Falcão e Soldado Invernal - Algumas considerações

 


Assisti ao último episódio de Falcão e Soldado Invernal e resolvi escrever sobre algumas impressões minhas da série. Na verdade, tinha pensado em escrever um post sobre a série antes, mas acabei deixando para lá. O que ocorreu foi que Falcão e Soldado Invernal teve certo azar, pois estreou no hype do Snydercut e logo depois veio Godzilla vs Kong. Como foi a segunda série da Marvel no Disney Plus, a recepção foi mais fria que WandaVision. Nas últimas semanas, vi bem pouca gente comentando a respeito da série, a não ser na “bolha nerd”, mas, entre os “civis”, acho que passou meio batido.

A série até surpreende um pouco. Estava com expectativas bem baixas, achando que seria só farofada da Marvel, mas o roteiro é relativamente maduro e bem escrito, apesar de ter problemas, e o desenvolvimento dos personagens é eficaz. Tecnicamente, Falcão e Soldado Invernal é muito bem produzida, com direção competente, boas tomadas de ação e ótimos efeitos visuais. Andam falando que é uma série “violenta”, mas é violenta segundo o padrão Marvel/Disney. Até o desenho do M.O.D.O.K. tem mais violência que Falcão e Soldado Invernal. Em tese, não é uma série para crianças, mas óbvio que elas irão assistir. No entanto, acho que o enredo um pouco complexo e o parte política devem deixar os pimpolhos de saco cheio.




A série basicamente mostra o desenvolvimento de Sam Wilson, o Falcão, interpretado por Anthony Mackie. No início da série, ele não se acha merecedor de portar o escudo do Capitão América, o qual recebeu de um envelhecido Steve Rogers no final de Vingadores: Ultimato. Entretanto, ao longo dos acontecimentos na série, Sam vai tendo a consciência de que é importante a existência de um Capitão América negro, sobretudo após ter conhecimento da história de Isaiah Bradley, o supersoldado negro.

A versão do Falcão do MCU tem pouca semelhança com a versão do personagem do universo Marvel tradicional, o 616, que é um assistente social. Porém, o Falcão da linha Ultimate da Marvel é um militar e foi a base para a versão mais tática do personagem no MCU. Não sou lá um grande fã da linha Ultimate da Marvel, apesar de que há sim boas HQs nessa linha. Entretanto, devo admitir que o Falcão como militar ficou melhor nos filmes e na série. A versão Capitão América do Falcão tem como base uma fase relativamente recente dos quadrinhos, em que Steve Rogers sofre de envelhecimento acelerado e Sam Wilson assume a identidade de Capitão América. Essa fase foi uma tentativa da Marvel de surfar na onda da diversidade, mas teve vendas baixíssimas.



Bucky Barnes, o Soldado Invernal, vivido por Sebastian Stan, por sua vez, está tentando lidar com seu passado de assassino da Hidra. Ele passa boa parte da série tentando reparar alguns de seus atos, ajudando parentes de suas antigas vítimas. Em determinado ponto, passa a ajudar o Falcão contra os Apátridas e ajuda a tirar da cadeia o Barão Zemo, para que o vilão os auxilie a ir atrás do Mercador de Poder, que está financiando o soro do supersoldado e foi responsável pela criação dos Apátridas; evidente que isso acaba sendo uma péssima ideia.



Vale dizer que a versão do MCU é bem diferente da dos quadrinhos, criada por Ed Brubaker, em sua excepcional fase do Capitão América. Nos quadrinhos, há uma forte carga política referente à Guerra Fria, uma vez que o Soldado Invernal foi criado pela KGB e pelo general soviético Aleksander Lukin. No filme Capitão América: O Soldado Invernal, tiraram a culpa da KGB e da União Soviética e deixaram a Hidra responsável. Parece que a Marvel/Disney ficou com medo de botar os comunistas como vilões, com receio de que o filme fosse mal em países comunistas ou simpatizantes de comunistas, principalmente a China, que salvou a bilheteria de vários dos filmes da Marvel. Pior que, em Capitão América: O Primeiro Vingador, deixaram de fazer referência até aos nazistas, apesar de a Hidra ser basicamente uma organização de origem nazista. Me lembro que a suástica só aparece em uma cena, em um cinenoticiário. Isso não ocorre apenas nos cinemas. Há pelo menos uns vinte anos ou mais, a Marvel proibiu suásticas nazistas nas capas das revistas do Capitão América. Na minha opinião, uma iniciativa bem imbecil, pois é sabido que o herói foi um grande inimigo do nazismo e ver uma suástica na capa de uma revista nunca transformou ninguém em nazista.

A grande ameaça do filme é o surgimento dos Apátridas, uma organização de refugiados que obtêm o Soro dos Supersoldado e se tornam terroristas. O Apátrida nos quadrinhos é Karl Morgenthau, um dos vilões do Capitão América que é contra as fronteiras nacionais; ou seja, basicamente um maluco. Na série, fizeram cirurgia de sexo no Apátrida e o transformaram em uma garota, Karli Morgenthau, interpretada por Erin Kellyman. Infelizmente, ao meu ver, o background da personagem ficou meio inconsistente. Há uma explicação de que tantos refugiados surgiram por causa do estalo do Thanos, mas foi uma  bem superficial e confusa. Quando a Marvel/Disney enfim tenta botar política em uma série, é isso que acontece. Ao final, Karli é assassinada pela Sharon Carter/Mercador do Poder, e a gente não sente muita empatia.  



Na série, há o retorno do Barão Zemo, interpretado por Daniel Brühl. Apesar de o ator ser excelente, tendo protagonizado Adeus, Lênin e participado de Bastardos Inglórios de Tarantino, o Zemo do MCU é bem problemático. Quando o vilão surgiu em Capitão América: Guerra Civil, a única coisa que ele tinha em comum com o Zemo dos quadrinhos era o nome. Em Falcão e Soldado Invernal, tentaram consertar o Zemo, e até que conseguiram isso até certo ponto. Mas a questão é que o Zemo do MCU não tem razão para odiar o Capitão América nem os supersoldados. É mais lógico ele odiar Tony Stark, por ter criado o Ultron, que foi o responsável por destruir Sokovia. Zemo tinha de ser nazista ou filho de nazista.

O Soldado Invernal decide ajudar Zemo a fugir, pois acredita que o vilão o ajudará a descobrir quem é o Marcador de Poder e quem está desenvolvendo o Soro do Supersoldado. Zemo na realidade só tem um “momento Zemo” na série, que é quando ele assassina o cientista que está recriando o soro em um laboratório em Madripoor e tira de algum lugar profundo de sua anatomia a máscara de Zemo e a veste. Na maior parte da série, Daniel Brühl fica sem máscara. Venhamos e convenhamos, é sempre meio complicado para um ator interpretar um herói ou um vilão em um filme ou série de quadrinhos, porque ele terá de ficar mascarado em várias cenas, e o rosto é a identidade de um ator. Ao final, o Soldado Invernal entrega Zemo para as Dora Miraje, mas ele termina em uma prisão com mordomias, e seu “Alfred” explode o camburão com os Apátridas que foram capturados no atentado à ONU. O vilão tem assim seu objetivo de exterminar os supersoldados atingido.




No entanto, nos quadrinhos, a máscara de Zemo é importante e tem significado de uma maldição de família. O primeiro a ostentá-la foi o cientista nazista Heinrich Zemo. Entretanto, durante um confronto com o Capitão América, Zemo foi atingido no rosto pelo adesivo X, que colou a máscara ao seu rosto permanentemente. Ele ficou enlouquecido, e o Capitão América passou a ser o alvo de seu ódio. O vilão passou a maltratar sua esposa e filho, e ela termina por fugir com o moleque. Em uma história, o Capitão encontra a mulher do Zemo e dá uns pegas nela. Ou seja, o vilão ainda foi corno.



Zemo ainda foi o responsável pelo congelamento do Capitão América e pela “morte” do Bucky. Em uma missão para impedir um foguete lançado pelo vilão, Bucky é atingido em cheio pela explosão, perde um braço e cai no mar, para ser encontrado pelos soviéticos e sofrer lavagem cerebral, sendo transformado no Soldado Invernal. O Capitão também cai no mar, mas termina congelado e em animação suspensa. Décadas depois, é encontrado pelos Vingadores, e o resto é história. O Capitão América e Zemo têm um último confronto na América do Sul, no qual o vilão teve seu fim, soterrado por rochas.


Mas o legado Zemo continuou com o filho de Heinrich, Helmut Zemo, que, para vingar seu pai, assume a identidade do vilão Fênix. Ele consegue capturar o Capitão América e planeja assassiná-lo o mergulhando em um tonel de adesivo X incandescente. Porém, o Falcão consegue libertar o herói, e Helmut termina por cair no tonel. Como estava sem máscara, tem seu rosto queimado e desfigurado. Assim, adota a identidade de Zemo como seu pai e torna-se inimigo jurado do Capitão.



Outro personagem importante na série é John Walker, cujo papel é feito por Wyat Russell, o filho de Kurt Russell, que recebe o escudo e a identidade de Capitão América do governo americano. Walker é fonte de conflito entre Sam Wilson e Bucky. Não demora para que ele se revela inseguro e mentalmente instável. Ao roubar e tomar uma amostra do Soro do Supersoldado, fica pirado de vez. Quando seu parceiro, Bennet, é assassinado por Karli, Walker quebra o pescoço de um dos Apátridas em frente de dezenas de testemunhas e é filmado. Obrigado a abdicar da identidade de Capitão América, ao fim da série, assume o manto do Agente Americano, sob ordens da condessa Valentina Allegra de Fontaine.





Nos quadrinhos, John Walker realmente assumiu a identidade do Capitão América, quando o governo norte-americano obrigou Steve Rogers a abdicar do escudo e do uniforme do Capitão América, na fase do herói escrita por Mark Gruenwald. Antes, ele foi o Superpatriota e foi transformado em supersoldado pelo Mercador de Poder. Walker era o típico caipira meio burro e simplório, e era mais facilmente manipulado que Steve Rogers. Quando teve seus pais assassinados, Walker pirou de vez e tornou-se um assassino. Por fim, ele tem um confronto com Steve Rogers, que estava adotando a identidade de o Capitão. Rogers derrota Walker e descobre que quem estava por trás do processo que o levou a abdicar da identidade de Capitão América era seu eterno arqui-inimigo, o Caveira Vermelha. Ao final, Rogers e Walker trocam de uniformes. Rogers volta a ser o Capitão América, e Walker assume a identidade de Agente Americano. Sou decenauta, mas admito que a DC se inspirou nessa fase para elaborar A Queda do Morcego do Batman.



Com certeza, a personagem mais problemática da série é Sharon Carter, interpretada por Emily VanCamp, que, após Guerra Civil, se torna o Mercador de Poder. Sharon ajuda o Falcão e o Soldado Invernal em Madripoor, em troca do possível perdão do governo norte-americano. Por fim, ela assassina Karli e é readmitida na CIA. Porém, continua como Mercador de Poder e agora venderá armas e segredos dos EUA. Os roteiristas da série optaram por transformar Sharon em uma vilã, coisa que ela nunca foi nos quadrinhos. Sharon sempre foi a namorada mais importante do Capitão América e um dos mais famosos integrantes da Shield, a agente 13. Ela mudou de personalidade ao longo dos anos nos quadrinhos, mas redefini-la como vilã é uma grande forçação de barra e descaracterização da personagem, ao meu ver. No entanto, a bem da verdade, a Marvel/Disney está cagando e andando para os fanboys e não se importa nem um pouco se muitos dos leitores dos quadrinhos ficarem incomodados com a mudança de status da personagem. Enfim, vai ver fizeram a Sharon uma vilã porque ela é “gente branca, loira de olhos azuis e má”, como dizia certo ex-presidente bananense.




Nas HQs, Sharon era a agente 13 e irmã mais nova de Peggy Carter, a namorada do Capitão América na Segunda Guerra Mundial, que foi interpretada por Hayley Atwell nos filmes. Depois fizeram um retcon e mudaram o parentesco de Peggy e Sharon. Peggy agora era sua tia, por razão obviamente cronológica, uma vez que ficava cada vez menos crível que ambas eram irmãs. Pior que teve uma época em que havia um triângulo amoroso entre o Capitão, Peggy e Sharon, mas óbvio que o herói não queria saber muito da Peggy que estava velha e gostava mais da novinha da Sharon.



A personalidade da Sharon era basicamente de uma barbie. Na realidade, Sharon Carter, Gwen Stacy e Karen Page tiveram como modelo a esposa de Stan Lee, Joan. Entretanto, em uma saga, Sharon sofre lavagem cerebral por uma organização e “morre” queimada. O Capitão América enlutado não sabe que na verdade Sharon estava viva e tinha sido enviada em uma missão por Nick Fury. Ela é feita prisioneira e torturada e estuprada durantes anos. Depois retorna na fase do Capitão América escrita por Mark Waid; ainda é uma barbie, mas agora é uma barbie revoltada que vive carrancuda e brigando com o herói, apesar de o Capitão não ter nenhuma culpa de ela ter sido presa, torturada e estuprada. Esse tipo de coisa era comum nos anos 90. Hoje em dia, Sharon seria “empoderada”.



Outro personagem de certa importância na série é Isaiah Bradley, o supersoldado negro, cujo papel fica a cargo de Carl Lumby. O Soldado Invernal revela a existência de Isaiah para o Falcão, com o objetivo de motivá-lo a assumir o escudo e a identidade do Capitão América, o que realmente dá resultado. Isaiah Bradley também existe nos quadrinhos e foi o Capitão América negro em Truth, um dos retcons da Marvel.



Vale destacar a condessa Valentina Allegra de Fontaine, vivida por Julia Louis-Dreyfus, de Seinfeld, que termina a série sendo a “chefa” do Agente Americano. Nos quadrinhos, “Val” é uma das mais importantes agentes da Shield e eventualmente namorada de Nick Fury, apesar de que também arrastava uma asa para o Capitão, mesmo ele sendo comprometido com Sharon.  



E o Batroc? Como em Soldado Invernal, não teve muito destaque. Interpretado por Georges St-Pierre, termina assassinado por Sharon, após tentar chantageá-la.



Sim, Madripoor é um dos cenários da série, mas serve só como fanservice mesmo. Sem esperanças de um certo mutante canadense aparecer, mas uma das cenas é no famoso Bar Princesa.

No fim das contas, apesar dos problemas, Falcão e Soldado Invernal é sim uma boa série, que cumpre a função principal de séries de super-heróis, que é contar uma história e divertir. Sem dúvida, vale muito a maratona. Great entertainment, excelsior! Como diria o próprio Stan Lee.

 


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