Cosplay : abreviatura inglesa de costume play; ou seja, brincar de se fantasiar, trajar-se com costumes de personagens fictícios, sobretudo de quadrinhos, livros, filmes e séries.
Lá pelos EUA, o cosplay é prática das antigas, datando da década de 70 ou antes. E no Brasil? Quando começamos a papaguear e a macaquear mais essa tradição ianque? Quando começou o cosplay no Brasil?
Segundo o site Made in Japan, os primeiros cosplays apareceram durante a 2ª edição do MangáCon, em 1997, com cerca de 30 cosplayers. Número que foi aumentando nas edições posteriores.
1997 é o caralho! O cosplay surgiu no Brasil em 1989! E não nessas convenções de punheteiros que são as comicons. Surgiu em 1989 na famigerada A Festa do Vampiro, no espaço de vivência da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP - Ribeirão Preto, a Filô, para os íntimos.
Seus inauguradores : eu, o Azarão, essa criatura abominável que vos fala e meu querido, meu velho, meu amigo, Jaimão. Eu a contar com 22 anos e ele, com uns 19 ou 20.
1989!
A despeito do que possa afirmar o horóscopo chinês, 1989 foi o ano absoluto do Morcego. Do Batman. O cruzado de capa completava seu cinquentenário e tudo relacionado a quadrinhos girou em torno de tão significativa data, as bodas de ouro do Morcegão. A Abril Cultural lançou As Dez Noites da Besta, Asilo Arkham e várias outras edições especiais e comemorativas.
A grande atração, no entanto, a frenética expectativa, não estava nem nos viria das bancas de revistas. A maior espera tinha origem nas telonas do cinema. 1989 foi o ano do Batman, de Tim Burton. Filme que prometia cumprir a missão de devolver tons e atmosferas mais sombrios e menos viadescos ao Morcegão, tão esculhambado na série de TV de 1966, aquela das onomatopeias, Soc!, Zoom! Biff! Prometeu e, não obstante a escolha de Michael Keaton para o papel principal, cumpriu seu intento. Batman voltou a ganhar status de personagem sério, adulto.
Cursávamos, então, eu e o Jaimão, a carreira de Química, curso de pobretões e pés-rapados, assim como o de Biologia e o de Enfermagem. Muito diferentes do curso dos fidalgos nascidos em berço de ouro, a Medicina. Pernósticos e afetados que só eles, no mês de agosto, eles exibiam toda sua grana, pompa e pedantismo no chamado Baile Branco, festa de gala realizada no clube, à época, mais chique da cidade, a Recreativa, hoje, mais quebrado que arroz de terceira.
Não sei de quem partiu a ideia, mas algum gênio zombeteiro da Filô (que congregava os cursos de Química, Biologia e Psicologia) propos uma festa em oposição ao Baile Branco, um contraponto a toda aquela ostentação e futilidade dos futuros esculápios do país. Nasceu daí a Festa do Vampiro, que era, inclusive e propositalmente, realizada na mesma data do Baile Branco. Também na Recreativa? Claro que não. Era realizada nas dependências da Filô, mesmo. Era só afastar a mesa de sinuca e a de pingue-pongue e, zás, estava pronto o salão da festa.
O traje para a Festa do Vampiro não era um traje, era um cor : o preto; um roxo eclesiástico, no máximo. Era só se vestir de preto, maquiar olheiras de defunto, pintar sangue falso nos cantos da boca e pronto. O resto ficava por conta da cerveja barata servida em copázios plásticos de 500 ml e muito Ira!, Ramones e The Doors a rolar na vitrola sem parar.
Falando em The Doors, e muitos poderão nem acreditar no que direi a seguir, mas o próprio Jim Morrison encarnava em um sósia seu, habitué da Festa do Vampiro (nós nunca o víamos em outra ocasião), e despirocava geral, subia, literalmente, pelas paredes. Lá pelas tantas, e depois de muitas, o Jim segurava num daqueles puxadores de abrir e fechar as altas vidraças do salão e escalava as paredes.
Nesse ano, 1989, inspirado pelo totem do morcego, cheguei para o Jaimão e disse : - vou de Batman na Festa do Vampiro. Imediatamente, Jaimão comprou a ideia e chutou de trivela : - e eu vou de Coringa, disse.
A fantasia do Jaimão foi fácil. Uma camiseta pólo roxa listrada, uma gravata verde de papel crepom, pasta d'água embranquecendo a cara e uma bocarra vermelha desenhada a batom (da minha irmã).
A minha deu mais trabalho. Muito mais trabalho.
Primeiro : a camisa. Em 1989, não era feito hoje, que qualquer loja mequetrefe de shopping tem variados artigos de vestuário relacionados com super-heróis, não havia ainda a tal da cultura nerd ou geek. Não existia camisetas do Batman à venda no varejo. Lembrei-me, então, que meu amigo Marcellão, fanático religioso pelo Batman, adquirira uma camiseta manga longa preta do Batman pelo reembolso postal - o e-commerce da época - e que a vestimenta ficara apertada e curta para ele, haja vista sua ampla e robusta envergadura. Corri à casa dele, localizada na lendária Travessa do Rami, nº 35, e pedi emprestada. - Eu vendo - ele disse. Ele pagara 12 mil alguma coisa por ela. - Me dá cincão que eu te vendo - propos. Ele tava precisando de cinco mil para uma caixa de bombom para limpar a barra com a namorada. Paguei os cinco mil qualquer coisa, uma nota com a efígie do ex-presidente Castelo Branco. A camisa estava garantida.
Segundo : a capa. Foi a parte mais fácil. Surrupiei um lençol velho da minha mãe, tingi-o com corante preto Guarany e recortei uma de suas extremidades em meias-luas, a imitar a asa de um morcego.
Terceiro : a máscara. Essa foi de foder! Consegui três sacos de farinha de trigo numa padaria, cortei-os e pus-me a costurá-los na forma do capuz do morcego. Foram várias tentativas e erros. Um resultado passável, eu só consegui na quinta tentativa. Mas consegui. Aí, foi só tingir de preto.
Fantasias prontas, faltava, então, outro elemento fundamental para irmos à Festa do Vampiro : o batmóvel. Esse ficou por conta da confiança e da generosidade do meu pai, que nos cedeu seu Chevettão prata 1986. Chevette que ficou mais para Coringamóvel, uma vez que o Jaimão é quem foi dirigindo.
E saímos de casa já a caráter, já cosplayzados, por volta das 10 da noite. Pelas ruas, em cada semáforo que parávamos, as pessoas olhavam, riam, cumprimentavam, perguntavam o porquê. Sentiamo-nos em plena missão em nome da Justiça.
Na festa, pra variar, muita cerveja barata, Ira!, Ramones, The Clash, The Doors, Legião Urbana, Inocentes, Cólera, Ratos de Porão, Garotos Podres etc. Fora, é claro, a tão aguardada performance do Jim ao fim da noite.
Para variar, não pegamos ninguém. Comer, só comemos mesmo o tradicional X-Tudo de fim de festa, comprado a um trailer de lanches do Mau-Mau, localizado, ironicamente, em frente e do outro lado da avenida em que ficava o Clube da Recreativa, onde rolava o Baile Branco.
Quatro da matina, os notívagos a irem se deitar e alguns madrugadores já indo pegar no batente davam com aquela cena surreal, o Batman e o Coringa batendo um X-Tudo, irmanados a devorar um "podrão".
Abaixo, e finalmente, a prova de nosso vanguardismo, de nosso pioneirismo no cosplay nacional. Deveríamos ser declarados Patronos da Cultura Geek. Antes mesmo dela existir, quando os seus adeptos eram só chamados de retardados, mesmo.
Bons tempos... saudosos tempos...
0 Comentários