Como grande fĂŁ de Holmes, tinha me interessado em assistir a Sr. Sherlock Holmes anos atrĂĄs, quando ele foi anunciado, em 2015, e agora voltou a ficar disponĂvel na Netflix. O filme nunca foi exibido comercialmente nos cinemas por aqui. AtĂ© tinha comprado o livro em que o filme foi baseado, A slight trick of the mind, de Mitch Cullin. O problema da pelĂcula Ă© o prĂłprio problema da adaptação em si, que um personagem pode ficar bem descaracterizado na visĂŁo de outro criador, e isso Ă© o que acontece aqui.
No enredo, temos um Holmes, interpretado pelo
excelente Ian McKellen (O Magneto, o Gandalf), sofrendo de senilidade e perda
de memória; ele ainda consegue fazer suas deduçÔes, mas se esquece de eventos
que aconteceram previamente, muitos anos atrĂĄs, quando tinha a atividade de
maior detetive do mundo. O que me incomodou mais nesse filme foi terem feito
Holmes ficar mais terno e sentimental do que ele realmente Ă© nos livros
canÎnicos de Conan Doyle. Não que o Grande Detetive não expresse emoçÔes nos
livros; inclusive, apĂłs o hiato em que ficou morto, do conto O problema
final até A casa vazia, quando retorna, Holmes passa a apresentar aspectos
de sua personalidade mais brandos e até mesmo afetivos.
No enredo, Holmes vive aposentado no interior
da Inglaterra, com uma governanta e o garoto Roger, interpretado pelo ator mirim
Milo Parker, filho da governanta senhora Munro, interpretada por Laura Linney. O
jovem Roger é uma espécie de sidekick do Grande Detetive. Uma vez que o
Batman copiou muita coisa do Holmes em questĂŁo de ser detetive, Holmes imitou o
Batman quanto a ter um sidekick. O moleque do filme Ă© tipo o Robin do
Holmes. Na verdade, é até meio injusta a comparação, pois o Robin é menos
chato. Mas o Dr. Watson nĂŁo seria o sidekick de Holmes? Mais ou menos,
não é bem essa a categorização que dou para o Watson. Mas, de fato, botar
Holmes em um filme com criancinha é meio que o fim da picada. E a expressão até
que tem serventia, pois o moleque Ă© realmente picado por umas vespas em uma
cena final.
Nesse filme, quiseram meio que fazer uma "Ășltima histĂłria de Sherlock Holmes", mas ela jĂĄ foi escrita pelo Conan Doyle, no conto Seu Ășltimo adeus, em que Holmes e Watson se encontram pela Ășltima vez, antes do inĂcio da Primeira Guerra Mundial. Enfim, na trama do filme, Holmes se isolou porque se sentiu bem culpado por seu Ășltimo caso, que acredita nĂŁo ter sido solucionado. EntĂŁo, ele quer se lembrar dos acontecimentos e atĂ© viaja para o JapĂŁo, em busca da tal pimenta-do-japĂŁo. Ele trocou a cocaĂna por essa pimenta, mas acho que ele estava bem melhor com a cocaĂna. Enfim, Holmes consegue começar a se lembrar de seu Ășltimo caso, que era a respeito de um marido que o procurou para descobrir o que sua mulher estava fazendo, uma vez que ela ficou meio esquisita depois de dois abortos. A resolução dessa histĂłria Ă© que deixa Holmes bastante abalado.
Entretanto, aĂ Ă© que estĂĄ, o personagem nĂŁo Ă© insensĂvel nos livros, mas tambĂ©m nĂŁo Ă© tĂŁo sentimental, e nĂŁo deixaria de exercer a atividade de detetive apenas por causa disso. Atividade que na verdade Ă© uma compulsĂŁo contra a inatividade mental. Um exemplo de como funciona as emoçÔes de Holmes Ă© na histĂłria As cinco sementes de laranja. Nessa histĂłria, o detetive tem de proteger o jovem John Openshaw de Ku Klux Klan e acaba por falhar. Ao descobrir que Openshaw foi assassinado, Holmes fica furioso, mas mais por orgulho ferido do que por indignação pelo crime mesmo.
O filme ainda tem uns fan services;
mostra Mycroft Holmes, interpretado por John Seassions e o Diogenes Club em um flashback inventado por
Holmes, que pela primeira faz uma incursão pela ficção, com a finalidade de
consolar seu amigo japonĂȘs, Tamiki, papel feito por Hiroyuki Sanada, a respeito
de seu pai. Para quem não sabe, o Diogenes Club era o clube e também base de
operaçÔes de Mycroft, o irmão mais velho de Holmes. Mycroft praticamente estava
por trĂĄs das decisĂ”es de Estado do governo britĂąnico. Era o chefe da inteligĂȘncia,
mas na realidade era ele quem governava o paĂs durante o reinado da rainha
VitĂłria.
Enfim, o
filme Ă© muito bem dirigido por Bill Condon e tem uma fotografia belĂssima, e a
atuação do Ian McKellen estå sensacional. Ou seja, se for para avaliar o filme
pelos méritos cinematogråficos, ele é muito bom, sim. Até o personagem de Roger,
que Ă© chato, Ă© bem interpretado. Acho que a pelĂcula sĂł peca pela
caracterização de Holmes mesmo. Vou dar nota 7,5 de 10 apenas porque não gostei
muito da caracterização do personagem, mas, como filme, mereceria uma nota
maior. E, em tempos de descaracterizaçÔes mais radicais de Holmes, como em Sherlock
e Elementary, até que não då para reclamar muito.