Doutor Estranho no Multiverso da Loucura - Sam Raimi fez diferença? - Review com alguns spoilers

 

E não é que fui assistir a Doutor Estranho no Multiverso da Loucura na pré-estreia? Resolvi ver o filme meio de última hora; a sessão estava cheia de moleque com camisa da Marvel, virou meio que uma grife. Engraçado é que a maioria da molecada nunca leu um gibi. Mas e o filme em si, é bom? Sam Raimi fez um diferencial, ou é mais do mesmo da Marvel?

Bem, posso dizer de antemão é que o filme está longe de ser autoral; é um filme da Marvel com a assinatura visual de Sam Raimi, mas quem está dizendo que é autoral está falando bobagem, a meu ver. Tem sim todo o script da fórmula Marvel; porém, acredito que a direção inspirada de Raimi melhorou muito o resultado final. Essa questão se filme de super-herói pode ser ou não autoral é polêmica, mas sou da opinião que não existe filme de super-herói autoral, principalmente se são da Marvel e DC, pois são propriedades intelectuais muito grandes. Há exceções, como Hellboy II, de Guilhermo del Toro, que para mim é um filme autoral, pois Del Toro inseriu muito de seus conceitos estéticos no filme. Entretanto, a maioria dos filmes de super-herói não é autoral de maneira alguma. Não coloco nem a trilogia do Batman de Christopher Nolan nesse balaio. A questão é que há alguns filmes que ficam no meio termo. A trilogia do Batman de Nolan e The Batman, por exemplo, creio que são mais autorais que Doutor Estranho no Multiverso da Loucura. Até em sua trilogia do Homem-Aranha, Raimi não teve toda a liberdade que desejava, porque teve muitos conflitos criativos com Avi Arad, particularmente no terceiro filme, em que foi obrigado a inserir o Venom. Quem quiser assistir a um filme “autoral” de Sam Raimi, pode ver a trilogia de Evil Dead, Darkman, Arraste-me para o Inferno e O Dom da Premonição, entre outros.





Mas e o enredo do filme, que foi propositadamente não muito divulgado? Bom, basicamente é a Wanda, interpretada por Elisabeth Olsen, loucona após os eventos de WandaVision; ela se apodera do Darkhold, o livro da magia negra da Marvel e torna-se corrompida. Seu objetivo é conseguir tomar os poderes de América Chavez, cujo papel é feito pela novata Xochitl Gomez, uma jovem que pode saltar entre os mundos do Multiverso, e dominar o corpo de uma versão sua em outro universo, que também tem um casal de crianças gêmeas. Esse plot da Feiticeira Escarlate insana vem desde a fase dos Vingadores da Costa Oeste nos quadrinhos, quando ela perde as almas de seus filhos para o vilão Mestre Pandemônio. A escolha de América Chavez para ser o fio condutor da trama não foi à toa. Ela foi criada nos quadrinhos tendo em vista atingir os millennials, também conhecido como geração Y ou snowflakes, a geração mi mi mi. Apesar de ser uma péssima personagem nas HQs, no ranking da Marvel, ela tem um status de um dos seres mais poderosos, com um nível de poder imenso. Então, América Chavez é o elo de ligação do Doutor Estranho, um dos heróis mais antigos da Marvel, com os millennials.


O doutor Stephen Strange, interpretado pelo celebrado Benedict Cumberbatch, pensa que pode confiar em Wanda e revela o paradeiro da jovem. Ao se dar conta do que fez, já é tarde demais, e a Feiticeira Escarlate surge acompanhada de bestas nos portões de Kamar-Taj. Geralmente, os filmes são mais light que os quadrinhos em termos de violência, mas os atos de maldade da Feiticeira Escarlate no filme a meu ver foram mais expressivos que nas HQs. Ela assassina a maioria dos feiticeiros de Kamar-Taj, apesar de que não é nada muito explícito. Na verdade, essa cena é bem breve; a gente até pensa: “ué, já acabou”?. Nos quadrinhos, Wanda teve sua cota de maldades quando ficou insana; entre estas, há a felação implícita no Magnum, a destruição dos Vingadores na saga Vingadores – A Queda, o assassinato de sua mestra Agatha Harkness e o “Não mais mutantes” de Dinastia M, porém ela nunca assassinou tanta gente como na sequência de Kamar-Taj.


Dessa forma, o Doutor Estranho é obrigado a fugir da Feiticeira Escarlate através do Multiverso, acompanhado de América Chavez. Entretanto, o conceito de Multiverso talvez seja um tanto quanto complexo para um filme de pouco mais de suas horas; ele não é muito bem explorado. O que é bem explorado é o fanservice, desde a ponta de Bruce Campbell, o Ash de Evil Dead, fazendo um vendedor de cachorro-quente até a badalada cena com os Illuminati, que foi planejada para ser a cena mais comentada do filme, com certeza. Se essa cena fosse tirada do longa, certamente ele não teria nem metade de toda a repercussão. Os Illuminati do filme têm formação diferente da dos quadrinhos, constituída por Homem de Ferro, Reed Richards, professor Xavier, Namor e Raio Negro, a despeito de alguns desses personagens ganharem versão no filme, porém não vou dizer quais. Na verdade, o único que mencionarei é o Barão Mordo, que até aparece no trailer. Só posso dizer que os outros atendem bem ao fanservice: sabe aquele ator que fez um personagem Marvel famoso em uma franquia da Fox? Bom, ele está no filme. E aquele ator que nunca assumiu o papel de um personagem, mas ficou apenas nos rumores, apesar de ter um fandom? Bom, ele também está no filme. E aquele personagem que nunca teve versão no MCU, mas teve versão em uma fracassada série de TV? Igualmente está no filme. Bom, como dizem, para bom entendedor, meia palavra basta. Há outras duas personagens que estão nos Illuminati basicamente por “cota de empoderamento”, uma inclusive fala uma das frases chavão do MCU.


Em suma, o Multiverso da Loucura da Loucura foi pensado para ser um filme bem maior que seu antecessor, que serviu principalmente para introduzir o Doutor Estranho no MCU. Não é preciso assistir a nenhum filme da Marvel para entender o primeiro Doutor Estranho, ao contrário de Multiverso da Loucura, em que é necessário ter assistido pelo menos a WandaVision para entender o enredo. Homem-Aranha – Sem Volta para Casa, nem tanto, há apenas um diálogo que relembra o que aconteceu. E obviamente é preciso ter assistido também Guerra Infinita e Ultimato, se há alguma alma viva no mudo que ainda não viu esses filmes. Há duas cenas pós-créditos: a primeira é bem legal, porque apresenta uma personagem importante na mitologia do Doutor Estranho, interpretada por uma atriz bem famosa de Hollywood. Não vou dizer quem é, mas quem conhece bastante sobre o personagem não vai ter dificuldade de adivinhar quem é; a segunda cena pós-crédito é bem imbecil, nem vale a pena ficar para assistir, apesar de que acredito que todos devam ficar.


Multiverso da Loucura foi vendido como um “filme de terror da Marvel”, o que é uma grande bobagem; não tem nada de terror. Sim, há o toque de Sam Raimi, com seu estilo de direção, mas chamar de terror é uma afirmação bem hiperbólica. Lembrando que o terror de Sam Raimi na realidade bebe muito do trash. Ele foi um dos criadores do gênero “terrir”, a mescla de terror com comédia, como é o caso de Evil Dead e Arraste-me para o Inferno. Também há a ideia de que Raimi é um “diretor nerd”, e isso é uma meia verdade; ele dirigiu filmes como o faroeste de gênero Rápida e Mortal, estrelado por Sharon Stone, e a comédia sobre assalto Um Plano Simples. Então, constata-se na verdade que Raimi na verdade dirigiu todo tipo de filme, mas que após ele dirigir a trilogia do Aranha essa alcunha pegou. No entanto, dizer que Raimi é um “diretor nerd” é bem reducionista no que concerne a tudo o que ele representa para o cinema nas últimas décadas.

A meu ver, Cumberbatch está bem à vontade no papel, penso que é sim a melhor interpretação dele como Doutor Estranho. A despeito disso, ele me parece estar meio no “piloto automático”. É como se, ao interpretar o Mestre das Artes Místicas, ele só utilizasse 10% de sua capacidade dramática. É o típico papel para “reformar o banheiro”. Mesma coisa com Benedict Wong como o Wong (pleonasmo!); é um excelente ator, mas acredito que não use de toda sua capacidade interpretativa. Xochitl Gomez está ok como América Chavez, na medida. Ela faz bem o papel de adolescente em perigo e me fez tolerar uma personagem que acho enojante nos quadrinhos, a versão da América Chavez do MCU é melhor que a das HQs, o que não quer dizer muita coisa. Obviamente, ela também tem um momento girl power no ato final.

Devo dizer que o me incomoda um pouco no filme é a velha regra da Marvel de desconstruir o “homem branco e hetero”. No MCU, o Doutor Estranho é um bosta, ninguém o respeita. Ele não é nem mais o mago supremo, o título ficou com o Wong. E várias vezes ele é esculachado pelo Wong no filme. Sei que nos quadrinhos originais Wong era um criado, e isso hoje em dia não é mais aceitável, mas poderiam fazer um meio termo. Wong sempre tratou o Mago Supremo com muita deferência nas HQs. América Chavez, que é uma adolescente, também esculacha o Estranho. Até a ex-namorada do personagem, Christine Palmer interpretada por Rachel McAdams, nas HQs a Enfermeira Noturna, faz pouco dele. Na cena pós-crédito, a personagem que aparece já surge também provocando o Estranho, isso tudo depois de ele ter salvado todo mundo.

Infelizmente, outro elemento do filme que decepciona é a trilha sonora. E pensar que é de autoria do celebrado Danny Elfman. A verdade é que as trilhas sonoras mais recentes do compositor andam bem esquecíveis. Nem lembram as marcantes, de Batman, Edward Mãos de Tesoura, Dick Tracy ou até mesmo a do próprio Homem-Aranha de Sam Raimi.

E não há nem o Homem-Aranha de Tobey Maguire nem o Homem de Ferro Superior interpretado por Tom Cruise. Isso foi fake news em que o povo caiu. Multiverso da Loucura também não deixa de ser um filme no padrão Marvel com trama relativamente simples e com piadinhas e comic relief. Entretanto, reconheço que há sim certa tensão em alguns momentos do longa, e os momentos de humor são mais comedidos que em outras produções da Marvel, mas ainda estão lá.

Enfim, a verdade é que tenho sentimentos conflitantes com Multiverso da Loucura, há muita coisa boa, mas também muita coisa ruim ou duvidosa. Quando terminei de assistir, tive a impressão de que era um dos melhores filmes da Marvel, mas agora creio que irei cada vez mais gostar menos dele. No entanto, creio que merece a conferida; afinal de contas, se não fosse por Sam Raimi e sua trilogia do Homem-Aranha, provavelmente os filmes de super-herói não seriam a modinha que é hoje. Nota 7 de 10.



 

 

 


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