A crise do debate público.

Imagem feita por IA.

Faz um tempo que não escrevo por aqui, mas como diz o ditado: "quem está vivo sempre aparece".

 Nesse período, após uma reflexão, me questionei sobre o porquê dos problemas do Brasil serem tão mal debatidos. Não há, no "povão", um debate sério por um país melhor; há apenas emocionados e torcidas de "times ideológicos" (como apontei no texto anterior).

Todos testemunharam o que a internet se tornou algumas semanas atrás com a proposta da PEC 6x1, apresentada por Erika Hilton. Em poucas horas, uma discussão se transformou em mais um duelo polarizado: de um lado, a "esquerda boazinha", e, do outro, a "direita malvadona", debatendo sobre a realidade do trabalhador brasileiro e sua escala. Logo, a PEC virou tema de consideráveis ​​debates na televisão, aulas, artigos e até roteiros de youtubers. Não irei entrar exatamente nos méritos da PEC, pois ela já foi destrinchada no excelente debate entre Arthur do Val e Alfredinho, que foram apresentados de forma clara como os deputados votaram mais pelo populismo do que pela seriedade da proposta. Arthur foi pertinente em suas críticas ao sistema das leis trabalhistas no Brasil e em como o debate sobre esse tema precisa ser mais profundo.

Link abaixo:

https://www.youtube.com/live/sIrEfkeN1FM?si=kEb_honpwSEtmzjU

Deputada Erika Hilton, foto de Zeca Ribeiro.

Para uma PEC com um tema tão sério, não poderia ter sido elaborada em apenas uma página (sim, uma página), com erros claros de cálculo, sem um estudo aprofundado sobre o tema e sobre tudo o que impactaria a economia brasileira, desde os trabalhadores mais humildes e pequenos empresários até os grandes empresários e banqueiros do Brasil. A economia de um país bem ou mal afeta diretamente o preço de tudo o que compramos e influencia até ironicamente, nas escalas de trabalho e a renda média de um povo. Portanto, não pode ser tratada separadamente deste tema trabalhista.
Infelizmente, a própria relatora não se baseou em estudos de impacto, como revela no trecho abaixo.
https://youtu.be/FEKoAxS677o?si=uI3pRsZpggLCtBps

"Eis porque os burocratas fazem da economia um tabu. Eis o problema: o governo encorajou apenas os especialistas que limitam suas observações a um campo restrito, sem se preocupar com as consequências mais abrangentes de uma política."¹

Charge de Cazo, por Blog do AFTM.

A mídia ultimamente tem rotulado todos que procuraram maior cautela com a proposta como “os inimigos dos trabalhadores”. Claro, não nego que existam pessoas que desejam uma precarização ainda maior da CLT, mas não as levarei em consideração no texto, pois não fazem parte do debate sério que quero discutir.
Os economistas que abordaram o tema levantaram inúmeras questões sobre suas possíveis aplicações e procuraram, após analisar a longo prazo, identificar "o que não se vê" para entender a dinâmica envolvida.

"A diferença entre um mau e um bom economista é a seguinte: um se apega ao efeito visível; o outro leva em conta tanto o efeito que vemos quanto aqueles que devemos prever."²

O efeito mais prático dessas más políticas econômicas foi visto de forma bem impactante com o recente pacote de corte de gastos do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que, como esperado, não tomou atitudes estimulantes e, na verdade, só prejudicou a moeda brasileira, resultando na alta do dólar, como exemplificado pela charge anterior.

Fernando Haddad e Lula, foto de Nelson Almeida.

Quando se trata de assuntos sérios, ironicamente, a massa se move apenas pelos jargões simples que cativam seu interesse. Isso é claramente um efeito da busca por soluções simples para problemas complexos, onde se apoia tudo o que é populista, sem refletir sobre os possíveis efeitos de suas decisões. 

Uma análise que podemos fazer sobre a situação das eleições de 2022 foi exatamente sobre o fanatismo, em que os dois líderes de espectros opostos levaram as pessoas às ruas não para discutir assuntos importantes, mas para debater quais líderes eram mais interessantes com suas pautas sem lógica de aplicação. Um dos jargões mais utilizados pelo Lula era a "picanha" e do Bolsonaro era "defesa da família", propostas que não são sérias e nem deveriam levar um cidadão a votar em alguém. Esses líderes nunca tiveram coerência em seus mandatos e não cumpriram as promessas feitas anteriormente. Porém, souberam atuar nas carências da população e obter o apoio necessário para se manterem no poder e nas grandes mídias.

Esse populismo tão exagerado continuou movimentando nossas votações. Pablo Marçal, nas eleições de 2024 para prefeito de São Paulo, desempenhou esse papel de forma sublime, com propostas sem lógica e uma estratégia nas redes sociais para alavancar sua campanha através de cortes de suas mentiras e exageros, sem atacar os verdadeiros problemas da população brasileira. Logo, em pouco tempo, pegou para si os holofotes que um dia foram de Jair Bolsonaro.

Pablo Marçal, foto de Roberto Sungi.

A questão que quero alertar por meio deste texto é que a população, infelizmente, peca em demasia e não entende de forma clara as consequências das decisões tomadas para o país. Compreender que a economia é algo primordial para o sucesso de uma nação deveria ser algo básico, mas milhões perderam seu tempo lutando uma batalha falsa, seja nas redes sociais ou nas ruas, que nunca resolveria os verdadeiros problemas do trabalhador brasileiro. No entanto, não é culpa exclusivamente das pessoas; a educação brasileira é "craque" nisso, em pegar conteúdos necessários e ignorá-los, transformando as pessoas em analfabetas funcionais, que servem apenas para eleger indivíduos sem o mínimo de preparo.

Quando digo que a educação brasileira é de má qualidade, não quero, de forma alguma, culpar apenas os professores e demais profissionais que trabalham nas escolas. Na verdade, eles têm uma parcela mínima de responsabilidade diante do processo de sucateamento do nosso sistema educacional. A verdadeira culpa por essa "formação fraca" recai sobre aqueles que gerenciam os investimentos em educação. Ao longo do tempo, tanto em governos de esquerda quanto de direita no Brasil, houve pouco interesse em melhorar a qualidade desse serviço essencial para o desenvolvimento de uma nação.

Para se ter uma ideia, o investimento na educação superior é muito maior do que o destinado ao ensino básico, o que afeta diretamente as classes com menor poder aquisitivo. Essas são as que mais dependem do ensino público nos primeiros anos escolares. Dessa forma, cria-se uma parte da sociedade que não consegue acessar o conhecimento de forma ampla, incluindo a compreensão dos trâmites da política nacional e da geopolítica. Além disso, muitos, por necessidade financeira, acabam optando por arranjar um emprego em vez de concluir a educação básica. Nesse contexto, surge, por meio de políticas populistas, uma suposta "salvação": o chamado "pé de meia", um auxílio-estudo para o ensino médio, em que o aluno recebe dinheiro para estudar, sendo esse custo bancado pela grande massa de trabalhadores.

Camilo Santana, criador do projeto "Pé de meia", junto com Lula, foto por Claudio Kbene.

E, como toda pauta populista (sim, estou me repetindo), os resultados tendem a ser ineficientes. Na minha visão, isso é praticamente um atestado de que a educação brasileira está em declínio. Há inúmeras áreas a serem melhoradas no sistema educacional: desde a qualidade da alimentação oferecida aos alunos até os materiais didáticos, planos pedagógicos e a implementação de aulas experimentais e dinâmicas que despertem o interesse dos estudantes. Certamente, o melhor caminho não é pagar alguém simplesmente para assistir às aulas. Será que os professores são tão ruins que os alunos precisem ser pagos para participar das aulas? Brincadeiras à parte, essa é a impressão que uma proposta como essa pode causar. Além disso, vale lembrar que o custo estimado dessa medida é de 8 bilhões de reais dos cofres públicos anualmente. Tenho certeza de que esse montante poderia ser utilizado de forma muito mais eficiente para transformar a educação de maneira significativa.

No entanto, sabemos que esse projeto não foi elaborado com as melhores intenções. Ou alguém duvida que ele será usado como uma ferramenta de campanha pelo atual governo Lula na próxima eleição? Os beneficiados certamente irão associar sua espoliação legal*³ à qualidade do governo que a proporcionou, da mesma forma que Jair Bolsonaro tentou, sem sucesso, capitalizar politicamente com o Auxílio Brasil nos últimos anos de sua gestão.

A crise do debate público reflete exatamente isso: projetos populistas sem estudos de impacto, uma economia debilitada e uma educação de má qualidade que não prepara as pessoas para compreender o básico sobre tributação e política. O resultado é a polarização em torno de duas torcidas que, em vez de se preocuparem verdadeiramente com os problemas do país, se deixam levar por discursos fáceis e falaciosos.
Charge por Diego Novaes

Infelizmente, não tenho soluções abrangentes para o nível nacional. Contudo, se posso dar uma dica para quem leu até aqui e deseja escapar dessas amarras ideológicas e debates sem fundamento, é esta: leia, e leia muito. Estude os temas mais relevantes do momento de maneira séria e crítica, buscando compreender os impactos reais de decisões e projetos, tanto os visíveis quanto os mais profundos e menos aparentes.

Acima de tudo, não se torne uma marionete de nenhum político. Desenvolva suas próprias visões e, nas próximas eleições, apoie de forma consciente e fundamentada.

Alguns livros da minha estante.

A crise da educação no Brasil não é uma crise; é um projeto.
                                                                                        -Ribeiro, Darcy.


Fontes:
https://mercadopopular.org/nota-de-politicas-publicas/como-as-universidades-publicas-no-brasil-perpetuam-a-desigualdade-de-renda-fatos-dados-e-solucoes/
https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/fim-do-bolsa-familia-e-comeco-do-auxilio-brasil-como-fica-agora/
https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/opiniao/colunistas/inacio-aguiar/programa-de-bolsa-para-estudantes-deve-se-chamar-pe-de-meia-e-custar-ate-r-8-bilhoes-por-ano-1.3449186
https://dollarbill.com.br/p/02-12-2024

Bibliografia:
¹Burocracia, Mises, 1944.
²O que se vê e o que não se vê, Bastiat, 1850.
³A Lei, Bastiat, 1850.

Esse texto foi postado inicialmente em TUDO O QUE DER NA TELHA.


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