Wakanda Para Sempre quer ser maior do que realmente é, mas falha - Review com spoilers


 

Um dos filmes que provavelmente mais geraram expectativas neste ano é Pantera Negra: Wakanda Para Sempre, sequência do sucesso de 2018, o grande “filme de representatividade” da Marvel, Pantera Negra, cujo papel título coube ao finado Chadwick Boseman. Engraçado que a Marvel é boa em criar “ícones” que antes eram desconhecidos pela maioria das pessoas não leitoras de HQs. O Pantera Negra é um caso exemplar. Sempre gostei muito do personagem, mas ele não era um dos medalhões da Marvel, ficou longo hiatos sem ter título próprio. O Pantera Negra tem sim fases memoráveis nas HQs escritas por Don McGregor e Christopher Priest, por exemplo, mas seu título nunca figurou no top 10 de vendas dos comics, porém seu filme é considerado um dos mais importantes da Marvel Studios e na época todo mundo ficou fã do herói desde criancinha.



O falecimento de Boseman sem dúvida comprometeu a produção de Wakanda Para Sempre. Nos primeiros minutos do filme, o diretor Ryan Coogler já dá uma resolução para T’Challa, ele morre doente a despeito dos esforços de sua irmã Shuri, interpretada por Letitia Wright. Acompanhamos o processo de luto de Shuri e de sua mãe, a rainha Ramonda, cujo papel é feito pela extraordinária Angela Bassett, pela morte de T’Challa. O início do longa também tem um quê de thriller de intriga internacional, de geopolítica, pois as outras nações querem se apoderar do vibranium de Wakanda após a morte de T’Challa. As dora milajes conseguem impedir um ataque da França enquanto a rainha Ramonda discursa na ONU.

 



Sem poder botar as mãos no vibranium de Wakanda, os EUA tentam prospectar o metal no fundo do Oceano, mas isso acaba por irritar Namor, interpretado por Tenoch Huerta e seu povo. O personagem foi completamente reconfigurado para essa versão do MCU, que sem dúvida irá causar muito estranhamento para quem conhece o Namor dos quadrinhos. Acredito que, para dissociar Namor do Aquaman de Jason Momoa, ele teve sua origem e cânone muito alterados. Atlântida, por exemplo, é chamada de Talokan. Namor tem outro nome: Ku’ku’lkán, conhecido também como o deus serpente maia. A bem da verdade, venhamos e convenhamos, o Namor do filme não é o Namor e Talokan não é a Atlântida. É uma espécie de império maia submarino que, inclusive, aparenta ser uma civilização primitiva. Se se comparar com a Atlântida das HQs, que é toda high tech, ainda mais. Talokan tem alguma tecnologia, mas que não faz frente à versão da Atlântida das HQs da Marvel.


 

A motivação de Namor para odiar os humanos não me convenceu. Os talokanianos são apresentados como uma espécie de “bons selvagens” que fugiram dos invasores europeus civilizados. Namor no filme é basicamente o vilão; houve quem defendesse que ele seria um anti-herói, mas não entendi dessa forma. Ele inclusive é o responsável por assassinar a rainha Ramonda em determinado ponto do filme. Se o MCU tiver interesse de trabalhar Namor como um anti-herói, talvez tenham certo trabalho para isso. Vale dizer que ele é um personagem que teve várias mudanças de status ao longo das décadas nas HQs, oscilando de vilão para herói ou anti-herói. Na fase de Namor de John Byrne, que considero a melhor do personagem nas HQs, Namor é “curado” de seus acessos de fúria graças à ajuda do doutor Alexander, que cria um dispositivo de reciclagem que garantiria o equilíbrio sanguíneo do Rei dos Mares, e torna-se um herói. A rivalidade do Pantera Negra com Namor realmente existe nos quadrinhos e remonta à fase de Christopher Priest.


Outra personagem-chave para o enredo do filme é Riri Williams, a Coração de Ferro, interpretada por Dominique Thorne. Personagem que foi criada na época do delírio identitário da Marvel nas HQs, quando substituíram Tony Stark por ela no título do Homem de Ferro. É outra personagem que foi rejeitada pela maioria dos fãs, mas que a Marvel insiste em dar destaque no MCU, mesmo caso da América Chavez. Riri criou uma máquina que consegue localizar vibranium, mesmo sem os EUA terem esse metal para ter uma base de como desenvolver tal máquina, e por isso se torna alvo de Namor. Cabe a Shuri e Okoye, vivida por Danai Gurira, tentar salvar a vida de Riri.


 

Um dos problemas de Wakanda Para Sempre, ao meu ver, é a falta de um protagonista claro. Como Boseman faleceu, o protagonismo do filme é dividido entre Shuri, a rainha Ramonda, Riri, Okoye e Nakia, personagem de Lupita Nyong’o, que também está de volta nesse filme. Não que o Pantera Negra esteja de todo ausente do longo. Ao contrário, no último ato, temos a introdução de um novo Pantera Negra, uma nova Pantera Negra, na verdade. Além da questão racial, o primeiro Pantera Negra foi muito elogiado por também dar destaque ao empoderamento feminino, e isso é ainda mais forte em Wakanda Para Sempre, transformando Shuri e Riri em duas Mary Sue.





Por último, e talvez menos importante mesmo, vale destacar a volta de Martin Freeman como o agente Everett Ross, que tem um papel ainda mais apagado que no filme anterior. Em Pantera Negra, o personagem só existe para aliviar um pouco a barra e dar a entender que bem todo branco é mau, racista, colonizador e filho da puta, que também existe branco bonzinho. Ross é ainda mais inútil nesse segundo filme, mas tem uma interação com a condessa Valentina Allegra de Fontaine, interpretada por Julia Louis-Dreyfus, a eterna Elaine de Seinfeld. Tanto os personagens da condessa quanto de Everett Ross existem sim nas HQs. Valentina é uma personagem clássica das HQs de Nick Fury e agente da Shield, eventualmente interesse amoroso de Fury, mas também arrastava as asas para o Capitão América, quando ele namorava Sharon Carter. Everett Ross era um agente da CIA que se torna amigo do Pantera Negra na fase de Christopher Priest nas HQs.

 


Por conta de todos seus problemas de bastidores, Wakanda Para Sempre é um filme problemático, mas que também sofre da síndrome do segundo filme, que é tentar superar o original. Na verdade, Wakanda Para Sempre não esconde a intenção de ser um longa nível Os Vingadores, mas não o é e falha exemplarmente nisso. Outro dos problemas é a longa duração, mais de 2h40m, que se tornam bem enfadonhas. Eu mesmo achei que o filme pareceria nunca chegar ao fim. E tem relativamente pouca ação para um longa de tal duração; só no último ato é que a ação se desenrola em uma grande batalha final entre os wakandenses e os talokanianos. O diretor Ryan Coogler é um dos melhores dessa geração, responsável por filmes como Creed, e manda bem tecnicamente, com uma direção competente. A fotografia do filme também é muito bonita, devo dizer, mas isso já se via nos trailers. Há drama, sim, até por conta do luto pela morte do T’Challa, mas não faltam as piadinhas características dos filmes da Marvel também. O tom do filme é mais sério, mas não espere seriedade o tempo todo. Há uma cena pós-crédito que sinaliza um possível rumo que o Pantera Negra pode ter no MCU no futuro. Apesar de ter suas qualidades, o resultado final do longa é um pouco vazio, e termina por ser bem inferior ao primeiro Pantera Negra, que, sim, tem seus defeitos, mas é um filme bacana no gênero de super-herói e considerado um dos melhores da Marvel. Nota 6 de 10.

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