que vem...”. O melancólico Bruce Banner dá novamente as caras na #25, e ao contrário do embate anterior, esse vai além da enganação com empate, levando dois números para se concluir, corroborando finalmente para o encontro com Os Vingadores, e ao contrário da luta anterior, dessa vez havia mais lados na história, os que reclamam da falta de ação, vão enche os olhos! Vale citar a capa da #26 como uma das melhores.
Em sua elogiada fase ultimate dos fantásticos, Mark Millar usou um interessante conceito que pesou para derrotar sua versão de Namor: uma máquina feita por Reed que materializaria seus pensamentos, e foi dessa #27 – também contra o príncipe submarino – que Millar cavou. Foi a primeira vez também, que uma imagem sensual apareceu na revista, de modo nem um pouco discreto, o líder do QF expõe sua “fantasia sexual”, e a homenageada, pelo visto, gostou da ideia! Outra linha foi superada aqui: a de Reed como mais comportado e sóbrio membro do time. Tendo sua amada – ainda em dúvidas sobre se amava ou não o rei atlante – sequestrada sem cerimônia por Namor, ele parte em um missão solo embasada pela fúria, não mais aguentando esse tipo de comportamento no mínimo abusivo do adversário. Sobraria ao Doutor Estranho guiar os amigos até ele. Os X-Men surgem na #28, diante da manipulação de uma dupla de inimigos, curiosamente ambos só do QF. Apesar do Aranha contar com a rivalidade ocasional do Tocha Humana em suas páginas, nas do QF o aracnídeo aparecia de forma tímida, não mais do que poucos quadros... 


“Tudo começou na Rua Yancy” (#29) é interessante por mostrar mais da gangue (com pés no passado de Kirby[12]) atormentadora do monstro de bom coração da família. Resolvendo ir tirar satisfações, uma trama de revanche do Fantasma Vermelho se inicia de súbito, pegando o leitor com a mesma surpresa que seus alvos. Um detalhe interessante é que o poder do magnetismo, tão associado ao mutante arqui-inimigo dos X-Men, inicialmente era o “dom cósmico” de um dos macacos que trabalhavam para o sabotador comunista. Não apenas um conto de reviravolta. Considero essa narrativa uma síntese do que seria o dia a dia dos exploradores. Fechemos com Diablo (#30), uma versão mágica e mais fraca do Homem-Molecular, francamente, bem abaixo do padrão, entretanto tem sua contribuição por ludibriar o Coisa em sua ilusão de controle sob sua horrenda forma, mostrando que nem sempre Grimm poderia se manter sobre aos seus parceiros.














A primeira saga? E primeira baixa aos nobres combatentes (#31-40)


“Mas agora, de alguma forma, encontrei coragem! Talvez... Pelos anos que perdi... É por isso que vocês não devem chorar... Ao menos recuperei... Meu orgulho!”



Em 1964 o Homem-Aranha de Ditko se escondia do Areia, com o anúncio provocativo na capa: “O fim do Homem-Aranha”. Os Vingadores estavam se separando em Avengers #10, e o poderoso Thor estava acuado de forma preocupante em Jorney to Mystery #110. Convenhamos que por mais apreensivo a “A morte de um herói” (#32), artifício que viria a ser banalizado com o passar de décadas, atinge a curiosidade em cheio do observador. Afinal, até agora seria possível matar um dos quatro? A pergunta é sagazmente respondida com: nem todos os heróis usam máscaras ou uniformes, ou mesmo: nunca é tarde para se arrepender da covardia diante das tragédias que a vida lhe impõe. A vida abaixo dos mares de Namor é mostrada com mais detalhes na #33, guiado por um experimentalismo somando retículas e fotografias ao desenho, recurso que seria usado vários anos depois por Dave Mckean em suas 75 capas de Sandman. Atumma tenta dar um golpe de estado no soberano, porém a ajuda despercebida de seus inimigos o tira dessa enrascada, por mais valentia que o rei demonstre em sua batalha individual ao golpista. Seria essa uma retribuição da ajuda dada na edição #06? 

Em #34 – Uma Casa Dividida – agora os aventureiros se apercebem que também nem todos vilões usam uniformes e têm objetivos claros: Um milionário, objetivando comprar as ações de outros colegas (algo que seria feito em questão de poucos anos, como aponta as falas expositivas do perverso), propõe que eles o passem qualquer tarefa para ele resolver em uma semana, e se realizado, venderiam a ele o solicitado. Logo o desafiam a acabar com o QF, e ele quase o faz usando só o poder do dinheiro (O quinto elemento do mundo, segundo Miracleman de Alan Moore!). O conto tem a costumeira lição de moral que pode chatear alguns, sendo inegável mesmo o paralelo com a cruel realidade dos ricos e suas manobras sem pudor. A cena de confusão que faz os amigos fantásticos brigarem entre si é no mínimo bastante engraçada, e mais uma vez o traço kirbyano mantém uma diversidade irreplicável, uma verdadeira máquina de feições individuais. #35 traz o “Homem-Dragão”, obra do deslocado Diablo, que por incrível que pareça, consegue ser mais carismática que ele: Um monstro primitivo sem entender sua origem e função, despertando certo sentimento análogo em Ben Grimm. Johnny Storm finalmente decide voltar a estudar (afinal, ainda era só um adolescente), encontrando um Peter Parker “engraçadinho” pelos corredores da faculdade. A cena com alfinetadas lembra o encontro entre Stallone e Arnold na igreja em Mercenários 1Vale dizer: no mesmo mês, o Aranha estava lutando ao lado do Tocha contra o Besouro – flertando com a namorada na época do cara – rendendo uma das minhas cenas preferidas com a dupla, na qual o tímido Parker entra em fúria e “peita” o super-herói celebridade bem na frente dos colegas de classe que o julgavam um fracote...
1º ROUND

2º ROUND - WIN - PERFECT!

Tudo parecia ir bem na #36: o casal fantástico saía da dúvida, e finalmente noivava pra valer! Todos demais heróis aparecem para confraternizar, mas nem imaginava os quatro estarem prestes a entrar em sua primeira saga (mesmo com as histórias “terminando” ao final de cada edição, em vez do “Continua...” tão martelado hoje) capitaneada pelo infame “Quarteto Terrível”: Mago, Ardiloso, Homem-Areia e Madame Medusa! Por mais que #37 não repita a dose dos novos perseguidores e esclareça a covardia dos skulls, o lado astuto do argumento é desenvolver uma arma que serviria de salvação do grupo números depois, bem como um importante subtexto: Não condenar toda uma raça por um crime de alguns dela. A desventura segue com FINALMENTE o 4F sofrendo uma grande derrota, terminando a narrativa sem darem o troco. Seguindo a #39, temos a clássica trama de perda de poderes, e sendo acossado por um grande algoz: O artifício já havia sido usado em Amazing Spiderman #12, mas não deixa de ter seu brilho quando entra em cena o Demolidor. Dar ao vigilante cego a tarefa de guiar um herói que perdeu grandes dádivas seria usado futuramente em outro título do Aranha décadas depois, ilustrado por um tal de Frank Miller...[13] Considere a página final da #39 como o aderir ao “continua!”. Após tantas fugas, Coisa finalmente consegue seu mano a mano contra Destino na #40, em uma emblemática sequencia, que Jeph Loeb / Greg Land homenagearam em sua sofrível conclusão da mini Ultimate Power.

Ultimate Power #08



Além das estrelas! (#41-50)



“O jogo terminou, humanos! Por fim, percebo um tênue brilho de glória em sua raça, e me vejo obrigado a lhes dizer... Considerem seus ideais e façam jus ao enorme potencial em suas almas... Pois essa força será capaz de levá-los às estrelas ou afundá-los sob a ruína da guerra!”


A jornada entre quartetos tem sua conclusão no número #43. A capa com uma enorme frase “tudo deve ter um fim” com o grupo “do bem” nocauteado, por mais sensacionalista que fosse, buscava acabar com as repetidas batalhas, e fazer a trama voltar a andar com ampliação de elenco, formula que tanto os alçou até aqui. Madame Medusa serve como –literal--fio condutor aos Inumanos. A trama prometida no seriado televisivo deles é reproduzida com bem mais esmero aqui: Fugitivos de seu reino, ao lado de seu líder Raio Negro, esses estranhos seres fogem ao passo que planejam retomar a coroa a seu líder, tomada de forma ilegítima por seu irmão Maximus. A paixão a primeira vista de Johnny por Crystalis já ocorre na #45, bem como a participação do melhor inumano de todos: Dentinho. O silencioso Raio Negro só surgiria na #46, lutando sem usar seu famoso talento para destruição com a voz, em vez disso, se mostrando eficaz na luta corpórea, ao ponto de encarar sozinho o Coisa, com seu infame “golpe mestre”.



O ponto mais relevante, entretanto, é o Homem-Dragão ficando além da recuperação, mesmo soando destoante entre o enredo, a fábula silenciosa da besta consegue mostrar sem nenhuma palavra nela, um sofrimento ainda maior que o de Ben Grimm. No início da #47, o salvamento de Triton pelos Richards evidenciava uma futura aliança entre culturas tão diferentes. É outro mérito do velho Jack, o quanto Raio Negro consegue expressar com seus olhares, ainda mais levando em conta do mesmo usar máscara. Com o diferencial de não ter nenhum balão de pensamento, Raio faz jus ao título mais que merecido dos gibis: arte sequencial. Há uma tristeza indescritível em seu olhar, até mesmo quando recupera sua coroa – grande e aparentemente pesada na amplitude da sentença – não há sorriso em seu rosto, no máximo uma lembrança distante de não ter tamanho peso sob os ombros. Madame Medusa assume como sua rainha e intérprete, com a continuação, o que conhecemos da mitologia moderna!

Voltando para a Terra, com um q de inconcluso, entramos em um dos arcos –infelizmente curto - mais famosos de todos os tempos: A Chegada de Galactus. Os céus estão pegando fogo, um estranho ser prata anuncia que tudo chega ao fim, e que mesmo tendo duelado com deuses antes, os aventureiros estão frente a um titã milênios á frente em conhecimento e poder, enxergando-os tais quais insetos em algum jardim, nem se dando ao trabalho de combatê-los de forma direta. O gélido Surfista Prateado, criação do Jack Kirby (essa admitida por Lee...) realizava seu encargo de forma fatalista [14]. Não mais se tratava de alguma vaidade humana em ser venerado, mas a comiseração do deus era uma própria necessidade irrevogável da galáxia. Não parecia haver resposta lógica ou mágica (mesmo em uma revista em quadrinhos!) para resolver tal enigma de poucas horas para o juízo final. Se o universo Marvel chegasse ao ponto final ali, não haveria como culpar, tudo indicava o término da linha para todos os envolvidos. Porém, em uma solução atípica, o Vigia resolve burlar as regras mais uma vez, e mostrar “o caminho das pedras” ao jovem Tocha, fazendo esse uma “jornada inversa a do Surfista” e trazendo para os desolados companheiros uma arma capaz de os salvar. “Nós somos como formigas... Simples formigas” volta dizendo quase catatônico o jovem após ter contemplado as estrelas de perto. Em uma evolução anos luz dos simples terráqueos, Galactus é altamente compreensível ao mais atento leitor, ainda mais quando profere “foi o mesmo que colocar uma bomba na mão de uma criança”, e é repreendido pelo também evoluído Vigia “Sim... Mas esse mundo pertence a essas “crianças” e deve ser salvo!”. Os flertes do Rei dos quadrinhos com a antimatéria eram mais que explícitos aqui. Não fosse Stan sendo Stan, teríamos hoje todo um universo cósmico que acabou anos depois com a DC Comics como um enriquecimento ainda maior na mitologia dos quatro.... Passada a tempestade, Johnny finalmente entra para a universidade, porém, como questionado por ele: O que pode oferecer uma simples vida de universitário a alguém que já viajou muito além da galáxia? De maneira natural, outra “minoria” é adicionada ao elenco: um índio americano.
Ora, onde está a sacada? Simples, tanto ele quanto o cabeça quente por suas diferenças chamarão atenção das demais pessoas, uma maneira sutil do gibi mostrar a alguns que ser diferente é normal, bem como a maior lição passada nessa metade: o normal não existe, o que existem são choques de culturas em todos os lugares do mundo e fora dele, excetuando-se idiossincrasias, a única constante são os derivados entre amor e guerra, escolhidos pelo coração de cada um, por razões conhecidas só em seu íntimo (quando conhecidas...). O espírito humano, quando fincado na força de vontade (não só aos Lanternas Verdes), consegue se mostrar indomável em qualquer dos mais hostis terrenos, e todo problema por mais insolúvel que se mostre pode ser resolvido se analisado pela perspectiva certa. E a família? Bem, parece ser a base de tudo, até mesmo de uma totalidade compartilhada que perdura há exatos 56 anos e 7 meses desde do lançamento da #01 desses exploradores.









A Origem de Galactus


"Cada momento que passa traz a morte para mais perto de Taa! Tudo que podemos fazer é observar e esperar!"

Lee e Kirby voltam pra antes do nascimento do universo para mostrar o nascimento do poderoso Galactus. Ainda chamado Galan, o alien é mostrado no seu planeta-natal quando era apenas um mortal, até chegar o fatídico momento que ele é escolhido para um destino de grandes escalas cósmicas. Há aquele jeito do Lee/Kirby de contar acontecimentos que passaram por longos períodos em poucas páginas. Por fim eles não deixam de mostrar detalhes sobre a natureza do personagem que o tornam mais interessante, não se encaixando como apenas um vilão ou monstro.



Surfista Prateado: Parábola


"Apenas os covardes ou bajuladores veneram o poder.  O que há de divino em mostrar força? O que há de sagrado na brutalidade?"

Imperdível colaboração de Stan Lee com um dos maiores nomes dos quadrinhos europeus: Moebius! Após se conhecerem, os dois simplesmente combinaram de se juntar para produzir uma HQ do Surfista Prateado, um dos personagens favoritos de Lee, mesmo tendo sido ideia do Kirby. A história não se preocupa em demonstrar qualquer explicação do que está ocorrendo naquele tempo do Universo Marvel, há apenas o Galactus chegando na Terra com uma proposta diferente da usual. A nova abordagem do colosso é diferente e chega a parecer que ele foi descaracterizado (bem pelo seu criador, já pensou?), mas depois fica explicado porque das diferenças. O surfista, primeiro arauto que o gigante teve, está residindo na Terra e não demora a surgir de uma forma surpreendente e muito bem sacada. A todo tempo é mantido os textos reflexivos do surfista na narração, mas mesmo Lee sendo um escritor da era cheia de excessos de texto nos quadrinhos, em "Parábola" não há esse tipo de problema.


Com essa chegada diferenciada de Galactus, eles então mostram os reflexos que isso tem na sociedade; como na mídia, na religião e nas famílias. Stan usa essa rara oportunidade para expressar bem seu ateísmo, que muitos nem sabem que ele possui, e sua perspectiva negativa quanto a forma que a fé é utilizada pelos interesses inseguros e violentos das pessoas. Eles fazem uma história que mesmo contando com elementos fantasiosos do Universo Marvel é dramática e adulta na maior parte do tempo.


Há um constante balanço entre as visões de grandeza do Galactus e a humildade do Surfista, sempre procurando usar a razão e valorizar as coisas simples que são verdadeiramente essenciais. Os desenhos delicados do francês Moebius não só fazem jus ao histórico dele, mas também combinam bem com as cenas de ação impactantes que costumam haver nas aventuras da Marvel. Por fim é um trabalho precioso refletindo filosoficamente sobre o comportamento da humanidade.


"Se, ao término de 'Parábola', você olhar a sociedade sob um ângulo diferente, contemplando o destino do homem e questionando alguns dos princípios básicos, isso significa que Moebius e eu obtivemos sucesso em nossa colaboração." Stan Lee


A Última História do Quarteto Fantástico

"Eu nunca pensei que esse dia chegaria. Mas, Borracha, foi bom enquanto durou. Eu não trocaria vocês por nada nesse mundo."

Em 2007 lançaram uma história do Quarteto Fantástico como se fosse a última, escrita pelo seu próprio autor original: Stan Lee! Os desenhos são do amado John Romita Jr. e estão ainda mais bonitos do que o costume, as páginas que tem o Surfista Prateado e o Galactus são bem impactantes. Na trama o grupo começa a manifestar cansaço, como se estivessem velhos demais para o trabalho. Eis que um tribunal cósmico formado por seres poderosos apenas de consciência, sem corpo, resolvem que pelo seu comportamento a humanidade deve chegar ao fim, enviando o Juiz, um ser imponente que chega a Terra anunciando uma semana para o apocalipse. O Quarteto e quase todos os outros heróis da Marvel demonstram não ter qualquer pista de como se livrar do Juiz, que permanece inabalado perante todos os tipos de ataque. Os heróis então começam a aceitar o fim nessa situação idêntica a daquele filme "O Dia em que a Terra Parou". Há bem pouca ação e a trama é bem simples, como costumavam ser os primeiros roteiros do grupo, eles realmente deixaram o Stan Lee fazer do jeito dele, muito menos elaborado do que o que já foi feito por outros caras como Alan Davis e John Byrne.




REFERÊNCIAS:


[1] Wizmania #08, dezembro de 2008.















Créditos...

Ozymandias Realista: Quarteto Fantástico (#01-50)
Douglas Joker: A Origem de Galactus, Parábola e A Última História do Quarteto Fantástico

Gostou? Estamos só começando! Essa foi apenas a parte

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