Joba Tridente: Abafo em Três Suspiros



O poema Abafo em Três Suspiros é a versão revista e ampliada do poema 10 Abafos em 3 Atos (publicado, no Falas ao Acaso, em 2012, e já deletado) escrito quando era jovem e candangava pelo Planalto Central do Brasil, embevecido pela Natureza do Cerrado, o mais belo bioma brasileiro, e já aflito com a sua desnaturalização. Em agosto de 2019, percebendo que ele continuava pertinente, sem deixar que perdesse a essência, revi alguns versos e estrofes, mudei o título e, em tempo de fogaréu na Terra, o reapresento. Porém, nada impede que eu o reveja futuramente...


                              

ABAFO EM TRÊS SUSPIROS
Joba Tridente

1
é meio do dia
no planalto central
o azul imperturbável
de um céu límpido
tangencia o convexo das retinas
espalha-se pelo cerrado
e faz o encantador bioma tremeluzir
sob a incandescência de Hélios
e a ardência seca de Zephyro
que perpassa os troncos retorcidos
do perseverante pau-santo

2
definham árvores desfolhadas
a seiva seca antes de cicatrizar cortes
da serra do facão do machado
da besta-homem predadora
que não se arrisca no asfalto quente
que não se arrisca na quentura do ar irrespirável
que não se arrisca na intensidade da luz
que não se arrisca na poeira que remoinha as calçadas
que na sorte aposta na morte

3
formigas sabem da terra escaldante
moscas se importam pouco
borboletas esperam a fresca da tarde
grilos e outros noctívagos cantarão
ao acaso ao ocaso deslumbrante
o tique-taque do velho relógio
dá ritmo ao canto do tico-tico
que me chega de longe
o incenso se desmancha
inundando o quarto com aroma de cedrinho
o último gole de chá gelado
de hortelã e casca de laranja
desce por minha garganta seca
na vitrola
a agulha cega insiste no riscado
no velho long play
e repete incessantemente e
repete incessantemente
e repete incessantemente
um mesmo trecho hipnótico
do Bolero de Ravel
bêbados cantam bobagens
de duplo sentido
no boteco abaixo do apartamento

: é agosto
   e as chuvas de setembro ainda tardam!

*
ilustração.joba.tridente.2012/2019
no Falas ao Acaso você lê belíssimos poemas 
de escritores brasileiros e estrangeiros


Joba Tridente, um livre pensador livre. artesão de imagens e de palavras em Verso: 25 Poemas Experimentais (1999); Quase Hai-Kai (1997, 1998 e 2004); em Antologias: Hiperconexões: Realidade Expandida – Sangue e Titânio (2017); Hiperconexões: Realidade Expandida (2015); 101 Poetas Paranaenses (2014); Ipê Amarelo, 26 Haicais; Ce que je vois de ma fenêtre - O que eu vejo da minha janela (2014); Ebulição da Escrivatura - 13 Poetas Impossíveis (1978); em Prosa: Fragmentos da História Antropofágica e Estapafúrdia de Um Índio Polaco da Tribo dos Stankienambás (2000); Cidades Minguantes (2001); O Vazio no Olho do Dragão (2001). Contos, poemas e artigos culturais publicados em diversos veículos de comunicação: Correio Braziliense, Jornal Nicolau, Gazeta do Povo, Revista Planeta, entre outros.

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