Livros que deveriam ter acabado antes da página 100




 (Contém spoilers)

Eu não sou uma leitora tão assídua quanto gostaria de ser. Já tive fases mais vorazes, outras mais desanimadas, e a verdade é que sempre carrego uma pilha de livros começados. Mas entre os que concluí, alguns me deixaram com a sensação incômoda de que deviam ter acabado antes da página 100. Não é birra. É frustração mesmo. Aquele sentimento de "poderia ter sido genial, mas escolheu se arrastar até virar só um livro comum".

 

Essa é a minha lista — e claro, é só a minha opinião. Se vocês gostarem do formato, posso trazer uma parte dois, até com livros que mereciam continuação ou que eram ótimos, mas curtos demais. Vamos aos cinco livros que deviam ter terminado enquanto ainda eram inesquecíveis:

 

Veronika Decide Morrer (Paulo Coelho)

 


Eu tinha 17 anos quando li, no auge do drama adolescente, e pensei que ia me encontrar no livro. O título me pegou de cara. A primeira parte é intensa, quase cruel. Veronika tenta o suicídio e acorda numa instituição psiquiátrica achando que vai morrer em poucos dias. Isso te obriga a acompanhar a vida pelos olhos de alguém sem tempo — e isso, aliás, é um recurso narrativo incrível.

Mas Paulo Coelho é Paulo Coelho. Ele sempre precisa evangelizar. E em vez de manter a história dentro da claustrofobia da condição dela, a coisa vira um sermão sobre a "verdadeira loucura" da sociedade, com direito a um final forçado que transforma a morte em metáfora e o psiquiatra em manipulador. A partir da página 100, tudo soa como tentativa de justificar a vida com frases de autoajuda. E eu estava esperando uma pancada. O problema não é Veronika sobreviver — é como. É o tom. É a sensação de que fui enganada com promessas de profundidade e recebi um panfleto de coaching disfarçado.

 

O Lobo da Estepe (Hermann Hesse)

 


Li com 21 anos, achando que estava prestes a entrar num clássico existencialista à la Sartre. E é. Mas também não é.

A premissa é forte: Harry Haller, um homem dividido entre o intelectual civilizado e o instinto animalesco, vive numa espécie de crise niilista silenciosa. A primeira parte do livro é melancólica, cheia de raiva contida, e o "Tratado do Lobo da Estepe" é quase uma obra-prima.

Mas depois... vem o circo.

Literalmente. O Teatro Mágico entra na história e com ele uma espécie de surrealismo que engole a dor e transforma tudo numa metáfora que vai ficando cada vez mais simbólica e cada vez menos tocante. Não é ruim, é só... disperso. Eu terminei com a sensação de que Hesse teve medo de enfrentar até o fim a crueza que prometeu no início. Era pra ser uma espiral sombria e virou uma peça de vanguarda sobre aceitação interna.

 

O Mundo de Sofia (Jostein Gaarder)

 


Com 13 anos, achei que estava lendo um livro genial. E por um tempo, estava mesmo.

Sofia começa a receber cartas misteriosas com aulas de filosofia e a narrativa intercala isso com a própria história dela. Aristóteles, Platão, Descartes, Kant... é uma verdadeira introdução à filosofia. A parte didática é fascinante, e a ambientação — a garota em sua rotina, as cartas chegando, os enigmas — funciona como um ótimo motor de mistério.

Mas quando o livro decide ser "metafísico", tudo degringola. Descobrimos que Sofia é um personagem dentro de um livro escrito por um major para sua filha Hilde — sim, o livro dentro do livro. E a partir daí tudo vira uma confusão de vozes, metalinguagem gratuita e um monte de eventos que só existem para demonstrar que, veja bem, eles são personagens conscientes disso.

Quando terminei, só consegui pensar: a história de Sofia era muito mais interessante antes de tentar virar uma discussão sobre livre-arbítrio literário.

 

O Caçador de Pipas (Khaled Hosseini)

 


Eu li esse aos 19. E chorei. Claro que chorei. Todo mundo chorou. A história de Amir e Hassan é tocante. A primeira parte do livro, com a infância deles no Afeganistão, é devastadora. A cena da pipa azul. O trauma. A covardia. O exílio.

Até ali, é um livro excelente.

Mas aí vem a jornada de redenção. E ela precisa ser explícita. Cinematográfica. Amir volta ao Afeganistão depois de anos e descobre que o filho de Hassan está em perigo. E claro, ele precisa resgatá-lo. Porque isso é o certo. Porque há uma forma de "ser bom de novo".

E é justamente esse moralismo que esvazia a força do livro. O homem adulto fazendo o que o garoto não teve coragem. É bonito, mas é fácil demais. O mundo real não oferece redenções tão bem roteirizadas. Quando o livro termina, parece que o autor queria se redimir com os leitores, e não o personagem consigo mesmo.

Se acabasse antes da página 100, seria mais cruel. Mais honesto. Mais literário, até.

 

Alta Fidelidade (Nick Hornby)

 


Li esse aos 24, depois de já ter visto o filme — e vou dizer logo: veja o filme. Ele tem a medida certa de cinismo, humor e melancolia.

O livro é divertido no começo. Rob é dono de uma loja de discos, recém-terminado com a namorada, e começa a listar seus cinco términos mais marcantes. A estrutura funciona bem. Você se envolve. Ele é um babaca carismático, o que também é um tipo de narrador interessante.

Mas Hornby parece não saber quando parar.

Rob começa a se repetir. As descrições das ex-namoradas começam a parecer reciclagem. E quando finalmente reencontra Laura, a ex do começo, a história vira uma espécie de ensaio sobre como homens medíocres usam o gosto musical como escudo de sensibilidade.

Quando terminei, só conseguia pensar que o livro seria incrível se tivesse 100 páginas. Deixaria Rob no meio do caos emocional, não na tentativa de parecer "maduro" com finais melancólicos em tom de reconciliação.


Esses foram os meus cinco.

Agora quero saber de vocês:

Quais desses livros vocês já leram?

E quais livros vocês sentiram que deviam ter acabado antes da metade?

O ideal é que tenham sido livros que vocês terminaram, mesmo que tenham detestado. Nada de dropados.

Se vocês curtirem esse tipo de postagem, posso fazer uma parte dois — ou o oposto: livros que mereciam continuação, mas foram curtos demais.

Vamos conversar.

E na próxima semana trago o texto o “Escrever Me Curou, Mas Também Me Fez Pior”. Interagindo com vocês, notei que ninguém se mostrou curioso até agora com o “A arte de odiar discretamente”. Posso reavaliar se vale a pena terminar de escrevê-lo.

– M. Valentine (34 anos, ainda decepcionada com a segunda metade de muitos clássicos por aí).



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