Sandman da Netflix - Valeu a espera? - Review

 


Nas últimas semanas, uma das séries que teve mais hype em cima foi Sandman da Netflix, baseada na consagrada HQ escrita por Neil Gaiman, e essa não é uma mera HQ. Basta dizer que Sandman foi o único quadrinho a constar da lista dos livros mais vendidos do New York Times nos anos 90, e isso em uma época em que não teve nenhuma mídia para ajudá-lo a se tornar mais popular. Sandman tem uma particularidade que é de ter rompido a bolha dos leitores de HQs. Muitos dos leitores de Sandman não eram necessariamente leitores de quadrinhos e só acompanhavam mesmo as histórias de Morpheus. A HQ logo alcançou o status de cult. Nos anos 90, quem queria pagar de cult assistia a filmes franceses, escutava The Smiths e lia Sandman.


Já é sabido pela maioria dos fãs, mas o visual de Morpheus foi baseado em Peter Murphy, vocalista dos Bauhaus. Não é todo mundo que sabe disso, mas Neil Gaiman começou a carreira como jornalista da área de música e depois é que se tornou escritor de quadrinhos e livros. O design de alguns dos personagens de Sandman teve inspiração no visual punk e gótico. O visual da Morte, irmã de Morpheus, por exemplo, foi inspirada na já falecida figurinista Cinamon L. Headley.

Demorou um pouco, mas finalmente consegui terminar de assistir à série. A pedido do Ozymandias, irei fazer um review sobre minhas impressões. Logo digo que, no geral, gostei da série. Obviamente, ao fazer comparação com a HQ, acho que não consegue superar a mídia original, mas entendo que a proposta é ser uma adaptação. Deve-se também levar em conta que Sandman é uma HQ realmente difícil de adaptar, até mesmo por conta dos copyrights. O universo de Sandman tem um status relacional com o universo dos heróis da DC, Morpheus vive na mesma realidade de Batman e Superman. Ainda mais no início da HQ, quando o selo Vertigo ainda nem tinha sido criado. Em uma das histórias do primeiro arco, Prelúdios e Noturnos, Morpheus se encontra com o Ajax, ou o Caçador de Marte, como chamam hoje em dia, que reconhece o perpétuo como a entidade dos sonhos marciana. E, quando ele vai para o Inferno, encontra o Etrigan, personagem que foi obviamente suprimido na série.


A primeira temporada adapta os dois primeiros arcos de Sandman, Prelúdios e Noturnos e A Casa de Bonecas, de forma relativamente fiel. No que puderam manter a fidelidade, mantiveram, mas foi impossível não ter alterações. Não conhecia muito a respeito do ator de Morpheus, Tom Sturridge, mas ao meu ver ele caiu como uma luva no papel. No início, o achei pouco expressivo, sempre com a mesma cara, mas depois me acostumei e creio que ele se adequou a personalidade um tanto apática e blasé do personagem. No início da série, assim como na HQ, Morpheus é aprisionado por Roderick Burgess, um feiticeiro que desejava a imortalidade. Na série, ele é interpretado por Charles Dance, conhecido como Tywin Lannister de Game of Thrones. Após ficar aprisionado por um século, Morpheus enfim consegue escapar e punir seus captores, inclusive o filho de Roderick, Alex. Agora resta ao senhor dos sonhos ir atrás de suas ferramentas e reconstruir o Sonhar.


Como é bastante comum hoje em dia, alguns personagens sofreram alterações. Lucien, o bibliotecário do Sonhar, por exemplo, na série foi adaptado como Lucienne, interpretada por Vivienne Acheampong, que é mulher e negra. John Constantine, que tem uma participação no primeiro arco, foi substituído por Johanna Constantine, uma antepassada do feiticeiro inglês nas HQs, na série vivida por Jenna Coleman, a Clara Oswald de Doctor Who. A substituição de John Constantine por Johanna não se deveu apenas por questão de diversidade ou progressismo, mas também em razão de copyright. A DC/Warner não autorizou o uso do feiticeiro inglês na série porque tinha outros planos para o personagem.







A irmã mais velha de Morpheus, Morte, é interpretada por Kirby Howell-Baptiste, uma atriz negra. Desejo, a outra irmã do Sonho, tem o papel feito por Mason Alexander Park, um transexual. Rose Walker, que é branca na HQ, é vivida por Vanesu Samunyai, uma atriz negra. Lúcifer é interpretado pela atriz Gwendoline Christie, também conhecida por Game of Thrones. Uma parte dos fãs ficou bem incomodada com as alterações, mas esse particularmente não foi meu caso porque Neil Gaiman sempre foi um cara progressista até mesmo antes do progressismo virar moda. Na HQs de Sandman, por exemplo, já havia personagens LGBT ou de outras pautas. E o próprio Gaiman deu aval a todas as mudanças. Não que eu não me incomode quando mudam gênero e etnia de personagens; fizeram isso em Eternos da Marvel e não gostei, porque Kirby está morto e não poderia dizer se aprovaria ou não as mudanças. Entretanto, também acredito que quem não gostou das alterações também tem esse direito, uma vez que creio que, quando uma obra ganha vida, ela deixa de pertencer ao autor e passa a pertencer aos fãs, e muitas vezes a opinião desse autor sobre a obra vai de encontro à dos fãs. Um exemplo seria Sherlock Holmes, que foi renegado por seu criador, Arthur Conan Doyle, mas que é adorado por inúmeros fãs, entre os quais me incluo. Ou então Alan Moore, que disse que não gostava muito de A Piada Mortal, e muitos fãs adoram a HQ, particularmente meu caso também.


Outras adaptações foram necessárias por questão de copyright. O vilão John Dee na realidade é o Doutor Destino (não o da Marvel!), um tradicional vilão da Liga da Justiça nas HQs. Tiveram de fazer modificações no personagem, para que ele ficasse desassociado do universo de super-heróis da DC. Também não há o Arkham na série, nem o Espantalho. John Dee é interpretado por David Thewlis.



Hector Hall, o segundo Sandman, criado por Jack Kirby, e filho de Carter e Shiera Hall, o Gavião Negro e a Mulher-Gavião, respectivamente, também tem sua participação na série, bem como sua esposa, Lyta Hall. No entanto, a persona do Sandman super-herói cabe ao irmão de Rose, Jed.


O personagem que rouba a cena sempre que aparece na minha opinião é o Corintio, interpretado por Boyd Holbrook. Esse ficou realmente muito similar à sua versão dos quadrinhos, e o ator deu uma presença muito boa para o personagem. Não que ele seja psicologicamente bem trabalhado nem nada, mas é sim um dos melhores personagens da série só pela caracterização.


No geral, creio que a série Sandman foi sim uma boa adaptação, apesar de também entender o estranhamento de muitos, estranhamento esse que eu mesmo senti, mas que no decorrer dos episódios entendi que é natural quando ocorre a transposição de uma mídia para outra. Quem preferir a HQ, como eu particularmente também prefiro, pode voltar a ela e lê-la quando quiser. A série é outra mídia e outra experiência, que também achei válida. Há dúvidas se uma segunda temporada será aprovada porque Sandman, quando enfim teve sua produção realizada, chegou em uma conjuntura ruim tanto para a Warner, que acabou de ser comprada pela Discovery e está sofrendo cortes, quanto para a Netflix, que perdeu muitos assinantes nos últimos tempos e está no vermelho, mas espero que esse seja o caso e que logo o Sandman volte a sair dos sonhos para a tela da sua TV, seu computador ou seu celular. Como nota para a série, dou um 8 de 10 como média de todos os episódios.

 

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