Simulacro e simulação: a beleza de Red Dead Redemption II

 


Texto escrito por: Neófito


Texto sobre o jogo anterior: 

"Mais e mais civilização. Que confusão maldita estamos fazendo!"
- Arthur Morgan


O mundo está mudando com a chegada do novo século. Mais moderno, com novas tecnologias, grandes cidades pavimentadas, novos costumes. Mundo cada vez menor devido à expansão das ferrovias e novas embarcações para novos portos. Não há mais espaço para o velho jeito caubói, para velhas gangues de roubos a trens, sobre cavalos e com bandanas na cara. E Arthur Morgan, membro da gangue de Dutch van der Linde, começa a perceber isso, não sabendo mais como se posicionar no mundo em transformação ao mesmo tempo em que reflete sobre suas escolhas e baliza suas ações por viés moral, julgando a si mesmo e tentando redimir-se antes do fim de sua vida. Isto, entre outras coisas, é Red Dead Redemption II.
Meu primeiro contato com videogame foi na casa de Diego, amigo de infância. Não recordo bem minha idade, mas era bem pequeno. Console Atari 2600; ficamos maravilhados com aqueles jogos eletrônicos, a interação com o televisor nunca antes vista, onde qualquer figura esquisita e mal formada em pixels despertava nossa imaginação. No início dos games, havia este apelo à imaginação. Você precisava crer, por exemplo, que um quadradinho era uma espaçonave alienígena tripulada.

Alguns anos depois, Rodrigo nos apresentou ao Master System, o magnífico sistema mestre da Sega que nos chegou através da Tec Toy. Logo após, seu pai (um rico escriturário do Banco do Brasil, para quem se lembra o que era status na década de '80) lhe deu o Mega Drive 16 Bits. E, cara, que console. A cor negro profundo, o joystick em meia lua quedando bem nas mãos... Boas recordações. E, ainda com Rodrigo (hoje, funcionário do Banco do Brasil igual ao pai, sem o glamour e o holerite de antigamente), tivemos acesso ao Phantom System, cópia brasileira do Nintendo, onde jogamos bastante Super Mario Bros. e tantos outros, muitas vezes indo às locadoras nos finais de semana para alugar cartuchos (hoje, sei, quase tudo cópia pirata).

Com o tempo, perdemos o interesse por consoles e veio a época de poder ir ao centro na cidade, no Play Time situado à Avenida Rio Branco, entupido de marginais que roubavam nossas fichas sob ameaça de nos dar porrada, mas muita porrada. Ali, tínhamos os gigantescos arcades com Street FighterMortal KombatAliens vs. Predator e tantos outros. E, claro, diversas máquinas de pinball, as quais chamávamos de fliperama. Lembro bem das máquinas com temática Alien e Drácula. Esse tempo também esmaeceu. Na mesma época, eram moda os mini-games de origem obscura.

Alguns anos após, conheci o Super Nintendo e me apaixonei novamente por jogos eletrônicos, especialmente Donkey Kong Country 2: Diddy's Kong QuestDisney's AladdinSide Pocket e, claro, Mario novamente. Jogava por R$ 0,50 a hora perto de casa. Nunca tivemos consoles, pois eram caros e meus pais estavam de acordo que seriam supérfluos, perda de tempo, máquinas de fazer burros e que, de leva, ainda quebravam os televisores.

Outros jogos com menção honrosa em minha vida: caçadas a trombadinhas e senhores do crime em Streets of Rage, matança de nazistas em Wolfenstein, a fantasia disneyana de Castle of Illusion estrelando Mickey Mouse e X-Men: Mutant Apocalypse. Sempre tive um apego ao gênero briga de rua (Beat 'em up), em assunto de games. E este dos mutantes era bom no segmento.

Depois do Super Nintendo, acho que permaneci uns sete anos sem contato com games. Isso voltou no meio de minha graduação, quando joguei um tempo Tomb Raider no PC e comecei a ficar meio viciado naquilo, novamente. Também rodava alguns emuladores. Aí, devido a estudos e estágio, abandonei a atividade quase por completo. E só agora, em 2019, voltei jogar após comprar um XBox One S para minha filha, a qual vem demonstrando interesse na jogatina digital. Em resumo, parei com games quando os consoles estavam em sua denominada 4ª Geração e só retorno agora na oitiva, com a nona já batendo as portas em máquinas como Nintendo Switch, PlayStation 5 e o aguardado Atari Arcadia Stellar Vision.

Recordo ainda que, em meados de 2010, começaram a divulgar jogos para PC interessantes. Também havia versões para consoles, mas eu estava totalmente alheio a isso. Fiquei maravilhando como alguns carinhas geniais estavam reinventando meus saudosos jogos de plataforma de maneira aparentemente simples (ao menos na superfície) e, no âmago, complexa. Foi o caso de Braid do projetista Jonathan Blow. No jogo, Tim manipula o tempo de diversas maneiras, em seis mundos, enquanto coleta peças de sua memória afetiva para, ao final, tentar recuperar o amor perdido. O autor/artista do game deixou abertas outras acepções na trama. Assim, por exemplo, também podemos estar diante de algum aspecto do Projeto Manhattan e do arrependimento pela manipulação do poder atômico. Penso, também, que se poderia tratar do eterno dilema humano entre a busca, a conquista e o domínio do conhecimento e a ulterior sensação de perda durante esse trajeto. De qualquer forma, para mim, Braid sempre será a história do amargurado buscando, em vão, desfazer erros passados para ter novamente a mulher amada nos braços. Além de tudo, é uma bela homenagem à antiga estética dos jogos de plataforma e, em especial, ao Mário da Nintendo. A manipulação do tempo, por sua vez, veio de Prince of Persia: The Sands of Time (2003), outro jogo presente em minha infância quando mais simples (o primeiro, de 1989).


Na esteira de Braid também ganhamos Limbo, uma pequena obra de arte meio gótica, meio expressionista que lida com cadáveres de crianças na borda do inferno, bullying e medos personificados na figura de uma aranha gigante. Na história do jogo (plataforma com design sombrio e belíssimo trabalho sonoro, assim como foi o jogo de Jonathan Blow e seus violinos com céus pós-impressionistas ao fundo), o garotinho tentar encontrar sua irmã numa espécie de purgatório, perambulando florestas soturnas, escombros e antigos parques fabris abandonados. Outra relação com Braid é ser um jogo de quebra-cabeças (puzzle), embora não tão complexo quanto seu antecessor nas decifrações. Zerei ambos os games e acho uma pena não existirem em mídia física para que possamos guardá-los. Eu compraria, dinossauro que sou apegado a objetos táteis.

Pensei que, atualmente, os jogos acima mencionados teriam se multiplicado e deixado herdeiros. Mas parece que não. Ao menos, não muitos. Acho que, diante do poder computacional dos consoles modernos, as corporações ainda preferem dar ênfase a imensos projetos com gráficos arrojados, mundos abertos com mapas colossais que, mesmo assim, parecem vazios, destituídos de conteúdo. RDRII parece, às vezes, fazer parte disso, com seu mundo quase sem fronteiras, missões em excesso e longas horas dedicadas a cavalgadas, cuidados com alimentação, higiene (sua e de sua montaria), limpeza de armas, caçadas e pescarias, fabricação de remédios, contabilidades (quanto você roubou e quanto é devido à gangue, para compra de insumos diversos) etc. Mas, penso, isso faz parte da poética do jogo. O vazio nesta obra é, de certa forma, apenas o banal, qual reflexo, da vida real.

Diferentemente de quando eu era guri, hoje conheço benefícios dos jogos ao desenvolvimento humano. Otimizam  visão e atenção, estimulam criatividade e, sobretudo, retardam a deterioração cerebral em pessoas de idade avançada. Sem contar, claro, serem bens culturais dignos de apreciação. Em alguns casos, verdadeiras obras de arte. Quem em dado momento ouviu as composições de Gustavo Santaolalla (BabelBrokeback Mountainpara The Last of Us (PlayStation) sabe do que falo. O trabalho em roteiros também é intenso.

Na primeira semana, fiquei apenas fuçando o console, abismado com a capacidade computacional. Aí coloquei uns "roms" em minha conta One Drive e matei a saudade de jogos da infância. Também comprei joguinhos na loja on line, como Mônica e  A Guarda dos Coelhos. Ainda aproveitei para jogar algumas coisas novas e, um dia, estando nas Americanas, vi Red Dead Redemption II. Havia visto imagens desse jogo por acaso no Youtube e fiquei maravilhado. Então, por que não comprar? Foram duzentos paus bem gastos. Nunca poderia supor que a tecnologia de games tivesse chegado a algo assim.

Red Dead Redemption 2 possui ótima trama, bem construída, belos e impecáveis gráficos, jogabilidade a qual considero boa para um iniciante e bastante interação com tudo à volta do jogador. E, para melhorar, no ambiente que amo: o velho oeste (não tão velho na história) americano e sua edificação em sangue, suor e lágrimas. Para um fã de faroeste igual a mim, como é bom ver estradas carroçais, revólveres Colt, coldres, selas e demais apetrechos em couro, bem como parrudas facas bowies, planícies ora secas, ora esverdeadas. E as nevascas são um espetáculo. Jamais imaginei que os games chegariam a um nível onde a neve parece mais real do que a real.

Sei haver jogos onde se procura extrair o máximo de interação entre usuário e algoritmo, como nas produções da francesa Quantic Dream, por exemplo. Mas não é a mesma coisa. Penso que um ambiente como o de RDR2 acaba por nos dar maior interação e ressonância emocional. No entanto, claro, esse ponto de vista é puramente íntimo.

Estou indo aos poucos neste retorno ao mundo dos videogames. Não gasto horas e horas do dia. Jogo quando posso e dá na telha. Acho que estou pegando o jeito e não tenho pressa, pois realmente esses controles atuais são extremamente complexos em vista dos de antes. Aos poucos, chego lá. Ao menos estou me divertindo e isso é o que importa. E, creio, as definições para simulacro e simulação nunca se aplicaram tão bem numa produção humana como na beleza de Red Dead Redemption II.

Abraços renderizados e até a próxima.

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