Eu li os comentários da Parte I desse post com bastante calma e é muito tentador simplesmente concordar com
eles. Afinal, quem em sã consciência vai discutir a qualidade técnica de Veneno
ou Faces?
Mas, sendo brutalmente honesta com vocês (e comigo mesma), se eu colocar algo como Veneno aqui, eu estou traindo a proposta dessa coluna de se manter nas tramas mais obscuras e intimistas.
Então, deletei o rascunho onde eu
tentava analisar arcos mais clássicos pela milésima vez. Em vez de seguir as
sugestões de vocês (desculpa, meninos, mas autenticidade é inegociável), fui na
estante da minha memória (leia-se reler gibis velhos) ter uma segunda visão do que
eu tive na época.
Uma curiosidade é que li em um blog que aparece na aba dos “blogs parceiros” o “Submundo HQ” que a história “Snow” que eu coloquei como extra vai ser republicada por um preço bem salgado pela Panini. Só gostaria de pontuar para quem gosta de colecionar e tá sempre de olho em promoções. O que é 70 reais hoje, pode tá por 35 em alguns meses, com paciência. 😉
1) Fé (Faith #21–23)
O Xandão colocou no Top 5 dele e
o Ozymandias citou como referência para o Cavaleiro das Trevas do Nolan.
E, de todas as citadas nos comentários, essa é a única que mantive. Não por ser
popular, mas porque ela me deu um soco no estômago quando li pela primeira vez,
além que de que ela deveria estar no top anterior. Não gosto de clickbaits, faço
aqui essa reparação.
A sinopse é simples: o Batman inspira um grupo de vigilantes. Mas o que me marcou aqui não foi a trama, foi o
olhar da Leslie Thompkins. Eu tenho um fraco por histórias que mostram o Batman
falhando não na luta, mas na ideologia. Em Fé, a Leslie não é a
"mãe substituta" fofinha. Ela é o superego gritando. Ela olha para o
Batman e vê quase uma doença, vê o rastro que ele deixa. Lembro de ler isso e
pensar que “talvez a gente esteja torcendo pelo cara errado". O Mike W.
Barr tem a coragem de mostrar que, às vezes, tentar salvar a cidade só inspira
os piores tipos de "salvadores". É uma leitura amarga, que tira o
gosto de vitória da boca.
2) Voador (Flyer #24–26)
Se Lâminas é sobre um
herói romântico, Voador é o oposto cínico e doloroso.
Voador é um herói com armadura
tecnológica brilhante. Só que, por baixo do metal, tem um veterano de guerra
destruído, manipulado pelo próprio governo (a CIA, no caso). O motivo dessa
história ter grudado na minha cabeça é o contraste visual e temático. O Batman é
a sombra, o "monstro", mas é o único mentalmente funcional ali. O
Voador é a imagem dourada do heroísmo americano, mas é completamente quebrado
por dentro. Me marcou porque, diferente das histórias de super-herói coloridas,
essa aqui cheira a hospital e trauma não tratado. O final não tem glória; tem a
tristeza de ver alguém que foi mastigado pelo sistema que jurou defender. É o
tipo de roteiro que faz você olhar para filmes de guerra com outros olhos.
3) Tao (Tao #52–53)
Eu sempre fui fascinada pelo
período de treinamento do Bruce, antes dele vestir a capa. Mas a maioria das
histórias foca nele aprendendo a uma arte-marcial ou técnicas de furtividade. Tao
foca no silêncio.
A história é toda costurada com
flashbacks do Bruce treinando no Extremo Oriente. O que me pega aqui é a
atmosfera de sonho. O Batman está apanhando feio de um vilão, mas a mente dele
está flutuando em memórias de lições sobre equilíbrio e caos. Eu gosto dessa HQ
porque ela humaniza o Bruce de um jeito quieto. Mostra que a força dele não vem
da raiva (como todo mundo adora dizer), mas de um controle absurdo sobre a
própria dor. É uma história visualmente linda, quase poética, que me fez
entender que o Batman é, antes de tudo, um monge da violência.
4) Motores (Engines #74–75)
Essa é, sem dúvida, a coisa mais
perturbadora que já li nesse título. E não tem um pingo de sangue espirrando na
tela.
O genial (e horrível) de Motores
é que o Batman mal aparece. A história é narrada em primeira pessoa por um
assassino em série. Mas ele não é um "gênio do mal" tipo o Coringa.
Ele é um sujeito comum, burocrático, que mata pessoas com a mesma emoção de
quem carimba papel. A arte do Ted McKeever é feia, suja, distorcida. E o motivo
pessoal de eu amar essa história? Ela me deu medo de verdade. Não medo de
monstro, mas medo da frieza humana. Ver o Batman pelos olhos desse assassino é
uma experiência única: o Morcego parece um demônio, um erro no sistema, uma
falha na lógica mecânica da morte. É uma leitura que faz você se sentir sujo
depois.
5) Barro (Clay #89–90)
Para fechar, uma tragédia.
Esqueça o monstro de lama gigante lutando contra a Liga da Justiça. Barro
pega o Matt Hagen (o Cara-de-Barro) e o trata como um viciado em estágio
terminal.
O arco mostra o Hagen
desesperado, não para roubar bancos, mas para conseguir a substância que o
mantém inteiro, porque ele está literalmente derretendo. O Batman tenta ajudar,
mas a história é cruel. Esse plot me marcou porque ela trata a perda da
identidade como o maior horror possível. Ver um homem esquecendo a própria
forma, o próprio rosto... é um pesadelo existencial muito pior do que levar um
tiro. O final é de uma melancolia que poucas HQs de herói têm coragem de
entregar.
Sendo bem autocrítica, não achei essa parte II tão boa quanto a anterior. Sejam sinceros nos comentários. Se alguém que leu esse post até o fim e parou para dar uma chance a alguma dessas histórias, deixe nos comentários. Seguramente não teremos uma parte III, mas a interação de vocês sempre rendem ideias para outros posts, obrigada por seguirem “na linha” e espero que tenham aproveitado o Natal. Eu tentei aproveitar o máximo fora da internet. 💫
E Xandão, você disse que prefere o Coringa como monstro puro sem nuances humanas... será que ler Motores não te faria mudar de ideia sobre o que é um monstro de verdade?






