Eternos é um grande desrespeito a Jack Kirby (mas ninguém se importa)

 

Finalmente, depois de muito postergar, assisti a Eternos no Disney Plus. Sinceramente, devo dizer que o filme é uma grande falta de respeito com Jack Kirby, ao meu ver. Devem ter pensado: "Eternos é uma HQ que até leitores de quadrinhos não conhecem, então vamos aproveitar para lacrar loucamente". E não deixam de ter razão. Quantos fãs de carteirinha dos Eternos vocês conhecem? Eu mesmo não conheço nenhum.



Admito que não li muita coisa com esses personagens. Li um pouco a fase de Jack Kirby em umas edições antigas de Heróis da TV da Abril e a minissérie de Neil Gaiman e John Romita Jr. Sersi é a eterna mais conhecida, pois foi membro dos Vingadores uma época e até dava em cima do Capitão América. Inclusive, a Sersi do filme tem uma personalidade diferente da Sersi dos quadrinhos, que é mais voluptuosa, para dizer o mínimo.








No filme, mudaram muita coisa da história original. Limaram o Zuras, o patriarca dos Eternos, que seria correspondente ao Pai Celestial dos Novos Deuses. E trocaram o gênero de três personagens: Ajak, Makkari e Duende. Ajak, interpretada por Salma Hayek, é a matriarca dos Eternos. Então, o que originalmente era um patriarcado se transformou em um matriarcado. Há mais mudanças, Ikaris, vivido por Richard Madden, o Rob Stark de Games of Thrones, tem um romance com Sersi, interpretada por Gemma Chan, e não com Thena, cuja personagem é feita por Angelina Jolie. Ikaris também se tornou um cuzão, é o traidor da equipe, e não mais um exemplo a seguir. Não é à toa que o filho adotivo do Phastos (Brian Tyree Henry) cita o Superman quando Ikaris aparece, porque hoje em dia só fazem alusão ao Superman em um sentido ofensivo.


O grande tema do filme é aquele batido, se a humanidade merece ou não ser salva. E mudaram também a mitologia dos Celestiais, os tornando uma espécie de Galactus, que podem destruir a Terra e criar outros mundos. Apesar de que os objetivos dos Celestiais também nunca foram muito claros, até mesmo nos quadrinhos. Ao mesmo tempo que os Eternos se reagrupam, seus tradicionais inimigos, os Deviantes, ressurgem. Ao contrário dos quadrinhos, em que são retratados como seres monstruosos, mas racionais, no filme os Deviantes são em sua maioria bestas, com exceção de seu líder, que desenvolve inteligência após matar e absorver Ajak e Gilgamesh.

Houve as polêmicas tão comentadas, como a cena de sexo de Ikaris e Sersi, que não tem nada demais, típica de filmes de romance água com açúcar, e o beijo gay de Phastos em seu marido. Vale dizer que Phastos originalmente não é gay nos quadrinhos. Por causa dessa cena, Eternos ganhou censura 18 anos na Rússia e foi proibido em diversos países do Oriente Médio.


O filme tem duas horas e meia de duração e é bem arrastado, tendo mais que uma "barriga" no meio, sendo mais uma "pança" mesmo. Eternos também não é um filme tão sério como andaram dizendo, tendo várias piadinhas, principalmente pelo ator de Kingo (Kumail Nanjiani), que se tornou um astro de Bollywood. A direção de Choé Zhao é competente e ela fez o que pôde pelo filme. A despeito da bela fotografia, Eternos é uma bobagem plástica e sem consistência, que pega um conceito interessante de Jack Kirby e o joga no lixo. E olha que sempre considerei os Eternos uma versão mais mal acabada dos Novos Deuses. Eternos é um dos piores filmes da Marvel e também o mais chato. Nem Kit Harington, o Jon Snown de Game of Thrones, como Cavaleiro Negro salva. E esse filme já merece o destaque de ter dois atores de Game of Thrones.

O que pode ser talvez questionado é se a adaptação de Eternos agradaria a Jack Kirby. Honestamente, nunca saberemos, pois ele está morto. Alguns meio que falaram por ele, dizendo que Kirby gostaria do filme, mas realmente tenho minhas dúvidas. Kirby é da geração que lutou na Segunda Guerra Mundial e teve uma vida dura, e, via de regra, a geração dele é conservadora. Então, não sei dizer se mudar gênero e sexualidade dos personagens, bem como etnia, o agradaria. É diferente de Neil Gaiman, que sempre foi um cara progressista e não se importou da Morte ser negra na série de Sandman da Netflix.

Eternos vai mais longe na inclusão, transformando Makkari de homem em uma garota surdo-muda, por exemplo. É possível que Kirby bem ligasse tanto para as modificações e só se interessasse mesmo pela grana. A única forma de saber se Kirby gostou de Eternos é se fosse incorporado por um médium em uma sessão espírita, e ainda assim a opinião do Kirby morto pode ser diferente da do vivo.

 E, a bem da verdade, quando um criador publica uma obra, ela deixa de pertencer a ele e passa a pertencer aos fãs. E muitas vezes a opinião de um artista sobre sua obra é diametralmente oposta às dos fãs, até para desapontamento deles. Ainda que Kirby aprovasse as mudanças em Eternos, a meia dúzia dos fãs dos personagens poderia não aprová-las. O fato de um criador autorizar mudanças em sua obra ou até mesmo renegá-la não faz tanta diferença, essa é que é a verdade. Se fosse por essa lógica, ninguém leria A Piada Mortal, porque Alan Moore se arrependeu de escrevê-la, e eu adoro a HQ. Aliás, Moore renegou todas as HQs que escreveu. E, também por essa lógica, nós não poderíamos apreciar uma história de Sherlock Holmes, uma vez que Conan Doyle renegou seu mais famoso personagem por considerar que não tinha valor literário. Uma pena que Kirby foi realmente um artista bem injustiçado e não morreu rico, apesar de merecer. Para variar, a maior parte dos fãs dos filmes da Marvel ignora sua existência e acha que Stan Lee criou o universo Marvel sozinho.

Eternos pode ser considerado o grande fracasso da Marvel, arrecadando 300 milhões de dólares em todo o mundo. Essa é não é um montante ruim, mas não para um blockbuster da Marvel. Evidente que nesses tempos de pandemia um sucesso ou um fracasso de bilheteria pode ser relativizado; porém, Homem-Aranha Sem Volta para Casa já arrecadou mais de 1,5 bilhão. Então, quando há um filme que as pessoas querem realmente assistir, elas vão mesmo tendo risco de pegar o afrocoronga (Ômicron), e olha que não sei se é bom ou ruim o filme do Aranha estar fazendo tanta bilheteria com essa praga ainda por aí.

Em suma, Eternos é um filme bem esquecível e pretensioso, e dá para perceber que Kevin Feige quis agradar a seu ego e fazer algo mais “artístico”, por assim dizer. Depois de todo mundo fizer que os filmes da Marvel são uma grande bobagem, o que a maioria realmente é, acho que ele ficou ressabiado e quis fazer algo diferente. Kevin Feige deve estar mordido desde que Martin Scorsese falou mal dos filmes da Marvel. Nota 3 de 10.

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