A
avalizar a sabedoria divina, um ditado popular nos diz que "Deus não dá
asas a cobra", querendo significar que Ele não concede o poder a
pessoas que não o merecem. De
onde se vê que esse ditado pode ter se originado em qualquer lugar do
mundo, menos, é claro, no Brasil. Mas deixemos isto de lado, que não é
aqui, hoje, a questão principal.
Atenhamo-nos, pois, ao mote inicial : Deus não dá asas a cobras.
Veio,
então, o homem, a quem apenas ser imagem cuspida e escarrada do Criador
não basta, e suplantou a obra do Todo-Poderoso. Não deu asas a cobras, é
bem verdade, mas dotou delas uma criatura muito mais perigosa e
peçonhenta : o caralho. O pinto, o cacete, a rola, a piroca.
Há
tempos que os caralhos voadores, a depender do apito que o sujeito
toca, assombram os pesadelos ou fascinam os sonhos da humanidade.
No
Brasil, creio eu, a terrífica figura do caralho voador foi introduzida
(literalmente) no nosso inconsciente coletivo pelo filme Os Sete Gatinhos, do cineasta Neville D'Almeida, baseado na peça teatral homônima do dramaturgo Nelson Rodrigues.
Um
dia, o contínuo Noronha (Lima Duarte), pai de cinco filhas
(prostitutas, quatro das quais) e casado com a Gorda (Telma Reston),
após dar uma senhora cagada a ler o seu jornal, levanta-se da privada e,
ao se virar para a parede para puxar a corda da caixa de descarga, dá
de cara com uma revoada de caralhinhos voadores pichados nos azulejos.
Indignado, puto da vida e aos berros, lançou ao ar um mistério muito maior do que o do "quem matou Odete Roitman?".
"Eu quero saber quem foi que desenhou caralhinhos voadores na parede do banheiro", bradou Noronha, iracundo e de faces afogueadas.
Pelo
que me lembro - isso já faz muito tempo -, as suspeitas iniciais
recaíram sobre a filha mais nova do casal (Regina Casé), a única da
prole que não era puta paga feito as irmãs mais velhas, mas que estava a
dar mostras de querer trilhar a tradição da família. No fim, se não me
engano, fora a Gorda, a esposa, dona de um fogo que não lhe cabia entre
as pernas.
Porém,
Nelson Rodrigues não inventou os caralhinhos voadores. Como eu disse,
há tempos que esse medonho pégaso sobrevoa a imaginação humana.
Os
registros mais antigos são da Roma Antiga, onde os caralhinhos voadores
eram usados como adornos domésticos (você entrava numa residência
romana e, ao invés de um vaso, por exemplo, lá estava uma estatueta de
um caralho alado em cima da mesa), como adereços pessoais em forma de
brincos, pingentes etc (tempos depois, ainda na Roma Antiga, a cruz veio
a substituir o pinto voador na correntinha junto ao peito), mas eram
adotados sobretudo como amuletos para aumentar a fertilidade, a potência
sexual, proteger do azar e afastar o mal e as doenças
Os romanos literalmente adoravam os caralhos alados, eram-lhes pios devotos, possuíam até um deus para eles em sua mitologia : Fascinium
Um pau com pau!!!! Vai gostar assim de pau na puta que o pariu!!!! Grandes bichonas, esses romanos!!!
Havia até um conhecido ditado à época : ajoelhou (para o deus Fascinium), tem que rezar.
Alados
que são, os caralhos voadores não se limitaram às circunscrições
romanas, também bateram as asas e migraram em busca de novos
territórios. Restos arqueológicos de caralhos voadores datados de quase
2.000 anos foram encontrados em escavações nas colinas de Golã, Israel.
Valha-me Jeová!!! Olhe também pra mim que eu estou mais pra lá do que pra cá!
No
atual século XXI, pouco ouvimos dizer dos caralhos voadores, afinal, os
costumes e as tradições antigas vão caindo em desuso com o tempo. Mesmo
os deuses vão perdendo devotos e, consequentemente, seus poderes. Mas
não se iludam : os caralhos voadores são eternos.
Muito
cuidado se você acha que o mundo tecnocibernético de hoje em dia está
seguro e livre deles, dos caralhos voadores, dos querubins do deus
Fascinium. Nunca abaixe a guarda, pois quando você menos esperar, poderá
dar de cara com um deles.
Foi
o que aconteceu com o primeiro-ministro do Ministério das Relações
Exteriores do Itamaraty, o diplomata Cristiano Eber. A aparição do
caralho voador para Eber se deu em junho de 2024, mas o caso só veio à
tona há uns dois dias.
Lá
num belo dia, Eber recebeu uma correspondência cujo remetente era uma
tal Fundação Kresus, entidade desconhecida por Eber e por todos de seu
gabinete. Ao abrir o envelope, Eber deparou-se com um caralho voador,
todo colorido, desenhado no maior capricho, feito com todo carinho e
esmero.
Pããããããta que o pariu!!!! Isso é o que eu chamo de uma carta (meia)bomba!!!
Fernando Collor de Melo vangloriava-se de ter o saco roxo. O caralho enviado para o diplomata tem a chapeleta roxa!
Aí,
bateu a paranoia em Eber, o cagaço. Como ele lida com admissões e
demissões de servidores, achou que a carta poderia, na melhor das
hipóteses, ser uma ofensa ou, na pior, algum tipo de ameaça de alguém
demitido por ele.
Ameaçado
por um desenho de um caralho voador? Do famoso passaralho? Se ele
tivesse recebido, sei lá, uma bala de revólver no envelope, ou um boneco
vodu com sua cara, ainda vá lá, mas o desenho de um passaralho?
Eber,
então, levou o gravíssimo caso à Corregedoria do Itamaraty, cuja alta
cúpula, após exaustiva análise das evidências, sugeriu que a Polícia
Federal entrasse em cena e abrisse uma investigação. Tudo por causa de
um caralho voador.
Um
mês depois, a PF localizou a agência dos Correios da qual a carta fora
remetida. Também recuperou as imagens das câmeras de segurança com um
homem no momento em que postava o envelope. Um completo desconhecido
para Eber e o pessoal do Itamaraty.
A
investigação prosseguiu em segredo de justiça. Recursos humanos e
financeiros da PF empenhados em decifrar o significado do caralho
voador. O nome fictício da tal fundação, Kresus, conteria alguma pista
ou mensagem oculta que pudessem levar ao autor do crime?
À
boca pequena, corria até que a PF já havia apreendido o passaporte do
caralho voador e posto uma tornozeleira eletrônica nele, tudo para
impedir-lhe a fuga.
Então,
dois meses depois, Eber recebeu uma mensagem de um outro diplomata,
Pablo Cardoso, ministro-conselheiro do Brasil junto à Comunidade dos
Países de Língua Portuguesa sediada em Lisboa, a dizer que tinha um
assunto "delicado" para tratar com ele.
E
Pablo Cardoso revelou-se o autor do caralho voador, esclarecendo que
tudo não passara de uma brincadeira, de uma trolagem, e dizendo-se muito
preocupado e temeroso com as proporções tomadas pela broma - como se
diz em Portugal -, sobretudo pelo fato do caso ter caído nas mãos da
Corregedoria e da PF. O autor do caralho de asas estava, ora pois, com o
cu na mão!
Disse
que a brincadeira fora um tipo de "retaliação" a Eber, que lhe enviara,
em certa feita, uma solicitação de trabalho, uma papelada toda a ser
preenchida, bem numa sexta-feira, num quase fim de expediente. Mas aí
também é foda, meu caro e desaforado Eber. Mandar serviço para um
funcionário público numa sexta-feira à tarde? Porra, é pedir pra ser
trolado. E o caralho voador bateu suas asas de Lisboa e foi pousar em
Brasília.
Pablo
Cardoso lamentou profundamente toda a confusão causada, desculpou-se e
cogitou junto ao amigo a possibilidade deste retirar a queixa contra
ele, deixar tudo por isso mesmo, deixar as coisas como estavam. Eber,
ultrajadíssimo em sua honra, recusou o pedido do amigo. Manteve a
queixa.
Pablo
Cardoso foi punido. Aquela punição pra inglês ver, claro. Punição dada a
funcionários públicos de alto escalão. Levou uma esfrega, uma
reprimenda da Corregedoria do Itamaraty e teve que assinar um Termo de
Ajustamento de Conduta, no qual se comprometeu a ter um comportamento à
altura de seu cargo pelos dois anos seguintes. Só por dois anos? Então,
passados os dois anos, ele pode voltar a desenhar e enviar caralhinhos
voadores de novo.
Acionaram todo um corpo diplomático e um efetivo da PF por conta de uma caralhinho voador?
Acontece
que a imagem do Brasil no exterior está melhor do que jamais esteve,
impecável, ilibada, não há com o que os diplomatas se ocuparem.
Da
mesma maneira, todas as nossas questões de segurança pública, corrupção
e criminalidade estão resolvidas há muito tempo. Os policiais também
não têm do que se ocuparem, ficam lá, coçando o saco, bocejando de
tédio.
Ora,
porra! Vamos dar serviço pra esse pessoal, fazer com que justifiquem os
seus polpudos vencimentos e os retribuam à nação na forma de valorosos
serviços prestados. Vamos pô-los a investigar um caralhinho voador.
Nem
sei se é possível em uma piada dessas, mas falando sério, as pessoas
perderam totalmente o senso de humor, o bom senso, todos os tipos de
senso. Eu riria, caso recebesse uma carta dessa.
Sentir-se
ameaçado pelo desenho de um caralho voador? Cadê o moleque da quinta
série que nunca podemos deixar morrer dentro de nós? "Há um menino, há um moleque, morando sempre no meu coração...". Valha-me São Flávio Venturini.
Se
bem que Eber pode ter lá um cisco de razão. Afinal, em um país em que
terroristas a serviço de um golpe de Estado armam-se de Bíblias e
batons, um caralho voador pode muito bem representar grave ameaça, pode
muito bem ser um drone ucraniano disfarçado e municiado de ogivas
nucleares.
É
por essa e por outras, meus caros, que uma amiga minha, hoje professora
aposentada, em seus períodos de seca, de estio sexual, não se cansava
de repetir : mais vale um caralho na mão do que dois voando.
Pããããããta que o pariu!!!!!!
Em tempo : Pablo Cardoso acaba de ser nomeado embaixador do Brasil em Guiné-Bissau.