Proibir livros? No Brasil? Para quê?



Toda censura é burra em si mesma, ou per si, como diria meu saudoso amigo Odair, químico, ufólogo, tocador de viola, contador de causos e piadas, livre-pensador e filósofo diletante. Toda censura não faz senão jogar holofotes sobre o objeto, ou a obra que pretende oblinuviar e furtar da apreciação das pessoas. Obra essa que, no mais das vezes, sempre esteve mesmo oblinuviada, obscura e recôndita. Toda censura não faz mais do que botar o oxiúro da curiosidade nos olhos e nos ouvidos que diz querer poupar e proteger do que ela julga impróprio.
Suamy Vivecananda de Abreu
Mas a tentativa de censura, ocorrida na quinta-feira (06/02), por parte da Secretaria de Educação de Rondônia, comandada pelo secretário Suamy Vivecananda Lacerda de Abreu, foi duplamente burra. 
Primeiro, pelos motivos supraexpostos, e, depois, pela natureza das obras que tentou censurar : livros.
Proibir livros? No Brasil? Para quê? Quem é que ainda lê neste país cada vez mais de merda e de merdas?
O Index Librorum Prohibitorum rondoniense pretendia recolher das escolas públicas do estado mais de quarenta títulos de nossa literatura, considerados de "conteúdo inadequado para crianças e adolescentes".



Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, consta do Index rondoniense; Os Sertões, de Euclides da Cunha, idem. Repergunto : que ínfima fração da população adolescente em idade escolar deste país ainda lê? Que irrisória parcela entra numa biblioteca por conta própria e, ao se deparar com um Machado de Assis nas prateleiras, entusiasma-se em retirá-lo para leitura e depois recomenda-o aos amigos, propagando, assim, o "conteúdo inadequado" que há nele, segundo a Seduc de Rondônia?
Nem quando eu era adolescente a molecada lia Machado de Assis ou Euclides da Cunha, a não ser que fosse por obrigação escolar, a não ser, como no meu caso, que o moleque fosse (eu ainda sou) um misantrapo e um desajustado social, um anormal que gostasse mais de livros do que de gente - e ainda continuo gostando.
Proibir livros? No Brasil? Para quê? Ainda que a medida tivesse logrado êxito, ela seria, na melhor das hipóteses, inócua. Ou alguém acha mesmo que o mano de boné aba reta, com tatuagem de palhaço assassino na panturrilha e "Jesus" no antebraço vai entrar na biblioteca da escola, dar pela falta d' Os Sertões e protestar : cadê o Euclides que tava aqui? Exijo o meu direito de ler Os Sertões! Não vai, né? Queimou-se à toa e desnecessariamente, o tal secretário Suamy.



Claro que o secretário deu mil desculpas esfarrapadas. Inicialmente, disse que era uma fake news lançada por seus opositores, depois disse que o documento era um rascunho sem nenhuma intenção de ser de fato publicado em Diário Oficial, depois disse que era um estudo feito por uma equipe técnica por conta de reclamações e de denúncias de que nas bibliotecas das escolas estaduais havia livros paradidáticos com conteúdos inapropriados para o público alvo, alunos do ensino médio. Cada emenda a se sair pior que o soneto. Ou seja, o secretário foi pego com uma marca de batom na cueca, mas ainda com cueca, defender-se-á até a morte. Como diz um amigo meu, canalha e biscateiro de primeira linha, se não me pegarem pelado, eu nego até o fim.
Um memorando emitido pela tal equipe técnica tentava justificar a proibição dos livros dizendo da responsabilidade de os educadores "estarem atentos as demais literaturas já existentes ou que chegam nas escolas" (sic) de modo que "sejam analisadas e assegurados os direitos do estudante de usufruir do mesmo com a intervenção do professor ou sozinho sem constrangimentos e desconfortos".
Tendo em vista este memorando, dá pra ver que nem o secretário Suamy nem a sua curriola são grande leitores. Pois este é o objetivo primeiro de um livro, de um bom livro : causar desconforto, incomodar. Fustigar-nos e afligir-nos. Um bom livro tem o dever de nos flagelar a mente. Haja vista o caso de meu amigo Jotabê, que nunca mais será o mesmo depois da leitura de Sapiens.


O governo militar, que tentou colocar o país na linha de 1964 a 1985, em vão e desastradamente, é verdade, afinal, como disse o filósofo Compadre Washington, pau que nasce torto nunca se endireita, e nascemos tortos como nação, proibiu diversas obras - literárias, musicais, teatrais, jornalísticas etc. Tal censura, condenável, obviamente, na época tinha lá o seu sentido para quem governava, era, de fato, útil, prudente e previdente aos detentores do poder : as décadas de 1960 e 1970 eram formadas por gerações de pessoas com hábito de leitura. A leitura de certas obras, realmente, oferecia risco aos governantes. Foi uma censura inútil. As obras proibidas foram lidas, vistas e ouvidas. Mas hoje? Proibir livros? No Brasil? Para quê? E esta situação é mais uma obra da esquerda, a sua mais bem acabada obra, o seu Davi de Michelângelo, ou a sua "desobra-prima", uma vez que o modus operandi da esquerda é destruir, subverter e inverter os bons valores morais.



A esquerda, a suceder o governo militar e através da "Constituição Cidadã", do ECA e das novas Leis de Diretrizes e Bases do Ensino, perpetrou um novo, sub-reptício e definitivo tipo de censura : o semianalfabetismo institucional.
Hoje em dia, não há mais mecanismos legais que permitam que as escolas obriguem o aluno a estudar, que permitam que eles sejam reprovados por mau rendimento (a progressão continuada), que permitam as suas expulsões em casos de má conduta recorrente; desta forma, sem ordem, disciplina e respeito à hierarquia, a maior e esmagadora parcela dos alunos de escolas públicas que conclui o Ensino Médio (antigo segundo grau), deixa os muros escolares semianalfabetos e sem a mínima noção de civilidade. Deixam o Ensino Médio letrados apenas o suficiente para lerem o nome do itinerário do ônibus que pegarão da casa para o trabalho e do trabalho para a casa. Só não lhes pergunte o que é itinerário.
A esquerda foi genial neste aspecto, não tenho problema algum em dar o braço a torcer ao inimigo, quando ele se revela superior. E neste aspecto, o da censura, a esquerda deu de goleada alemã no governo militar : a direita militar proibia que se lessem certos livros; a esquerda passou a proibir que o aluno aprenda a ler. Genial. Insuperável. Uma vez tornado em um adulto semiletrado, com desprezo pelos livros e por qualquer coisa que diga respeito à cultura e ao conhecimento, a censura definitiva está instalada. Não será nunca mais necessário proibir livros, uma vez que o sujeito nunca se interessará em lê-los, e, caso se interesse, não será capaz de.
Um sujeito deste pode ser largado dentro da melhor e maior biblioteca do mundo, nada ali lhe apetecerá. Podemos reerguer a Biblioteca de Alexandria e lhe dar acesso irrestrito a ela e a todos os seus volumes. A única coisa que ele perguntará ao atendente será : aqui tem wi-fi?
A lista dos livros proibidos traz ainda Rubem Fonseca, Nelson Rodrigues, Ferreira Gullar, Carlos Heitor Cony e outros. O campeão do Index Librorum Prohibitorum rondoniense é Rubem Fonseca, com 19 títulos proibidos, do total de 42 da lista.
Ou, talvez, o campeão seja um outro Rubem, o Alves, pois não foi relacionado o nome de nenhum livro seu na lista, mas ao rodapé da mesma a observação : "Todos os livros de Rubem Alves devem ser recolhidos".
Todos!!! Pããããããta que o pariu!!!
Devo confessar que, no caso deste autor, o pequeno Torquemada que habita em mim, assanhou-se.
Rubem Alves foi homem de grandes letras e sólida formação intelectual e acadêmica - admiro-o por isso. Foi psicanalista, téologo e escritor. Mas a partir do momento em que descobriu o rico filão de ouro da peidagogia, tornou-se em mais um picareta metido a educador, que escreve uns livrinhos cheios de metáforas estapafúrdias, bem ao estilo motivacional e de autoajuda. Este fala mansa, há tempos caiu nas graças da abominável classe professoral - sobretudo as professoras primárias e as coordenadoras peidagógicas -, que se emociona com suas historinhas para boi dormir, que considera os seus escritos de grande profundidade e inspiração. Entre seu clássicos estão : "O sapo que não queria ser príncipe" e "Ostra feliz não faz pérola". Além da parábola "O fogo que nos transforma", na qual compara - numa cara-de-pau que beira o ineditismo - o potencial humano a um grão de pipoca submetido ao fogo. O grão pode virar uma tenra e macia pipoca ou se tornar um piruá. Assim também são as pessoas, afirma esse grão-mestre da educação tupiniquim, se elas se despem de suas ideias formadas e de seus sólidos conceitos frente a uma nova situação, diante de uma adversidade, se abrem-se ao novo, viram uma bela e formosa pipoca; caso contrário, se continuam fechadas nas "cascas" de seus pensamentos preconcebidos, serão eternos piruás.
É ou não é pra censurar uma velhacaria desta?
Mas e se esta tentativa de censura da Seduc de Rondônia, como eu disse sobre as censuras de forma geral, despertar a curiosidade e o interesse da atual geração de apedeutas deste nosso Brasil dantes mais varonil para as obras de Machado de Assis, Mário de Andrade, Nelson Rodrigues e outros?
Não. Neste caso, não. Não acontecerá. Não no Brasil atual. Não com esta geração que não quer nem estudar nem trabalhar, que só quer saber de passar o dia nas redes sociais.
A censura ao Porta dos Fundos fez aumentar exponencialmente as visualizações de seus vídeos; a censura e a ordem de recolhimento do prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, a um gibi dos Vingadores, na Bienal 2019 do Rio, onde dois superboiolas se beijavam, fez explodir a venda da HQ.
Mas com livros, com Euclides da Cunha, com Machado de Assis, com Mário de Andrade, esqueçam, tal efeito não se dará, nem se iludam a este respeito.
O brasileiro é exceção à maioria das regras, sobretudo às boas. Ponham um livro na frente de um adolescente padrão dos dias de hoje e ele dirá como o Macunaíma, personagem da obra de Mário de Andrade e um dos títulos censurados : Ai, que preguiça!...
Suamy, é claro, deu pra trás. Os livros não serão recolhidos.

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