DESAFIO
DOS DEUSES - O TESTE DA MULHER MARAVILHA
Os 12 trabalhos de Hércules
é uma das histórias de mitologia grega mais conhecidas de todos os tempos. Um
clássico conto do herói que, após ser manipulado pela deusa Hera a matar seus
próprios filhos, sai em 12 aventuras, enfrentando monstros e realizando tarefas
difíceis, como forma de se redimir de seu pecado.
Devido a seu impacto na
cultura, essa lenda se tornou uma das principais fontes de inspiração para
várias histórias com trama similar, o que também inclui super heróis, que, de
certa forma, são considerados “mitos modernos”.
Dos heróis que foram
influenciados por essa lenda grega, o maior exemplo é a Mulher Maravilha. Sendo
uma figura que representa esse lado mitológico, é natural que alguns autores se
aproveitaram desse detalhe para fazer suas versões dos 12 trabalhos, com a
princesa amazona sendo a protagonista.
Esse texto irá falar de uma dessas histórias “O Desafio dos deuses”, um arco escrito e desenhado por George Perez, e publicado de Wonder Woman vol.2 nº08 a 14, no ano de 1984, cuja trama mostra a Diana sendo colocada em julgamento pelos deuses e forçada a sair numa jornada, cheia de obstáculos e reviravoltas inesperadas.
Vamos começar....
TRAMA
Após ter derrotado Ares
e impedido seu plano de provocar a 3ª guerra mundial, Diana se apresentou ao
mundo como Mulher Maravilha e começou a agir como super heroína, usando seus
status de celebridade para transmitir ao mundo os ideais de seu povo.
Conforme as semanas
foram passando, Diana se sentiu mais desiludida diante problemas como machismo,
polarização política, preconceito religioso e outro problemas. Mesmo com seus
esforços, parecia que ela não estava mudando o mundo para melhor e a maioria do
público apenas enxergava como uma estranha ou, pior, uma imagem a ser
explorada.
A gota d’água é quando
a caçadora de tesouros, Barbara Ann Minerva (a futura Mulher Leopardo) tenta
enganar a Diana e roubar seu laço. Embora o esquema acabe falhando, o fato de
ter sido enganada por outra mulher (quem Diana, como amazona, considera uma
irmã), combinada com o fato que ela acabou contrariando sua amiga/mentora,
Julia Kapatelis, provoca uma crise de identidade. Se ela não está provocando
nenhuma mudança positiva no mundo dos homens, qual é o propósito dela então?
Cheia de dúvidas, Diana retorna a Themysicira para poder se recuperar e se reunir com sua mãe e irmãs. Porém, destino tem outros planos para ela: Manipulado pelo deus-sátiro Pã, Zeus tenta seduzir Diana, mas ela recusa os seus avançados.
Se sentindo contrariado, o rei dos deuses tenta matar a princesa amazona, porém Hera interfere, convencendo seu marido a poupar a heroína e as amazonas. Convocada perante os deuses, Diana recebe um desafio, para provar o valor das amazonas: Ela teria que entrar ao Covil do Demônio (uma caverna localizada abaixo de Themyscira) e sobreviver as várias criaturas, além de cumprir com as tarefas dadas pelos deuses.
Esse teste acaba se
revelando uma aventura surpreendente, com Diana se deparando com vários
desafios diferentes, twists inesperados e revelações que fazem ela entender seu
papel como uma amazona e a Mulher Maravilha.
SUBVERTENDO
AS EXPECTATIVAS
Pelo enredo que acabo
de descrever, muito provável que estejam assumindo que essa história é um “Gods of War”, com Diana sendo uma
guerreira badass e lutando contra
vários monstros da mitologia grega. Essa é uma perspectiva muito superficial.
Enquanto o arco tem a
protagonista enfrentando monstros mitológicos, também tem ela lidando com
desafios que testam não apenas a força física da amazona, mas sim sua fé, tanto
nela quanto em outros.
No começo, Diana estava confusa e com sua fé abalada pelas experiências que passou. Mas, conforme ela vai se aventurando pelo Covil do Demônio, aprendendo sobre os segredos do passado das Amazonas, ela é capaz de recuperar sua confiança e encontrar seu lugar: Ela pertence a ambos mundos, como Diana, princesa e embaixadora das amazonas, e Mulher Maravilha, a protetora do Mundo dos Homens.
VENTOS
DA MUDANÇA
Quando se lê histórias
em quadrinhos, algo que fica claro é a falta de mudança no status quo. Apesar
de serem figuras criadas para tornar o mundo um lugar melhor, na maior parte
das ocasiões os heróis agem como preservadores do mundo que conhecemos, nunca o
influenciando demais. Se rola alguma mudança, ela logo é desfeita e volta ao
status conhecido pelo público.
Mas essa triste
natureza nunca impede escritores de tentarem ideias ousadas. No caso de George
Perez, ele se aproveitou do fato da DC ter reiniciando sua continuidade para
reescrever a história da Mulher Maravilha, reintroduzindo personagens de sua
mitologia, mas sob nova abordagens. O mais evidente sendo o Steve Trevor, que,
ao invés de ser um soldado jovem, galã e interesse romântico da Diana, é
apresentado como um coronel veterano, que assume um papel de uma figura paterna
na vida da Diana.
Em Desafios dos Deuses,
Perez continua seu trabalho, mostrando personagens em situações que os fazem
refletir sobre seu passado e decide mudar suas vidas, aprendendo com o passado para abraçar o novo ao invés
de se deixarem ser influenciados pelos seus traumas.
Além da Mulher
Maravilha e sua jornada de autodescobrimento, outros que passam por tal
desenvolvimento são o Steve Trevor (que lida com a perda de seus pais e
finalmente pede Etta Candy em casamento) e os deuses do Olimpo (com Zeus sendo
forçado encarar as consequência de sua arrogância).
Mas o o crescimento
mais importante é da mãe da heroína, Hipólita. Não só esse arco mostra a rainha
das amazonas sendo uma badass e
encarando vários perigos para salvar sua filha, como ela também encara um
desafio pessoal, envolvendo um reencontro com Hercules, aquele que a seduziu e
escravizou.
AS
DUAS FALHAS
Embora eu tenha até
agora expressado elogios para “Desafio
dos Deuses”, a história tem duas pequenas falhas que afetam sua qualidade.
A primeira é a forma
como a DC Comics tentou ligar o arco ao evento DC Millenum, um crossover onde os heróis da DC se envolvem num
conflito dos Guardiões do Universo com os Caçadores Cósmicos.
Ao invés de não
envolver a Mulher Maravilha ou estabelecer que o evento acontece depois do “Desafio dos deuses”, DC cria uma
sub-trama envolvendo um dos vilões interferindo na aventura da Mulher Maravilha
e fazendo ela ir ajudar os outros heróis, o que cria uma desconexão entre as
histórias, como se o Perez tivesse tido uma ideia mas foi forçado pelos
editores a muda-la para promover o outro evento.
Outro problema no arco é a conclusão da história da Hipólita com o Hercules. O arco dela salvando a vida do filho do Zeus, e ele pedindo perdão as Amazonas já era um final ideal para ambos, com Hercules conquistando seu lugar no Olimpo e Hipólita se curando do trauma que ela passou e decidindo que as amazonas devem voltar se conectar com o Mundo dos Homens.
Porém, Perez decidiu ir
um passo além e ter os dois reascendendo sua paixão um pelo outro. Ter Hipólita
perdoando o Hercules já era o suficiente, mas ter ela disposta a recomeçar uma
relação com o cara que a enganou, escravizou suas irmãs (e provavelmente a estuprou)
não é algo que o Hercules mereça.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Embora tenha suas
falhas, “Desafio dos deuses” ainda
tem uma história muito bem escrita, com muita ação e aventura e, ao mesmo
tempo, momentos que humanizam e evoluem Diana e seu elenco de apoio. É com certeza um dos dois arcos que
contribuiu para tornar a fase da Mulher Maravilha do George Perez uma das mais
icônicas da princesa amazona.
Nota: 7/10