Os
Caçadores - Quando o Arqueiro Verde ficou mais sombrio
Um dos personagens que
mais passou por uma evolução nas histórias em quadrinhos foi o Arqueiro Verde.
Quando foi criado na
década de 40, ele era apenas um “Batman 2.0”, um milionário que combate o crime
com o auxílio de gadgets e um
assistente mirim. Foi do final dos anos 60 que o personagem foi redefinido pela
dupla Dennis O’Neil e Neal Adams, recebendo um novo visual (incluindo seu
icônico cavanhaque) e uma personalidade mais fanfarrona e critica em relação
problemas na sociedade.
Essa abordagem de
“Robin hood moderno” se tornou um dos aspectos principais do arqueiro, sendo
trabalhado por vários autores no decorrer dos anos, seja nas histórias em
quadrinhos ou participações dele em adaptações.
Esse meu texto irá
falar de uma dessas histórias, que é considerada uma das mais populares de
todas do herói: Os Caçadores (1987), uma minissérie de três edições, escrita e
desenhada pelo Mike Grell, o roteirista responsável por uma das fases mais
memoráveis do Arqueiro Verde nos anos 80.
Vamos começar...
Trama
No seu aniversário de
43 anos, Oliver Queen se muda de Star City para Seattle, buscando começar uma
nova vida ao lado de sua namorada Dinah Drake (a Canário Negro).
Entretanto, os planos
do casal são interrompidos por seus deveres como um heróis: Enquanto Dinah
investiga uma gangue de traficantes, Oliver segue pistas de um serial killer, que está atacando
prostitutas nas ruas.
Sua busca, leva o
arqueiro a se encontrar com uma arqueira misteriosa, Shado, e descobrir que
ambos casos estão conectados numa conspiração muito maior.
Realismo
da forma certa
Uma das primeiras
coisas que chama atenção nessa história é o quão “pé no chão” tudo é
apresentado, desde a história se passar em Seattle ao invés de Star City, a
ausência de super vilões fantasiados e Oliver deixando de usar suas flechas
especiais e passando a usar flechas normais e afiadas.
Normalmente eu não sou fã
de tornar super heróis realistas, visto que isso limita a imaginação de seu
mundo e o potencial de histórias. Contudo, esse é um dos casos onde a ideia é
bem executada devido ao protagonista em questão. Oliver é retratado como um
“herói do povo”, alguém lidando com situações mais urbanas. Em algumas
histórias da Liga (maior exemplo sendo Liga da Justiça sem Limites), ele age
como a consciência do grupo, criticando os heróis por achar que eles estavam
tão focados em enfrentar aliens e super vilões, esquecendo as pessoas que eles
devem proteger. Logo faz sentido que suas histórias seriam menos fantasiosas e
mais focadas no Oliver lidando inimigos da realidade como traficantes e empresários
corruptos.
O realismo também pode
ser notado na arte espetacular do Mike Grell, que não só apresenta personagens
com designs bem proporcionais e expressivos, como cria cenários com um
excelente equilíbrio de luz e sombra, produzindo uma atmosfera condizente com o
clima noir da minissérie.
Duelo
de caçadores
Embora a história tenha
um mistério cheio reviravoltas e cenas de ação bem dinâmicas, sua essência é a
forma como explora o Oliver Queen, através de um paralelo entre ele e a nova
personagem Shado. O arco é contado através da perspectiva de ambos arqueiros,
conforme seus caminhos vão se cruzando em seu conflito contra uma empresa
corrupta. Em seus encontros, Shado age como uma antagonista, desafiando o
Arqueiro não só na habilidade com o arco e flecha como também em
relação aos seus valores.
Normalmente nesses
tipos de conflitos (ex: Superman vs a Elite, Demolidor vs Justiceiro) o herói
passaria por esses questionamentos, mas no final conseguiria preservar sua
ideologia. Contudo, Mike Grell subverte a expectativa, levando Oliver para uma
direção bem mais sombria, com o ex-milionário e a Shado aos poucos
desenvolvendo um certo respeito mútuo, percebendo o quão parecidos eles são:
Ambos indivíduos falíveis tentando se redimir de seus pecados.
O auge desse dilema
chega quando Oliver descobre que a Canário Negro tinha sido capturada e estava
torturada por uns traficantes. Em desespero, ele mata o criminoso, um ato que
deixa Oliver abalado, fazendo refletir sobre sua própria natureza.
Para alguns ver Oliver
tira uma vida pode parecer uma descaracterização, uma tentativa de tentar fazer
o Arqueiro um personagem legal tornando-o sombrio e deprimido. Porém essa
situação, na realidade, se encaixa com o personagem do Oliver Queen e a
experiência que ele passou em sua origem.
Os anos que ele esteve preso
naquela ilha podem ter contribuído para Oliver passar a ter mais empatia pelas pessoas,
mas também o ensinou o que é de fato ser um sobrevivente, o que envolve tomar
decisões duras que para garantir sua própria sobrevivência, incluindo aquelas
que vão contra os valores morais.
Com a história
mostrando Oliver lidando com o fato dele estar ficando mais velho e se sentindo
obsoleto, faz sentido que esse instinto de sobrevivente iria ressurgir, com ele
sendo forçado a tomar decisões para garantir a segurança das pessoas com quem
se importa. O fato da história nunca glorificar as ações dele e mostrar os questionamentos
do Oliver sobre elas ajuda a fazer os leitores entenderem melhor o personagem e
fazer as mesma questões.
Canário
na geladeira
Apesar de seus vários
acertos, Caçadores tá longe de ser uma obra perfeita. Tem alguns defeitos como
os vilões, que são típicos empresários corruptos sem muito carisma.
Mas o grande erro que a
história comete é a participação da Canário Negro, que é vítima de um caso de “Mulher
na Geladeira”, uma expressão criada pela autora Gail Simone para se referir a
situações onde uma personagem feminina é morta ou brutalizada para colocar em
andamento do personagem masculino com quem ela se relaciona.
No caso da Canário, não
chega a ser tão grave, visto que Grell dedica umas cenas a mostra da
personalidade da Dinah, com ela não só sendo uma heroína ativa e independente, como
também agindo como a voz da razão para Oliver, não deixando que a confiança do
Arqueiro o faça perder foco da realidade que eles estão vivendo.
O problema é com a história
ignora a Canário parte do tempo, não mostrando ela investigando a organização
criminosa até o Oliver descobrir que ela foi capturada. Não é mostrado nem como
que os bandidos conseguiram captura-la, fazendo que eles conseguiram isso com
facilidade, o que é um desrespeito para uma personagem que é uma das maiores
lutadoras do Universo DC.
Sendo justo, Mike Grell
demonstrou estar ciente do que fez, tanto que depois ele escreveu histórias
onde a Dinah confronta os traumas que ela passou. Mas, ainda assim, esse
detalhe na história poderia ter sido melhor executado.
Legado
Com o sucesso de
Caçadores, Mike Grell se tornou o autor das revistas do Arqueiro Verde na
década de 80, escrevendo ao todo 80 edições que continuaram esse tom sombrio e
realista, ao mesmo tempo que desenvolveram algumas sub-tramas estabelecidas
nessa história, como o triangulo amoroso entre Oliver, Dinah e Shado.
Essa abordagem sombria do Arqueiro duraria uma boa parte dos anos 80 e 90 até o personagem ser morto e substituído por seu filho, Connor Hawk.
Sendo quadrinhos, o Oliver Queen não percebeu
no caixão por muito tempo, sendo ressuscitado no ano de 2001, na fase escrita
pelo Kevin Smith, que trouxe o personagem de volta a ter a personalidade da época do Dennis O’Neil e Neal Adams.
Mas o arqueiro sombrio
do Grell não seria esquecido, pois sua história viria a ser uma das inspirações
por trás de uma adaptações mais populares do herói, a série Arrow, cuja
primeira temporada pega elementos de Caçadores,
incluindo estilo mais “realista” e foco no drama de crime urbano.
Considerações Finais
Quando se trata da
direção que uma história siga, seja sombrio ou light, o que importa, pra mim, é
a história ser bem escrita e representar bem a essência do personagem, o que os
torna tão interessantes. Isso é o que Caçadores consegue realizar em suas 3
edições.
É uma abordagem mais
sombria em relação ao Arqueiro Verde, mas nunca a ponto de ignorar o núcleo do
personagem. O trabalho de Mike Grell não ignora o que Dennis O’Neil e outros
autores fizeram. Ele expande o mundo do herói, introduzindo novos personagens
como a Shado, ao mesmo tempo em que ele explora as camadas do Arqueiro,
tornando um homem mais complexo.
Mesmo com as falhas que
citei, Caçadores continua sendo uma das melhores histórias do Arqueiro e um
excelente ponto de partida para muitos que quiserem conhecer mais sobre o
personagem.
Nota:
8/10
Então é isso? Qual a
opinião de vocês quanto a Arqueiro Verde: Os Caçadores? Sintam-se a vontade
para colocar suas opiniões nos comentários abaixo...
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