Marshal Law, uma história que é exatamente o que não parece ser.
Pat Mills, cabeça do quadrinho brit-pop, talvez tenha terminado de se sedimentar como autor de cenários alienistas de decadência civil em 1987, quando se deu o nascimento de seu Marshal Law.
Alguns anos depois, eu ainda pirralho, já enterrado até a cabeça nos saudosos formatinhos colecionados por meus tios, via os anúncios que a Abril fazia de suas próprias publicações e um deles era o de Marshal Law. Por alguma razão, talvez a arte tão característica do Kevin O'Neill (ou talvez o fato de o tempo ser cíclico, não linear, o que fez com que minha mente desenvolvesse uma conexão latente no passado com uma leitura que me seria importante no futuro, algo muito mais comum de acontecer do que a gente acredita), esse anúncio marcou minha memória, razão pela qual me lembro dele até hoje.
Avançamos mais alguns anos no tempo e o tempo me permitiu adquirir a própria minissérie lançada pela Abril, foi quase uma viagem no tempo.
>ok, fim do flashback--
Marshal Law se passa numa ambientação estadunidense de completa ruína social: queda de valores morais, economia em extrema dificuldade num pós-guerra que parece durar pra sempre, crime em ascensão, idiotização popular à pleno vapor... Se você for familiarizado com Mills/se tem botado os pés fora de casa nos últimos 10 anos/se tem acesso à internet, já tem uma ideia de como é...
Mas no universo de Marshal Law, um adicional torna tudo um pouco pior de se lidar: Super-pessoas. Não, não super-heróis. Super-pessoas. Pessoas com gigantescos desvios de caráter. Às vezes, distúrbios mentais. E super-poderes. Veteranos inutilizados soltos em ambiente urbano.
"Então é um quadrinho de ação onde acompanhamos o herói renegado, Marshal Law, abrindo fogo contra barragens infindáveis de super-homens ensandecidos?"
É uma forma de se enxergar. Se você estiver procurando ação brutal, nem de longe vai se decepcionar. Mas pra mim, o chato de galocha que exige roteiro, roteiro e nada além de roteiro, teria que haver outro motivo pra eu chegar a fazer uma resenha.
E há. A crítica anti-establishment de Mills, sempre afiada, encontra aqui uma companheira: a noção do eixo da psique humana, tendo exposto seu movimento tão abalado, independente de circunstâncias. Você pode culpar o ócio do pós-guerra, a própria guerra, traumas pessoais e o que mais quiser, mas talvez o grande problema da humanidade seja estrutural e inato. Cada um dos personagens tem um argumento a respeito disso pra nos passar.
Quando os ícones públicos do privilégio são quem mais tem contas a prestar, toda a figura muda e você se dá conta de que foi parar na extremidade errada do abismo, seja subindo ou seja descendo, assim como Marshal.
"Reno só fala 10kg de besteira anedótica e eu quero é ver sangue nessa história, anões!"
Concordo. Faça um favor a si mesmo e adquira esse material o quanto antes, porque todos nós temos um pedacinho de Marshal na consciência. E parafraseando o próprio, posso dizer:
"Eu caço heróis. Mas ainda não encontrei nenhum... Que preste."
0 Comentários