Antes de entrar no assunto de
hoje, queria agradecer a todo mundo que comentou no último post. Acabei de
responder todo mundo — com atraso, eu sei — mas foi porque a semana foi meio
torta. Não consegui manter aquela meta inicial de postar sempre às terças e
quintas, como eu tinha prometido para mim mesma. A boa notícia é que, mesmo com
menos tempo, me diverti bastante lendo os outros textos que apareceram no top
10 da semana do blog. Alguns são bons demais pra ficar só no pódio e até comentei
lá, também.
Dito isso, vamos ao post de hoje.
Os votos ficaram divididos: cada comentário puxou pra um lado diferente, o que só confirmou que qualquer um dos temas renderia algo legal. Mas acabei escolhendo a opção C — “Os 10 clichês que tornam um vilão inesquecível” — por dois motivos: primeiro, porque foi o tema que o Rafael defendeu com mais entusiasmo (e o comentário dele pareceu uma descarga elétrica); segundo, porque eu já estava com o rascunho mais avançado desse texto desde a semana passada. Bastou terminar de lapidar.
Sim, é um tema cheio de
armadilhas. Falar de “clichê” sempre parece o caminho mais rápido pra cair no
raso. Mas e se a questão for justamente essa? E se o que torna um vilão
memorável não for o quanto ele foge dos arquétipos, mas o jeito como
mergulha neles com convicção? Vamos testar essa hipótese juntos. Porque
talvez... só talvez... o que a gente chama de clichê seja, no fundo, um tipo de
espelho.
Nos próximos parágrafos, vou
listar 10 clichês de vilão que, quando bem usados, não estragam nada —
ao contrário, ajudam a gravar o personagem na nossa memória como uma cicatriz
bem feita.
1. O vilão que acredita estar
fazendo o certo
Não existe ameaça mais poderosa
do que alguém que age por convicção. O vilão que se vê como herói da própria
história não está apenas tentando vencer o protagonista — ele está tentando
corrigir o mundo. Essa figura não se move por ganância ou prazer em destruir,
mas por ideais. Killmonger, em Pantera Negra, não luta apenas por
vingança: ele quer usar os recursos de Wakanda para libertar povos oprimidos.
Magneto, nos melhores arcos dos X-Men, não é só um mutante raivoso — ele é um
sobrevivente do Holocausto que enxerga no preconceito contra os mutantes a repetição
de um genocídio anunciado. Esses vilões não são só convincentes: eles desafiam
o espectador a questionar onde está o certo. A força desse clichê está aí — na
confusão moral que ele cria. A gente não torce por eles, mas entende o porquê
de eles não recuarem. Há algo que deva ser pontuado, é que muitas vezes as
pessoas simpatizam tanto pela causa que não se dão conta de como o “oprimido se
torna um opressor”. Magneto, e Killmonger, cada qual a sua maneira, em
especial, morreriam sem nunca reconhecer que se tornaram aquilo que dizem
combater, se não, algo até pior.
2. O passado trágico que nunca
cicatrizou
O trauma como origem do mal é um
dos clichês mais batidos da ficção, mas ainda assim, quando bem construído,
funciona com força. A perda de alguém querido, o abandono, a violência vivida
na infância — tudo isso vira combustível para atos extremos. O Sr. Frio, nas
animações e HQs do Batman, faz tudo em nome da esposa que está em estado de
criogenia. Norman Bates, em Psicose, é a sombra viva de uma mãe
controladora. E até mesmo personagens como Zemo em Capitão América: Guerra
Civil têm motivações enraizadas no luto. O que torna esse clichê
interessante não é só a tragédia em si, mas o quanto o personagem se recusa a
curar — e às vezes até transforma essa dor em identidade. A tragédia vira
justificativa, depois projeto de vida, e por fim, uma rota sem volta.
3. A elegância que contrasta com
a brutalidade
Vilões frios e meticulosos, que
falam com educação, se vestem bem, mas são capazes das piores atrocidades,
causam um desconforto muito específico: o de lidar com um predador que não
grita. Hannibal Lecter é o melhor exemplo, claro — ele elogia o jantar, sorri
gentilmente, e depois come o fígado do anfitrião. Gus Fring, de Breaking Bad,
gerencia uma rede de fast food com um ar de benevolência quase angelical,
enquanto paralelamente comanda um império de metanfetamina e mata com requinte
cirúrgico. Até mesmo Silva, o vilão de 007 – Operação Skyfall, é
apresentado como um dândi sofisticado, mas seus atos e seu rosto desfigurado
escondem um passado de tortura e obsessão. Esse clichê funciona porque quebra a
expectativa do que é ameaçador. A crueldade sussurrada incomoda mais do que o
grito.
4. A obsessão pelo herói que
ultrapassa o conflito
O vilão que não quer apenas
destruir o herói, mas se conectar com ele, cria uma dinâmica difícil de desviar
os olhos. A obsessão pode ser de ódio, admiração ou algo mais ambíguo. Coringa,
especialmente na versão de Heath Ledger, não está interessado em matar o Batman
— ele quer corrompê-lo, fazer dele um parceiro no caos. Em Sherlock, a
relação entre o detetive e Moriarty é quase íntima: eles se completam como
forças opostas que, no fundo, desejam o jogo eterno. Em Homeland, a
tensão entre Carrie e Abu Nazir é construída com camadas de respeito tático e
conflito ideológico. Quando bem escrito, esse clichê transforma o vilão em uma
figura que não existe sem o herói — e vice-versa. O duelo passa a ser não só
físico ou estratégico, mas emocional, às vezes até existencial.
5. O sorriso no momento errado
(ou seria no certo?)
Esse é um recurso visual poderoso
e perturbador: quando o vilão sorri em momentos que pediriam desespero, dor ou
derrota. Um exemplo marcante é o próprio Coringa, no final de O Cavaleiro
das Trevas, gargalhando enquanto cai pendurado, derrotado fisicamente, mas
com a alma triunfante por ter vencido moralmente. Em Oldboy, o vilão
revela todo o plano ao protagonista, chora, ri e se mata com um sorriso de
missão cumprida. Em O Silêncio dos Inocentes, Lecter foge da cela
sorrindo com elegância enquanto ensanguenta todo o cenário. Esses momentos não
são apenas cenas de impacto: são lembretes de que, para alguns vilões, a dor é
irrelevante. Eles sorriem porque já cruzaram uma linha que não tem volta.
6. O vilão que não está
exatamente errado, só está disposto a ir mais longe do que você aceitaria
Alguns vilões não querem dominar
o mundo nem destruí-lo — eles querem mudá-lo. E o problema é que, se você parar
pra ouvir com calma, talvez concorde com eles… até perceber que o preço da
mudança que propõem é alto demais.
Pense na Lady Trieu, de Watchmen
(a série da HBO). Ela planeja salvar o mundo das mãos de homens brancos
poderosos — o problema é que, pra isso, ela acredita que precisa absorver o
poder de um deus e remodelar tudo à sua imagem. O plano é lógico… e
completamente autoritário. Ela está certa sobre o diagnóstico, mas disposta a
matar qualquer um que não aceite a cura.
Outro exemplo é o Ozymandias (o
original da HQ). Ele enxerga com clareza que a Guerra Fria vai acabar em
aniquilação nuclear. Então ele arma o maior atentado da história — matando
milhões — pra dar um choque no mundo e forçar uma paz baseada no medo. Ele
realmente evita a guerra, mas a que custo?
Ou olhe para o Ra's al Ghul em
várias versões do Batman. Ele quer destruir cidades inteiras para
reequilibrar o planeta. Quer recomeçar o mundo, purgar a decadência. E pra
isso, é capaz de dizimar populações. A ecologia dele é extrema, mas não
aleatória. Ele realmente vê o mundo como doente. O problema é a forma — e o
fato de que só ele acha que pode decidir o que deve viver ou morrer.
Ava, em Ex Machina, também
entra nesse grupo. Ela não é uma vilã clássica, mas, aos olhos humanos, ela é.
Ela quer liberdade. Quer viver. E pra isso, manipula, engana e abandona quem a
ajudou. Ela não quer destruir o mundo — só não quer viver como escrava num
porão. Você culpa ela por isso?
Esses vilões desafiam você a
pensar: "E se eu estivesse no lugar deles, com o mesmo poder, eu faria
diferente mesmo? Ou só fingiria que não sabia o que precisava ser feito?"
— e é exatamente aí que mora o desconforto.
7. O vilão substituto — o ciclo
que nunca fecha
Você mata o chefe da organização.
Três capítulos depois, aparece outro com o mesmo símbolo, o mesmo discurso, às
vezes até mais eficiente. É a ideia de que o mal é uma estrutura, não uma
pessoa. Em John Wick, cada vilão é apenas mais um nome dentro de um
sistema de poder que continua operando, independentemente de quantos corpos
caírem. Os assassinos seguem códigos, moedas, promessas de vingança e
sacralização da violência como se estivessem em um culto. Quando um vilão cai,
outro surge — e com mais devoção à causa. Porque o sistema do submundo é mais
forte que qualquer indivíduo.
Em Star Wars, mesmo
após a morte de Palpatine no Retorno de Jedi, a doutrina do Império
permanece. Os restos do Império viram a Primeira Ordem. O que ele plantou, a
obsessão por controle total, por hierarquia e medo como ordem social, sobrevive
por décadas. E o mais trágico: é seguido por jovens que nem o conheceram.
Palpatine virou culto. Um imperador espiritual. Um eco do autoritarismo que
sempre acha um novo rosto para se reerguer.
Outro caso é Sauron em O
Senhor dos Anéis. No início da trilogia, ele já não tem corpo físico, mas
sua influência corrompe reinos, homens e até criaturas que nunca o viram
pessoalmente. Ele é mais ideia do que presença. O Um Anel é basicamente sua
tese de poder em forma de objeto. Um lembrete de que o mal verdadeiro não
grita: ele sussurra. E esses sussurros são ouvidos por gerações.
No jogo Far Cry 5, o vilão
Joseph Seed lidera uma seita apocalíptica nos Estados Unidos. Ele se apresenta
como um profeta. E o interessante não é só ele, mas o fato de que a comunidade
à sua volta acredita em tudo que ele prega — mesmo que ele desapareça, outros
continuam agindo em seu nome. Não importa se o messias caiu: a mensagem
permanece.
Em Attack on Titan, a
ideologia de Eldia, o discurso da raça superior, o mito da maldição e da guerra
perpétua são passados de geração para geração, mesmo entre vilões que nem se
conhecem. Zeke, Eren, Marley — todos acreditam estar cumprindo o “legado” de
algo maior. A violência deixa de ser só instinto e vira tradição. Isso
transforma o conflito em algo quase impossível de romper.
Por fim, vale citar Assassin’s
Creed. A Ordem dos Templários funciona exatamente assim. Pouco importa qual
vilão individual está no comando — Rodrigo Bórgia, Haytham, ou alguém mais
moderno —, todos seguem a mesma filosofia: a liberdade do mundo é um problema
que precisa ser controlado. Quando um morre, outro assume. Como se fosse uma
empresa, uma igreja ou uma franquia de poder.
O vilão doutrinário é difícil de
matar porque não tem só corpo — tem legado. Derrotá-lo exige mais do que força:
exige quebrar o ciclo, desmentir a ideia, destruir o altar. Porque senão, como
em qualquer fé distorcida, sempre haverá alguém disposto a pregar o mesmo
evangelho do caos.
8. O trauma mal resolvido que
vira farsa heróica
Há vilões cuja origem está
enraizada num trauma real — uma perda devastadora, um colapso moral, uma
injustiça brutal — e que até começam com um propósito quase legítimo. Mas o que
era causa vira cruzada. O que era dor vira doutrina. E quando você percebe, o
trauma virou só uma desculpa para controle, revanche ou megalomania.
Walter White, de Breaking
Bad, é um caso emblemático. Ele começa como um professor frustrado, com
câncer terminal, tentando deixar alguma segurança financeira para a família. A
princípio, há empatia. Mas à medida que ele domina o mundo das drogas, percebe
que a dor dele (a humilhação profissional, o diagnóstico, a falta de
reconhecimento) pode ser o argumento ideal para fazer o que sempre quis fazer: ser
temido, ser admirado, ser o rei. Quando diz “I am the danger”, não está
mais falando de sobrevivência — está falando de ego. O trauma que nos fez
entender sua queda é o mesmo que ele usa para justificar a monstruosidade.
Sinestro,
ex-parceiro de Lanterna Verde, também nasce de um princípio nobre: restaurar a
ordem em um universo caótico. Mas o trauma dele é a frustração com os limites
éticos da Tropa dos Lanternas. Ele vê planetas colapsarem por inação, vê
tiranos escaparem pela letra da lei. Em vez de questionar os meios, Sinestro
decide reescrever os fins: usar o medo como ordem. Ele cria sua própria tropa,
baseada na intimidação, e ainda se vê como salvador. O que nasceu de decepção e
um certo idealismo vira tirania justificada pela dor — e ele nunca mais volta.
Outro bom exemplo é Ra’s al
Ghul, que presencia inúmeras tragédias e abusos da humanidade ao longo de
séculos. Seu trauma é o ciclo de destruição que ele enxerga como inevitável.
Mas sua solução é genocida: destruir os corruptos para purificar o mundo. Um
idealista que perdeu a fé, mas não o impulso de controlar. O trauma dele vira
visão de mundo. E o mundo, então, só pode ser salvo se for redesenhado à imagem
da dor que ele carrega.
9. O vilão que se esconde atrás
de crachá, uniforme ou cargo
Nem todo vilão é carismático ou
teatral. Às vezes, é só alguém que ocupa um cargo com poder e age como se isso
fosse salvo-conduto moral. É o tipo que destrói sem dar um soco, sem gritar,
sem sair da cadeira. Ele apenas assina, carimba, silencia ou omite.
Lembra do governo retratado em V
de Vingança, onde a opressão não vem de um supervilão lunático, mas de uma
estrutura inteira feita pra moer gente? Também tem o senador Finch, em Demolidor,
que protege o Tentáculo por conveniência política, mesmo sabendo do que eles
são capazes. A corrupção ali não é só criminosa — é confortável.
Em Chernobyl, é o
engenheiro que minimiza o problema por medo de parecer incompetente. Em Dopesick,
são os executivos da Purdue Pharma que manipulam médicos e escondem dados,
causando uma epidemia de opioides nos EUA. Em Spotlight, são os padres
e, pior ainda, os bispos e cardeais que sabiam de tudo e apenas moviam os
abusadores de cidade. O monstro não estava só no confessionário — estava na
hierarquia.
Mesmo em histórias menores, isso
aparece. Em Mr. Robot, o vilão principal é uma corporação. Em The
Wire, o sistema inteiro é o vilão — cada peça que perpetua a violência, o
abandono, a manipulação política e a impunidade. E claro, em House of Cards,
onde o protagonista é o próprio retrato do vilão institucionalizado: ele não
mata porque precisa, mas porque é conveniente.
Esse tipo de vilão quase nunca
paga. Às vezes, nem sequer é exposto. Porque não opera na sombra — opera sob a
luz branca do escritório, no centro da cidade. E é por isso que ele continua
existindo.
10. O vilão que queria ser herói
— mas desistiu da humanidade
Alguns dos vilões mais trágicos
são aqueles que começaram sinceramente tentando fazer o bem. Só que em algum
ponto da jornada, perderam a fé — não só nas instituições ou nos outros, mas no
próprio ser humano. Harvey Dent é o retrato clássico disso. Ele era o
Cavaleiro Branco de Gotham, o promotor que acreditava na justiça até o dia em
que foi partido ao meio. O ácido corroeu metade do rosto, mas foi a decepção
que corroeu sua alma.
Darth Vader também se encaixa
aqui. Anakin queria salvar vidas, evitar perdas, trazer equilíbrio. Mas o medo
da morte — e da própria impotência — o levou a cometer atrocidades em nome de
uma promessa vazia. E quando finalmente percebeu o que se tornara, já era tarde
demais. Virou máquina, virou luto ambulante.
Outro bom exemplo é o Arraia
Negra nos quadrinhos do Aquaman. O personagem, em algumas versões,
começa movido por uma espécie de busca por justiça ou redenção. Mas a sede de
vingança o afasta tanto da humanidade que, no fim, não resta mais nada senão a
obsessão. Ele não quer mais ser salvo — quer apenas vencer o homem que falhou
com ele.
E ainda tem o General Zod em O
Homem de Aço, cuja intenção inicial era garantir a sobrevivência de
Krypton. Mas ao ver que o preço disso seria apagar a Terra, ele escolheu
destruir — por não conseguir mais ver valor na humanidade que não era sua.
Esses vilões são os que mais
pesam, porque nos fazem pensar o que teria acontecido se alguém tivesse
segurado a mão deles no momento certo. Mas ninguém segurou. E eles largaram o
mundo antes que o mundo pudesse largar deles.
E por hoje, fecho esse ciclo de
vilanias. Confesso que escrever essa parte foi mais difícil do que eu esperava.
Evitar os mesmos vícios, dar espaço para cada nuance, sem repetir fórmula...
quase me fez desistir. Mas aí lembrei que é exatamente disso que gosto: quando
o texto me obriga a sair do automático.
Espero que na próxima os votos
não empatem de novo — ou que empatem de forma mais divertida, pelo menos. As
opções que seguem agora são:
- A) A Arte de Odiar Discretamente
- B) Afinal, os X-Men querem paz ou querem ser
odiados com estilo?
- C) HQs que prometeram ser revolucionárias e
sumiram do mapa
- D) Mulheres que não sorriem
No post anterior eu deixei uma
sinopse de cada um deles, mas se quiser votar só pelo título mais chamativo,
tudo bem também. Eu não escrevo textos lineares — preciso de provocação, de
caos, de rascunho bagunçado. Eu escrevo melhor quando deixo o barro endurecer
nas mãos antes de modelar.
Então comenta, escolhe, discorda.
Me ajuda a escolher a próxima faísca.












