
Não sou de escrever muito sobre séries, principalmente as que começaram agora, ficando nessa de analisar episódio por episódio. Vou abrir uma exceção para esses dois, porque realmente eu os vi essa madrugada e senti vontade de discutir com outros fãs nos comentários. Não preciso chover no molhado de que a série do Demolidor foi a melhor adaptação de quadrinhos em um seriado até hoje. Muita gente minimiza, dizendo que só gostou da primeira temporada, ou que prefere outras como Sandman (vai ter 2º temporada, Neil?), Smallville, Arrow ou até Superman e Lois, (citando as da DC, porque em questão de quantidade e número de temporadas, ela sempre dominou nesse segmento).
O que deu certo nas
temporadas do Demolidor, ainda na Era Netflix, foi a série ter vindo numa “Era
de Ouro” do streaming, onde suas séries tinham um selo de qualidade,
vide Narcos e House of Cards (que até hoje eu não vi, mas Narcos
é excelente), com seu modelo que se tornou padrão de 13 episódios contínuos --
seguindo a tendência que Breaking Bad havia popularizado -- tornando um tipo
de filme coeso com horas a mais, que você assistia até mesmo de um dia para o
outro. Distanciado do modelo padrão de “caso da semana”, mantido ainda nas
séries mais tradicionais e longevas da TV.
O Demolidor conseguiu trazer
ação de alta qualidade (novamente, se comparado com o que tínhamos nas séries),
excelentes atores, um recorte respeitável do universo do personagem e fidelidade
aos quadrinhos, dada algumas ressalvas, e nestas ressalvas podem residir críticas
a fatores que foram potencializados nessa nova temporada, como a falta de hesitação
em matar personagens importantes no universo do Homem Sem Medo, vide Leland
(O Coruja dos quadrinhos, que nem teve a chance de se tornar um vilão em
carreira solo) e o jornalista Bem Urich, que apesar da troca de etnia, teve boa
parte de sua personalidade mantida... Até ser esmagado em uma reviravolta pelo
Rei do Crime. Nesse recorte mais realista e urbano do personagem, conceitos
como o Tentáculo foram subaproveitados, bem como a própria Elektra. O acerto
maior da série foi na construção de Murdock e Fisk como pilares do show. A alma
do negócio. Como dois homens tão diferentes, mas igualmente obstinados e
doutrinados por seus respectivos pais um dia colidiriam. A presença de Fisk é
tão grandiosa, que mesmo na segunda temporada, onde tem uma participação
especial, ele rouba o momento para si (ele e o Justiceiro, na verdade).
E é retomando essa dinâmica,
tal qual um tipo de remake / reboot tão comum aos dias de hoje
que a série se sustenta. Só que o preço para isso, para mostrar que agora “é
mais sério” é o elefante na sala que você deve ter pensado e ficado puto
enquanto assistia: a morte aparentemente gratuita do Foggy (seria um
home na geladeira? - Por favor, só estou sendo irônico), basicamente o melhor
amigo do Matt e um daqueles personagens que você não mata nem nos quadrinhos,
sendo uma das âncoras de humanidade do protagonista. Tudo é tão rápido, que
parte de mim entrou em negação, de que primeiro toda aquela cena fosse algum tipo
de sonho ou pensamento, que os caras não teriam essa cara de pau de fazer o
público ficar feliz em ver o trio de amigos reunidos no trailer (The Last of Us
II feelings), e isso acabar de primeira, com um ataque sem explicação do
Mercenário, que sabia o que tava fazendo, já que provavelmente alguém (que se a
série manter a lógica não foi o Rei - talvez a Vanessa?) explanou para ele que
o Murdock era o Demolidor.
E porra, nem nos quadrinhos
o Lester sabe da identidade do Demolidor. Talvez porque na mesma dinâmica do
Coringa com o Batman, isso tiraria a graça.
Vamos ver lá para frente
como a série vai explicar isso...
Aí que entra o pé no acelerador,
ao contrário da série da Netflix, você tem um vislumbre de um Demolidor muito
mais acrobata e porradeiro como nos quadrinhos, e esses 15 minutos iniciais de
explosão é tudo o que vai ter dele uniformizado em dois episódios. E nisso a série
se propõe a divagar sobre um ano depois dessa nova vida, onde o Demolidor “se
aposentou” e tem que lidar com “O Retorno do Rei” agora sendo um prefeito, e o
caso do Tigre Branco, no qual vai advogar, mas como diria o Ross lá do gibi do
Pantera Negra: estou me precipitando.
Eu sou um tanto crítico de
muitas vezes você sair pegando várias fases de um personagem e fazendo esse
tipo de mistura, porque muitas vezes você tá utilizando o conceito, mas não a
essência daquele conceito (coff, coff, The Batman). Por exemplo, o grande peso
do Murdock aparecer tanto como advogado defendendo o Tigre, é justamente ter a
identidade secreta exposta na mídia. Sem esse recurso, a força dessa narrativa já
fica em parte significativa pelo caminho. Não que isso torne a série ruim, eu
gostei bastante, e nem tô entrando no mérito do gancho (ótimo, por sinal) que o
segundo episódio deixa. As referências do roteiro pegam elementos emprestados
da fase do Soule, Bendis e Zdarsky e tentam criar uma trama que seja tão boa
quanto as temporadas anteriores, e dessa vez mais “quadrinhesca”, referenciando
com inteligência o ponto que a última temporada parou, e sendo mais inteligente
ainda ao ignorar todas as inserções que fizeram dos dois personagens em minis
falidas da Disney Plus.
[Segura aí o seu UCM
altamente interligado onde tudo é pensado dez anos antes e você “não pode
perder de assistir nada para não perder o todo].
A série também trás uma boa
dose de política - já que há uma eleição em andamento, bem como a administração
do cargo - sem cair em clichês militantes de hoje em dia. Embora muita gente vá
os achar. Seria muito fácil colocar o Fisk como um tipo de Donald Trump, mas
felizmente - ainda - esse tipo de subestimação da inteligência do público não
está sendo feito, além do personagem ser muito grande e complexo para ficar
reduzido a isso. Em dados momentos há uma sinalização de que “os memes vão
eleger o Fisk”, bem como algumas pessoas na rua possuindo o padrão da direita
padrão americana o apoiando incondicionalmente, mas logo é mostrado que o estereótipo
da esquerda, principalmente os jovens dinâmicos, também o apoiam. Além das
falas do personagem, com os seus projetos de “mais regulamentação” e voltar a “aplicar
o Estado de Direito” ressoem muito mais com outro campo ideológico. A bem da verdade, a política é só mais um
meio pro Fisk, e eu fico feliz da série manter isso. Se trata de poder pelo
poder, bem como uma forma de se legalizar ao máximo.
Enfim, não vou gastar mais
vocês, deixem nos comentários o que acharam da série. Eu só liguei o sinal
vermelho na parte da tatuagem da caveira do Justiceiro em um dos policiais --
que foi assassinado pelo Murdock?! --. Achei todas as partes com o Fisk mais
interessantes que as do Murdock (e sua nova namorada, conviventemente entre
ele, Fisk e o possível maior vilão da primeira metade da série, o Muso), mesmo que
o próprio ainda não tenha “sujado as mãos” (talvez no máximo só machucado de
leve dando um corretivo em alguém). Apesar do primeiro episódio ter sido
arrastado, no meu crivo, até agora tá uma série nota 8, e conseguiu captar a
minha atenção para acompanhar semanalmente (saudade de quando saia tudo de uma
vez...).