Enfim estreou no Disney Plus dois episódios de X-Men 97, a tão falada sequência da clássica animação dos X-Men dos anos 90. No entanto, será mesmo uma sequência. É isso que vamos ver. Quem não viveu a década de 90 e a época em que o desenho era exibido na TV, na extinta TV Colosso da Globo, não tem muita ideia do quanto essa animação foi importante para sedimentar os X-Men na cultura pop.
Digo
isso porque, nós, fãs de quadrinhos, às vezes vivemos em uma bolha. Está certo
que os X-Men se tornaram sucesso de vendas desde meados a fins dos anos 70,
quando foram criados os Novos X-Men, com roteiros de Len Wein e Chris Claremont
e arte de Dave Cockrum. Porém, foi apenas quando John Byrne assumiu os desenhos
que a revista dos X-Men deslanchou e desde então nunca mais deixaram de estar
no topo das HQs mais vendidas.
Entretanto,
para o grande público, os X-Men seguiam como perfeitos desconhecidos, por mais
que fossem best sellers nos quadrinhos. Isso mudou apenas nos anos 90, graças aos
jogos de vídeo game e, sobretudo, a animação. Eu mesmo presenciei essa época.
Já era leitor dos X-Men antes do sucesso do desenho; porém, quando o desenho
estourou, o interesse das pessoas pelas HQs aumentou bastante.
Creio que foi a última vez que notei que o sucesso dos personagens em outra mídia acabou por influenciar o aumento de vendas das HQs. A despeito de filmes e séries de super-heróis fazerem sucesso, o público leitor de quadrinhos segue bem nichado, mas isso não aconteceu naquela época. Antes da estreia do desenho, a Abril publicava apenas uma revista dos X-Men e uma do Wolverine, ambas em formatinho. Quando o desenho passou a ser exibido e fazer sucesso, a Abril publicou os três primeiros números da HQ X-Men de Chris Claremont e Jim Lee, a HQ de super-heróis mais vendida da história, como uma minissérie. Tenho até hoje essa minissérie na minha coleção. A Abril também publicou a minissérie X-Men Adventures, que adaptava a animação para os quadrinhos; publicou também outras revistas como X-Men Especial, X-Men Extra, X-Men Gigante e ainda a mensal em formato americano Os Fabulosos X-Men, cujo primeiro número tinha capa metalizada e arte de Roger Cruz. Nos anos 90, tudo que tinha X na capa vendia muito.
Dessa
forma, quando a Marvel/Disney anunciou que a animação clássica dos anos 90
teria uma sequência, a especulação sobre como iriam fazer isso foi alta. Esse
povo não é bobo e sabe que o apelo à nostalgia dá resultado. Entretanto, com o
passar do tempo e com notícias não muito animadoras, como declarações do
principal roteirista da série Beau DeMayo, que fizeram um marketing ruim e causaram certo ranço nos nerdolas.
Quando o trailer enfim saiu, a recepção foi mista. Uns gostaram, outros
estranharam alguns aspectos, como a diminuição da bunda da Vampira. Sobre a
supressão da bunda da personagem, escrevi um post a respeito; quem
quiser ler é só clicar no link abaixo. No entanto, minha opinião sobre a
problematização da sexualização em quadrinhos, jogos, filmes, desenhos etc. já
é conhecida. Acredito ser uma baita de uma hipocrisia, vinda de pessoas que em
sua maioria não são o público-alvo do material. A crítica da direita é
condenável porque é moralista, mas a da esquerda é aceita porque é contra a
sexualização e vale a exaltação de virtude. Puro recalque.
https://ozymandiasrealista.blogspot.com/2024/03/primeira-baixa-de-x-men-97-foi-bunda-da.html
Para piorar, um pouco antes da estreia da animação, Beau DeMayo foi demitido pela Marvel/Disney em circunstâncias que não ficaram claras. Há boatos de que foi por causa da má recepção ao trailer e outros de que a razão foi porque descobriram que DeMayo tinha uma conta no OnlyFans, em que tinha fotos nu mostrando o mastro, à la Vampeta.
No
entanto, finalmente, estrearam dois episódios de X-Men 97 no Disney Plus
e já assisti a ambos para poder dar minha impressão. Pois é, a questão permanece,
o resultado final foi positivo? A resposta é sim. Tenho minhas ressalvas, mas
no geral gostei desses episódios. Porém, é preciso deixar claro que a animação não
é bem uma sequência direta do desenho dos anos 90, mas um soft reboot.
No último episódio da animação clássica, o professor Xavier está morrendo e
termina viajando para o Império Shi’ar com sua consorte, a imperatriz Lilandra,
para tratar-se. Entretanto, em X-Men 97 é dito que Xavier foi
assassinado por Henry Peter Gyrich e que, por causa disso, a aceitação dos mutantes
pela sociedade aumentou.
Outra
incongruência é uma sequência em que é dão destaque para uma foto com os cinco
X-Men originais: Ciclope, Jean, Fera, Anjo e Homem de Gelo. Todavia, na animação
dos anos 90 nunca houve referência aos X-Men originais e o Anjo não conhecia os
X-Men. Outro furo é quando Jean se lembra de quando usou seu segundo uniforme,
que não foi mostrado no desenho dos anos 90. Jean inclusive usou esse uniforme
na Saga da Fênix Negra nos quadrinhos, mas não na adaptação dessa saga na
animação.
No primeiro episódio de X-Men 97, há outra incoerência, pois os X-Men resgatam Roberto DaCosta, o mutante brasileiro Mancha Solar, dos Amigos da Humanidade. No entanto, Mancha Solar já conheceu os X-Men na animação clássica, no episódio de Genosha. Contudo, na nova animação, ele nunca tinha tido contato com os X-Men antes.
Vale
a pena destacar a personalidade de Ciclope, que está um pouco diferente em X-Men
97. Ele está menos sisudo e mais bem-humorado, até mesmo piadista. Talvez
seja porque está preste a ser pai, pois Jean está grávida. Ciclope também aparece
partindo mais para a porrada; ele não apenas luta com suas rajadas ópticas, mas
também dá uns socos. Há umas incoerências, como o fato dele conseguir destruir
um sentinela com uma rajada óptica, mas apanhar de um cara de armadura. Muito
se falou também do mutante Morfo, que ele seria não binário. No entanto, isso
não está muito explícito no desenho. Tem uma cena meio esquisita, em que Morfo se
transforma na Jean e dá em cima do Wolverine na boate, mas foi só isso. Morfo
está com a aparência da cara branca, que teve na HQ durante A Saga do
Apocalipse, mas ele também alterna para seu rosto humano. Não fica muito
claro se Morfo sofreu uma mutação e agora a cara dele é desse jeito, ou se sua
verdadeira aparência sempre foi essa e ele antes usava mais o rosto humano.
Morfo é tipo o buddy do Wolverine no desenho. Na verdade, o melhor amigo
do Wolverine nos X-Men nos quadrinhos era o Noturno, mas, como não tem esse
personagem no desenho, substituíram pelo Morfo. Bishop também faz parte da equipe
agora, a despeito de não haver uma explicação para isso.
No
final do primeiro episódio, Magneto aparece e diz que, pelo testamento de
Xavier, ele agora deveria ser o líder dos X-Men. Isso realmente aconteceu nos
quadrinhos: quando Xavier teve de partir para o espaço, ele pediu ao
recém-regenerado Magneto para o substituir. Não obstante o fato de na prática
isso não ter acontecido. A liderança dos X-Men ficou com Ciclope e Tempestade, e
Magneto tornou-se o tutor dos Novos Mutantes. Há uma referência legal, pois ocorre
o julgamento do Magneto na ONU, como também aconteceu nos quadrinhos. Ele está
inclusive com seu uniforme dos anos 80. Criticaram a aparência do Magneto, dizendo
que agora ele está parecendo uma velha, tipo a Vovó Bondade de Apokolips da DC.
O character design dele realmente ficou meio esquisito. Magneto já teve
cabelos compridos em algumas fases nos quadrinhos, mas quando Jim Lee o desenhava,
por exemplo, ele tinha um aspecto mais viril, era o Magneto chad. Por
falar em Magneto chad pegador, na animação, ele tem um relacionamento secreto
com a Vampira, apesar de na animação dos anos 90 eles nunca terem se envolvido.
Porém, Magneto e Vampira já terem ficado juntos nos quadrinhos. Naquela história em
que Vampira encontra Magneto na Terra Selvagem, ele a chama na chincha e rola
alguma coisa. Magneto consegue tocar na vampira graças a seus poderes. Gambit
inclusive já está desconfiando que é corno.
Outro
fato importante que ocorre no segundo episódio é que a Tempestade perde seus
poderes, tal qual como nos quadrinhos. A despeito de o contexto ser diferente.
Nas HQs, ela é atingida por uma arma que neutraliza poderes mutantes criada por
seu então namorado, o mutante Forge. Na animação, ela é ferida pelo disparo de um dos
membros dos Amigos da Humanidade. No final do segundo episódio, enfim
nasce o filho de Ciclope e Jean, Nathan Summers, que na realidade se tornaria o
Cable no futuro. Entretanto, como plot twist, a verdadeira Jean aparece
na porta da Mansão Xavier, o que significa que a Jean com quem Scott se casou e
com quem teve um filho é um clone. Nos quadrinhos, Scott casa-se com Madelyne
Pryor, que na realidade é um clone da Jean criado pelo vilão Senhor Sinistro.
Posteriormente, Madelyne torna-se a vilã Rainha dos Duendes. Resta saber como a
animação adaptará essa história.
Quando
à qualidade da animação, devo dizer que ela é inferior à animação das primeiras
temporadas do desenho dos anos 90. No entanto, ainda é melhor que a animação da
última temporada, que foi feita na Malásia ou Filipinas, não me lembro. Quando se
comparam as primeiras temporadas da animação clássica dos X-Men com a última,
nota-se que a queda de qualidade da animação é gritante. As primeiras
temporadas foram animadas na Coreia do Sul e creio que X-Men 97 também deve ter
sido animada por lá, porque fica bem mais barato para os estúdios terceirizar a
animação para outro país. A animação de X-Men 97 pode ser enquadrada na chamada
“animação limitada”, que é uma técnica de animação já superada.
Dito
isso tudo, devo sim continuar a assistir a X-Men 97; não é uma animação
perfeita, mas vale a conferida e tem a cartada da nostalgia. Apesar da descrença
de muito, inclusive da minha, a estreia foi realmente um sucesso. Está todo mundo
comentando, e foi um dos poucos acertos da Marvel/Disney. X-Men comercialmente é uma marca que não pode
ser subestimada, ainda que tenha passado por muita saturação e superexposição.
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