Brightburn, o Filho Bastardo de Krypton. Ou Será o Mais Legítimo?



Não digo que tenha sido sempre, mas já há muito e muito tempo que tenho dificuldades de acreditar, de "engolir" a mitologia do Super-Homem e do seu cosplay de humano, Clark Kent.
Ora, porra, Azarão - dirão os maledicentes sempre de plantão, os bocas-de-porco -, mas é lógico, né? Acreditar num cara que voa à velocidade da luz? Que tem força pra rachar um planeta ao meio, que tem um pequeno sol em cada um dos olhos, um sopro que pode decretar, a qualquer momento, uma nova Era do Gelo e que, ainda de quebra, pode se divertir desnudando gostosas com seu olhar de raios-X? Claro que é difícil de acreditar, né, Azarão?



No que eu, fazendo jus aos meus modos de fidalgo, de lorde, lhes responderei : ora, vão todos à merda, seus porras! Por acaso, vocês não acreditam num sujeito muito mais poderoso que o Super-Homem? Um cara que é imortal e que, ao mesmo tempo, nunca nasceu nem foi criado, que sempre houve? Que é três e um ao mesmo tempo? Que é filho e pai de si próprio? Que tudo pode, sabe e presencia e que teria parido todo o Universo? Não acreditam, seus porras? Pois vão lá pastar com seus respectivos rebanhos e não me encham o velho e enrugado saco.
Mas a questão não é essa. Minha dificuldade não é acreditar em um alienígena - um kryptoniano - com atributos físicos que não apenas extrapolam todos os limites e potencialidades humanos como também subverte e debocha de todas as Leis da Física, de todos os paradigmas de funcionamento das força universais. Que tomar como comum e trivial, como corriqueira e cotidiana, a existência de seres com poderes olimpianos é condição sine qua non para ser um leitor de quadrinhos. Tomamos isso como ponto pacífico. Um dogma nosso.
A minha dificuldade não é crer nos poderes do Super-Homem. Aceito-os sem problemas como premissa de suas histórias. Minha dificuldade é crer que um um sujeito desse, uma vez dotado de tais capacidades, se tornasse no Super-Homem, no bom moço Clark Kent, no genro que toda sogra sonha em ter. Que o afortunado detentor de tais poderes se submetesse, se convertesse e prestasse obediência aos valores morais e religiosos hipócritas de uma sociedade feito a norte-americana, ou feito a nossa, ou feito a qualquer outra sociedade humana. Que não tivesse desejos e ganas de reinar sobre as formigas do formigueiro no qual sua nave-berço o jogou, ou que refreasse esse desejo em nome dos dez mandamentos e do bem comum. Que se curvasse a governos e a líderes políticos de sua nação adotiva, obedecendo às suas ordens feito um soldado raso. Que um cara com poderes capazes de mudar o mundo, de moldar o mundo à sua imagem e semelhança, não fosse, no mínimo, querer mudar o mundo, moldá-lo a si, nem que para isso, ao longo do processo, tivesse antes que destrui-lo. Deuses não são misericordiosos.
O difícil para mim não é acreditar nos poderes do Super-Homem; o impossível é acreditar na "bondade" com a qual ele os usa, os limita, os contêm. É como o cara ter a rola do Kid Bengala e não sair a exibi-la por aí, em praias de nudismo, nos vestiários dos clubes, em gincanas escolares, em quermesses de igreja, em bienais de arte contemporânea, ao médico urologista etc. Ter uma rola daquela para quê, então?
Pois alguém não só teve a mesma ideia e a mesma descrença que eu a respeito do Super-Homem como também as transformou em um filme : Brightburn.
O casal Bryer, infértil, há anos tentando conceber um herdeiro, numa bela noite, da varanda de sua fazenda no Texas, vê um meteoro cair nas proximidades. Não era um meteoro. Sim um artefato espacial. Uma incubadora galáctica com um menino dentro. Uma cegonha interestelar a realizar o desejo do estéril casal.
Adotado pelo casal de fazendeiros, o filho rejeitado pelas estrelas cresce bem cuidado e bem assistido em pacato e adequado lar. É educado dentro dos bons costumes e da moral cristã. Cresce meio esquisitão e desajustado, com certa dificuldade (ou falta de vontade, mesmo) de fazer amigos na escola e pequenos e pontuais episódios de bullyng. Ou seja, a vida normal de uma criança.
Aos 12 anos, porém, junto com o advento dos pelos no saco e no sovaco, ele descobre que é invulnerável (exceção feita quando ferido pelo metal da fuselagem da nave que o trouxe para a Terra), capaz de voar, que é forte e rápido pra caralho e que pode lançar potentes rajadas térmicas pelos olhos.
Então, vocês me interromperão e dirão : já sabemos, Azarão, aí ele cresce ajudando os pais na fazenda, se forma e vai trabalhar como repórter na cidade grande, onde passa a envergar o "S" no peito e a capa às costas e se torna no guardião e protetor do planeta, e da Lois Lane.
No que lhes responderei : os seus cus!
Atendendo ao chamado telepático de sua nave, que fora escondida no alçapão de um celeiro abandonado por seus pais adotivos, ele descobre a sua origem e tem o seu propósito aqui na Terra revelado pelo misterioso veículo : dominar a humanidade, e dizimar os que se opuserem ao seu domínio.
Super-Homem é o caralho! O menino Brian Bryer nada tem de bonzinho, de escoteiro, de missionário mórmon. O menino é o capeta em forma de guri. Daí em diante, ele passa a barbarizar, a, literalmente, tocar o terror na cidadezinha de Brightburn. Ele assombra, persegue, assassina, destrói, incendeia, derruba aviões e o escambau. 
O filme é bom? Não. É bem ruinzinho. Sofrível, até. A ideia é muito boa; sua concretização, não. O filme ficou parecendo aquelas propriedades que valem mais pelo terreno do que pelas construções e edificações erigidas sobre ele.
O filme só não dá perda total porque, em primeiro, como eu disse, a ideia é muito boa, e porque, em segundo, tem efeitos especiais horríveis, pra lá de toscos, de fazer corar de inveja a Roger Corman, o Papa dos filmes B. O que acaba por evocar, não sei se por acaso ou feito a propósito pelo diretor, o clima dos velhos e nostálgicos filmes de terror das décadas de 1980 e 1990 : Sexta-Feira 13, A Hora do Pesadelo, Halloween, Pânico (com a delicinha Neve Campbell), Lost Boys etc.
A ideia e o apelo à nostalgia dos cinquentões são as únicas coisas que, um pouco, redimem o filme.
Se eu o recomendo? Depende. Se você não tiver nada, absolutamente nada pra fazer, e ainda estiver com seu braço direito quebrado e engessado, sim, assista a Brightburn. Senão, vá tocar uma punheta, que você ganhará muito mais.

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