GUERRA
DAS ARMADURAS – HOMEM DE FERRO CONTRA O MUNDO
Quando foi criado por
Stan Lee na década de 60, a ideia por trás do Homem de Ferro era ele ser um
personagem que representar de tudo que o público jovem da época era contra,
como guerras e fabricação de armas, mas ao mesmo tempo conseguiria ter a
simpatia deles.
O conceito é interessante, se encaixando na visão do Stan Lee para o universo Marvel, de ser composto por personagens imperfeitos com quais o público se identifica. Porém isso acabou não sendo bem executado, com as primeiras histórias do Homem de Ferro sendo clara propaganda de Guerra Fria, lidando com inimigos bem estereotipados como Dínamo Escarlate (representando Russos) ou Mandarim (representando a China), e tendo uma qualidade bem inferior a de outras HQs como o Quarteto Fantástico do Jack Kirby e o Homem Aranha do Steve Ditko.
Porém, com a passagem
de décadas, houve a necessidade de renovar histórias do personagem para uma
nova geração de leitores. No caso do Homem de Ferro, seu ponto de mudança veio
na década de 80, quando autores começaram a fazer histórias mais pessoais, que descontruíam
a imagem do Tony e retratando como um herói bem intencionado mas falível e
lidando com seus erros e as consequências.
Apesar de histórias como Demônio da Garrafa e o Arco do Monge de Ferro terem desenvolvido bem o Homem de Ferro, a história que melhor explora a mente do Tony e apresenta tanto o melhor quanto o pior aspecto do personagem é a Guerra das Armaduras, que ocorreu nas edições do Homem de Ferro vol 1 nº 225 a 232, em 1988.
Mas o que torna esse
arco tão icônico e importante para o Homem de Ferro a ponto de ser considerada
uma de suas melhores histórias?
Eu vou explicar...
TRAMA
Escrito pela dupla do
Bob Layton e David Michelinie, Guerras das Armaduras começa quando Tony Stark,
ao analisar a tecnologia de um de seus inimigos, percebe, para seu horror, que
são baseados em seus designs. Ao fazer uma investigação, ele descobre que o
vilão Espião-Mestre tinha roubado os planos de sua armadura e vendido para
Justin Hammer, que por sua vez, vendeu para seus clientes, incluindo criminosos
e super vilões.
Sabendo que sua
tecnologia está sendo usada por mãos erradas, e se sentindo responsável pelos
danos causados pelos vilões aos inocentes, Tony decide sair numa caçada a todos
que possuírem sua tecnologia e desativar os aparelhos.
No entanto, Tony
descobre que não foram apenas seus inimigos que obtiveram sua tecnologia, como
também o governo, fazendo com que o herói tenha que tomar decisões bem
questionáveis que o colocarão em conflito com as forças da lei que ele
defendeu.
UM
DILEMA TECNOLÓGICO
Numa história como
essa, seria fácil fazer uma trama bem simples do Homem de Ferro caçando
criminosos usando sua tecnologia, gerando edições legais mostrando o herói
enfrentando sua galeria subestimada de vilões. Porém o roteiro de Layton e Michelinie
se aproveita do conflito do Tony para abordar tópicos bem importantes como
violação de privacidade, responsabilidade por objetos e obsessão por controle.
No início, é fácil
entender decisão de Tony em caçar sua tecnologia roubada, querendo impedir que suas
invenções sejam usadas para inocentes em perigo Porém são os limites que ele
começa a quebrar para atingir seus objetivos, incluindo lutar contra agentes da
SHIELD, guardas da Gruta e inclusive o Capitão América, que mudam a perspectiva
em relação ao protagonista nessa situação. É uma coisa combater vilões que usam
tecnologia para o mal, é outra atacar funcionários do governo apenas realizando
seu trabalho.
Por meio das interações
do Tony com Rhodes e outros personagens, o arco cria vários momentos de
reflexão tanto para o herói quanto os leitores, permitindo que eles se façam a
mesmas perguntas: Tony está certo em confiscar as invenções de todos os
usuários? Pessoas não tem direito de possuírem tecnologia avançada, nem que
seja para benefícios a sociedade? É tecnologia o problema ou a pessoa que a
usa?
Falando nessa última
questão...
COMO
ESCREVER UM HERÓI FALÍVEL?
Guerra das Armaduras
não é a primeira história do Homem de Ferro escrita pelo Bob Layton e David
Michelinie. Os dois já trabalharam em muitas histórias do Vingador Dourado,
incluindo arcos marcantes como já citado “O
Demônio da Garrafa” e “Em Busca do
Destino”. Um dos pontos positivos dessas histórias era a forma como
retratavam o Tony Stark.
Quando se trata de
escrever um personagem falível e com defeitos como o Stark, alguns escritores
acabam interpretando mal o conceito e focam demais nos defeitos, nos seus
piores aspectos, ao personagem ser mostrado como um babaca ultra antipático,
sem dar características que façam o leitor se conectar com ele e querer investir
em sua jornada.
Porém, Layton e
Michelinie não cometem esse erro, dando ao Homem de Ferro um equilíbrio entre
seus pontos fortes e fracos. A versão deles do Tony Stark é inteligente e
determinado mas não a ponto de ser perfeito. Ele é falível e
comete erros mas nunca a ponto de ser vilão irredimível que nem em histórias
como Guerra Civil.
O arco foca bem no lado
emocional do Tony, o estresse que ele passa ao saber que suas invenções estão
sendo usadas para o mal. Sua determinação em querer impedir os vilões de usarem
sua tecnologia é compreensível.
É o sentimento culpa
que o Tony carrega por essa falha, o medo de mais invenções suas serem usadas
para matar inocentes que faz o Tony a ceder ao pânico e tomar decisões
impulsivas com resultados bem prejudiciais como agredir o vilão Controlador
após uma de seus aparelhos ter matado uma de suas vítimas, atacar o agente
federal Walter Newell (o super herói Arraia) invadir a prisão da Gruta e desativar os
trajes dos Guardiões contribuindo indiretamente para uma fuga de vilões, e
invadir a Rússia soviética, acidentalmente provocando a morte do Homem Titânio
e causando um incidente internacional.
Por causa dessa
imprudência, com Homem de Ferro se tornando um procurado pela justiça e a
empresa do Stark sendo prejudicada por causa de sua conexão com o vingador de
armadura (Obs: Na época, o público achava que o Homem de Ferro era o guarda
costas do Tony Stark, não sabendo que os dois são a mesma pessoa).
Até mesmo aliados do Tony
como James Rhodes acabam sendo prejudicados, com o fato dele tentar proteger o
segredo de seu patrão e amigo causando discussões entre ele e sua namorada
Marcy.
Contudo, a história não mostra o Tony sendo negligente ou ignorante aos erros. Ele sabe quando seus esquemas deram errado e, embora não possa mais voltar atrás com sua cruzada, ele tenta tomar responsabilidade pelo que fez, demitindo o Homem de Ferro das Empresas Stark e saindo dos Vingadores, tentando impedir que seus erros prejudiquem as pessoas próximas a ele.
São momentos-chave que criam simpatia
dos leitores pelo Tony, demonstrando como por trás de sua personalidade arrogante,
ironicamente ele um heróis que mais se importa com os outros, estando disposto a se sacrificar pelo bem dos demais.
HOMEM
DE FERRO VS PODER DE FOGO
Se tem um detalhe da
história que eu creio que muitos podem criticar é a introdução do Poder de
Fogo, um soldado que consegue uma armadura do empresário corrupto Edwin Cord e
a usa para atrair o Homem de Ferro para uma armadilha, destruindo sua armadura.
Com o herói dado como morto, ele e Cord se aproveitando para começar um ataque
as Indústrias Stark, sabotando os negócios do Tony.
A presença de ambos
vilões pode desnecessária para uma história que questiona o papel do Tony como
herói e ele virando um fugitivo da lei, porém eu vejo o conflito deles com o
Tony como uma respostas ao grande dilema: A causa do problema é a tecnologia ou a pessoa que
a usa?
O Poder de Fogo ter se
virado contra o governo que o criou e se unido ao Cord em sua vingança contra o
Stark demonstra como o próprio governo não é infalível e a tecnologia que eles
obtiveram também pode cair nas mãos de um inimigo e ser usada contra eles.
Os vilões só são impedidos
graças ao Homem de Ferro, que, após ver a destruição causada pelo Poder de
Fogo, encara seus traumas, seu medo de criar novas invenções e elas serem
usadas por vilões, e constrói uma nova armadura, permitindo que ele derrote o
Poder de Fogo.
Entretanto, a história
não termina com Stark saindo ileso com a última edição sendo sobre Tony pensando sobre
as consequências de seus atos os prejuízos que provocou, diretamente e
indiretamente, a sua vida pessoal (tudo representado numa sequência de sonho bem ilustrada pela arte de Barry Windsor-Smith e Bob Layton) .
Tudo que Tony pode
fazer no final, nas palavras dele, é aceitar seus erros e seguir em frente, com
esperança de que as coisas vão melhorar no futuro.
Guerra das Armaduras
pode até ser uma história do Homem de Ferro derrotando vários de seus inimigos,
porém sua batalha interna contra si mesmo continua sem fim.
Então é isso! Concordam
comigo? Discordam? Qual a opinião de vocês sobre A Guerra das Armaduras?
Sintam-se a vontade para colocar suas opiniões nos comentários abaixo.
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