Avenue 5, Tem um Dr. House Solto no Espaço

O colossal transatlântico espacial - ou melhor dizê-lo um transgaláctico? - Avenue 5 segue firme e seguro em seu luxuoso cruzeiro de turismo pelas estrelas sob a intrépida e infalível batuta do capitão Ryan Clark, interpretado pelo britânico Hugh Laurie, o eterno Dr. Gregory House.

A aventura começa com um recorde mundial da recreação prestes a ser quebrado : a maior aula de ioga do mundo, quicá dos mundos. Cinco mil pessoas fazendo oooomm, meditando em posição de lótus, de ponta-cabeça, com o pé na nuca, chupando a rola do vizinho etc.


De repente, não mais que de repente, um defeito no gerador de gravidade interna da nave catapulta violentamente as cinco mil pessoas contra uma das paredes do salão. Em pouco tempo, a normalidade é reestabelecida, mas o impacto dos cinco mil iogues faz com que a nave seja desviada em 0,21 graus de seu curso. Alteração, aparentemente, desprezível, porém, sufuciente para afastar a Avenue 5 de seu caminho de passagem por uma das grandes luas de Saturno, Titã, cujo campo gravitacional seria utilizado como um "estilingue" para impulsionar o transgaláctico de volta à Terra.

Imediatamente, feito os GPSs de automóveis, os computadores da nave começam a recalcular a sua rota. O cruzeiro espacial, cuja duração prevista era de 8 semanas, é um tanto estendido : levará mais 3 anos e meio para reatracar na Mãe Terra. Daí em diante, com fartas doses de humor negro e nonsense, tudo quanto é merda passa a acontecer.

Frente à nova realidade, imprevista e inusitada, vem à tona a total inépcia do "capitão" Ryan, que parece não ter a menor ideia de como lidar com a situação de emergência. Pudera : é revelado que ele não é capitão porra nenhuma, é apenas um ator carismático contratado pela Judd Galaxy, empresa responsável pelo cruzeiro, para caminhar, sorrir e jantar com os passageiros, para passar-lhes uma sensação de segurança, de uma mão forte ao manche. O capitão Ryan é uma fraude, é um comandante fajuto. Idem para toda a tripulação que os passageiros veem operar os painéis de controle da ponte de comando da nave, assim como os próprios painéis de controle. Tudo cenográfico.

O verdadeiro capitão, morto por sua própria chave de fenda cravada ao peito no momento de revertério gravitacional, e os verdadeiros condutores e controladores da nave atuam numa base nos porões da Avenue 5.

Quatro pessoas morrem no incidente gravitacional : Joe, o verdadeiro mandachuva, e mais três passageiros. Postos em caixões, são ejetados para o espaço, mas não vão longe, não são tragados pelos sete palmos de matéria escura dos Céus. Tão imensa é a Avenue 5 que ela acaba por gerar um pequeno campo gravitacional em torno de si. Pequeno, porém, o suficiente para atrair os esquifes para si. Feito luas macabras, os defuntos passam a orbitar o transgaláctico. De hora em hora, os mortos passam a integrar a vista panorâmica que os passageiros têm do cosmos.

E a merda não para por aí. Literalmente, a merda não para por aí.

Um dos maiores riscos de uma viagem espacial, e dos grandes problemas a se solucionar, é a incessante e intensa atividade dos raios cósmicos, os quais podem atravessar a fuselagem das naves feito faca quente na manteiga caso não haja uma eficiente blindagem contra eles. A radiação ionizante aumenta brutalmente a ocorrência de mutações no DNA e seus consequentes cânceres e tumores. Disso, eu sabia. Eu e o Quarteto Fantástico.

O que eu desconhecia era qual o escudo mais refratário aos raios cósmicos. Uma liga de chumbo e tungstênio? Adamantium? Vibranium? Algum polímero revolucionário de nanotubos de carbono? Nada disso. Fezes humanas, meus caros. Merda de gente é o melhor escudo contra os raios cósmicos. 

Na hora, achei que fosse mais uma das sandices dos roteiristas da série. Fui conferir depois. E deveras : nenhum outro material conhecido é capaz de melhor bloquear a radiação do espaço que a boa e velha merda humana. Como e quem descobriu isso, não faço ideia, mas é fato.

Então, num dado momento, por uma barbeiragem de um dos técnicos, um dos dutos pelos quais a merda circula em torno da nave se rompe. E a merda passa a jorrar para o espaço sideral. De novo, o material não se dissipa e se perde no infinito. De novo, o campo gravitacional da nave puxa os dejetos para si, e um anel de merda passa também a orbitar a Avenue 5, agora feita em um escatológico Saturno.

E a doideira vai além. Interpretado por Josh Gad, o astronomicamente trilhardário Herman Judd, proprietário e CEO da Judd Galaxy, o gênio visionário mais tapado e egocêntrico do universo, bola uma maneira de amenizar o desconforto e o sentimento de asco dos passageiros por se saberem envoltos em uma extensa faixa de merda, ainda que congelada pelo zero quase absoluto do espaço. Herman Judd manda lançar toneladas de purpurina para se juntarem aos fragmentos fecais e, em seguida, bombardear a tudo com potentes lasers. O resultado é um show de luzes no céu. Um multicor halo de merda. Um arco-íris fecal. Uma aurora bosteal.

Acontece que, embora passem o tempo todo a afastar tal pensamento, os passageiros sabem que nem todos sobreviverão à prorrogação da viagem, aos três anos e meio adicionais. Certamente, os víveres, a água, o suprimento de oxigênio e até mesmo o estoque de rum provisionados para uma jornada de 8 semanas, ainda que se tenham aplicado sobre eles uma margem de segurança, não bastarão para servir a todos por mais três anos.

Perto do fim, o ser humano começa a se apegar ao ilusório, ao inexistente, ao místico. Começa a procurar por sinais divinos em toda parte. De tanto ansiar por eles, o cérebro humano, esse moldador de realidades e de verdades, acaba por encontrá-los. Ou, melhor, por fabricá-los.

Um surto coletivo de pareidolia se abate sobre os passageiros. Surge-lhes, por entre os coloridos confetes de merda, a face serena e apaziguadora do Papa João Paulo II, o João de Deus, o Papa pop. A respeito do Papa, um dos passageiros diz a outro : "o JP foi dos bons. Nem era nazista quando jovem."

Pããããããta que o pariu!!!


Caixões funerários e pedaços de merda a orbitar a nave! A cara do Papa João Paulo II surgindo entre a merda e trazendo uma nova esperança aos tripulantes da Avenue 5! Papa tão bom que nem era nazista quando jovem! Valham-me São Capitão Kirk e São Spock!!! 

Esse é o tipo de humor que eu aprecio. E que anda tão em falta hoje em dia, acuado pelo politicamente correto. Em falta ou escondido de olhos garimpeiros menos atentos em séries e filmes que não alcançam grande notoriedade. 

Eu mesmo só comecei a assistir Avenue 5 devido à presença do ator Hugh Laurie. Caso contrário, teria descartado-a, tranquilamente. E perdido raros momentos de finos, ainda que grosseiros, humor e ironia.

E isso porque eu estou apenas no quinto episódio dos nove da primeira temporada, sem contar os outros oito da segunda. Muito mais bizarrices e disparates - eu espero - virão por aí.

E la nave va!





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