Para quem não está por dentro, a polêmica dos últimos dias foi a confusão entre o célebre dublador Guilherme Briggs e a fandom do anime Chainsaw Man, tudo por causa de “falta de pica”. Na verdade, por falta da palavra “pica” que aparece em uma das frases do personagem Demônio do Futuro. A frase em questão foi traduzida pelo pessoal dos scans como “O futuro é pica”. Na versão dublada do anime, ficou “O futuro é top”; na edição publicada pela Panini, foi traduzida como “O futuro é demais”. Das três versões, sem dúvida “O futuro é pica” é a mais forte, e dá para entender porque ela foi rejeitada.
No entanto, a meu ver, a versão dos scans não ficou tão destoante assim do mangá, porque Chainsaw Man, apesar de ser um shonen da Shonen Jump, a principal revista do gênero no Japão, é um shonen bem fora da caixinha, com violência extrema e situações sexuais pesadas para um mangá do gênero. Chainsaw Man é um mangá “meio errado” mesmo. Portanto, a tradução dos scans com um tom mais preconceituoso até que cai bem no mangá, apesar de ser bem condenável nesses tempos mais politicamente corretos.
A
despeito disso, o que não é certo é o ataque que Briggs sofreu nas redes
sociais, por um fandom furioso que queria que a dublagem fosse exatamente
idêntica ao anime. Apesar de Briggs gostar de posar de nerd, duvido que
ele tivesse como saber como a fala estava no scan. E, ainda que soubesse,
ele é apenas o dublador, e não o tradutor. Não é exatamente da responsabilidade
dele isso. Digo que não é exatamente porque, quando diretor de dublagem, Briggs
teve autonomia criativa na dublagem da animação Aqua Teen para o bloco Adult
Swim do Cartoon Network. Teve tanta autonomia que o próprio Cartoon
não aprovou o resultado final, porque achou que ficou muito pesado, até mesmo
para uma animação para adultos. Dessa forma, tudo o que Briggs fala na dublagem
tem de ser aprovado pelo cliente, e não sei se estariam de acordo com “O futuro
é pica”.
Se bem que acho mais fácil passar uma “pica”
que um “viado”, que é algo que os personagens de Chainsaw Man com
certeza falariam. Engraçado que, quando eu era criança e adolescente, nos anos
80 e 90, não era permitido palavrão em filmes dublados. Um “shit” tinha
de ser traduzido para “droga”, e não “merda”; depois relaxaram com isso. Porém,
se antes era o moralismo que proibia os palavrões na dublagem, agora é o
politicamente correto extremado. Vivemos em tempos em que o TSE quer proibir
palavras como “denegrir” e “esclarecer” por considerá-las racistas, aí é que um
“viado” não passa mesmo.
No meu entender, toda a celeuma não deve dar em nada; só lamento que Briggs tenha optado por abandonar o projeto. Acredito que a maioria de seus haters não passe de moleques, adolescentes enfurecidos. Porém, como suas redes sociais foram hackeadas e ele deve ter ficado assustado, também entendo seu lado.
Ironicamente,
talvez o único ponto positivo de toda essa história é que toda a controvérsia deve
ter ajudado Chainsaw Man a se tornar mais popular. Quem nunca tinha
ouvido falar do mangá e do anime pode estar indo atrás para conhecer. E, como
eu estou comprando e lendo o mangá da Panini, digo que vale a pena, sim. É um shonen
diferentão e politicamente incorreto. Espero que a Netflix adquira os direitos
do anime. Mas, enquanto no adquire, o anime está disponível no Crunchyroll e na
“Locadora do Paulo Coelho”, para bom entendedor. Esse negócio de um mangá/anime tornar-se conhecido e furar a bolha por razões não muito boas já aconteceu antes
com Berserk, por exemplo. Depois que Kentaro Miura faleceu e descobriram
que o jogo Elder Ring teve inspiração do mangá, o Twitter quis cancelar
a obra por causa das cenas de estupro, mas acabou a promovendo. A mesma coisa
aconteceu com Goblin Slayer.
Meus
votos para que Briggs não tenha mais dor de cabeça por causa de parte do fandom
de Chainsaw Man. Digo parte do fandom porque não é todo o fandom
que é idiota.
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