Este encadernado Vampirella: Grandes Mestres, publicado pela editora Mythos, se trata do arco de histórias da Vampirella escrito a quatro mãos por Grant Morrison e Mark Millar, em 1997, época em que os dois escritores escoceses de quadrinhos ainda eram amigos, antes de terem uma treta séria quando Morrison foi trabalhar na Marvel, no início dos anos 2000. Morrison e Millar eram amigos do tipo de sair para beber em bar antes disso, uma vez que ambos são de Glascow.
Esse é o tipo de HQ que não seria publicada
hoje, por causa do patrulhamento politicamente correto, principalmente no
tocante à "sexualização" da personagem da Vampirella, o que no fim
das contas é uma idiotice. Em vez de chamar de "sexualização",
prefiro dizer "sensualidade", o que realmente é. Atualmente, parece
que não conseguem fazer distinção do que seja "sensualidade" e
"sexualização", e é aquela coisa: quando tudo é
"sexualização", nada é "sexualização". É igual a quando
dizem que tudo é “fascismo”, ao final nada é “fascismo”. Tentaram até vestir a
Vampirella uma época, e ficou essa bosta aí, mas os fãs com toda razão revoltaram-se,
e ainda bem que a vampira mais amada dos quadrinhos pôde voltar a ficar seminua,
para o bem de todos e a felicidade geral da nação.
Até entendo que, quando Vampirella foi criada, em 1969, por Forrest J. Ackerman e Trina Robbins, para a Warren Publishing, era uma época de reação à repressão sexual de séculos, e a personagem nasceu sob o signo da sensualidade. No entanto, se há hipocrisia nos discursos de conservadores moralistas, essa hipocrisia é ainda maior no discurso dos progressistas, que reclamam de “sexualização”. Bom, essa é minha opinião; no meu entender, é tudo hipocrisia. Desculpem o desabafo.
No enredo dessa HQ, Vampirella estava em um ponto de sua cronologia em que ela foi assassinada pela vampira vilã Dominadora Nix, mas volta à vida sedenta de sangue e vingança contra a vampirada. Vampirella está assustando até a Máfia dos vampiros, que está conseguindo dominar o crime nas grandes cidades norte-americanas. O curioso é que Vampirella teve um reboot em sua origem. Anteriormente, ela era uma alienígena proveniente do planeta Drakulon; em sua nova origem, ela é filha de Lilith, a "mãe dos vampiros", mas ainda há referências a Drakulon, em um sonho da Vampirella, o que torna tudo meio confuso.
O Monsenhor dos vampiros, Pesaro, tem o objetivo de acabar com a família de seus rivais, os Fantoni, e convoca o vilão Von Kreist para ajudá-lo se Vampirella se meter em seus planos. Acontece que ela já se infiltrou na mansão de Don Fattoni e foi feita prisioneira. No entanto, logo chega o malvadão Von Kreist, que faz Fattoni escolher qual das suas filhas gêmeas devem ser sacrificadas, Pixie ou Dixie, mas a sacrificada é Pixie, que recebe um balaço de Von Kreist e é vampirizada. Von Kreist ainda obriga Dixie a matar seu próprio pai, e Vampirella sente empatia por ela.
Dixie torna-se a sidekick da Vampirella e junta-se à missão da vampira de acabar com Von Kreist, Pesaro e o resto da Máfia dos vampiros. Entretanto, são emboscadas por Von Kreist e jogada ao mar. Enquanto isso, Pesaro diverte-se torturando Dixie com a ajuda de sua irmã gêmea vampirizada Pixie e fazendo as duas se beijarem na boca! Há mais loucuras nessa HQ, Pesaro oferece suas esposas em bacanais para seus sócios vampiros criminosos e mulheres nuas se divertem em piscinas de sangue, com cabeças humanas. Pixie por fim se rebela e ataca Von Kreist, que a decapita em frente à sua irmã, Dixie.
É bom dizer que Von Kreist é o tipo de vilão que "é mau porque é mau". Ele é tão mau que gosta de matar criancinhas aleatoriamente, tanto que chega a jogar um helicóptero em um parque cheio de crianças, propositadamente.
Vampirella
é auxiliada por uma ordem religiosa do Vaticano composta por irmãs voluptuosas,
com trajes justos no corpo, a Irmandade, enquanto Von Kreist revela que está
trabalhando para o Anti-Vaticano e seu líder, o Papa Negro, que não é nada mais
nada menos que Judas Iscariotes, o primeiro vampiro criado pela mãe de
Vampirella, Lilith. Vampirella então deve se unir à Madre Superiora da
Irmandade, para salvar Dixie, que foi feita prisioneira de Von Kreist e do Papa
Negro. Porém, a Madre na verdade é uma versão do futuro de Dixie, a qual
Vampirella morreu tentando salvá-la. Confuso? Eu também fiquei, e pior que isso
nem é explicado muito direito na HQ.
Entretanto,
vale dizer que essa é uma história muito divertida, em que Morrison e Millar
soltaram suas loucuras. Diversão despretensiosa com um toque de trash e
sensualidade. E quem ilustra algumas das histórias é Amanda Conner, a atual
desenhista da Arlequina. Óbvio que esse não é o tipo de HQ que indico para todo
mundo; quem for moralista, provavelmente não irá gostar muito. Apesar de não
haver nada de muito pornográfico. Quem acha Vampirella pornográfica é no mínimo
ou inocente demais ou mal-intencionado mesmo. Quem for religioso,
principalmente católico, talvez não aprecie muito, se tiver dificuldade em ver
sua religião tratada dessa forma, ainda que em uma obra ficcional. As
feministas claramente também não devem gostar, mas, até aí, fazer o que, né?
São as mesmas pessoas que queriam que a Vampirella andasse vestida.
Além da
história principal, o encadernado ainda traz duas histórias curtas, uma escrita
por Grant Morrison, Jogo sangrento, e outra por Mark Millar, Um dia
frio no Inferno, que revela bem os estilos dos dois autores. Acredito que
tenha gente que se espante em saber que Grant Morrison escreveu Vampirella e
com o conteúdo da HQ, mas Morrison não pode escrever Vampirella da mesma forma
que faz com o Superman, por exemplo; são personagens completamente diferentes. No
entanto, ao que parece, Morrison e Millar divertiram-se bastante como autores
da vampira.
De todo modo, vida longa à nossa vampira. É uma pena que Vampirella seja tão publicada tão sazonalmente no Brasil. Brasileiro, de modo geral, tem bastante preconceito com tudo o que não é parte da panelinha Marvel/DC, o que é uma pena. Vampirella é uma personagem que tem tudo o que o brasileiro gosta. Nota 8 de 10.
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