“Sei que fiquei pendurado naquela árvore
fustigada pelo vento,
Lá balancei por nove longas noites,
Ferido por minha própria lâmina,
Sacrificado a Odin,
Eu em oferenda a mim mesmo:
Amarrado à árvore
De raízes desconhecidas.
Ninguém me deu pão,
Ninguém me deu de beber.
Meus olhos se voltaram para as mais
entranháveis profundezas,
Até que vi as Runas.
Com um grito ensurdecedor peguei-as,
E, então, tão fraco estava que caí.
Ganhei bem-estar
E sabedoria também.
Uma palavra, e depois a seguinte,
Conduziram-me à terceira,
De um feito para outro feito.”
Trecho de um
poema do
Edda Maior
extraído de
O Livro Da Sorte
pag. 245
Títulos dos originais: Thor, God Of Thunder - Gorr, The God Butcher; Thor, God Of Thunder - Godbomb
Período de lançamento dos originais: 2012-2013
Roteiro: Jason Aaron
Capas: Esad Ribic
Arte: Esad Ribic (edições 1, 2, 3, 4, 5, 7, 9, 10 e 11) e Burch Guice (6)
Arte-final: Tom Palmer (edição 6)
Cores: Dean White (edição 1) e Ive Svorcina (edições 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11)
Tradução: Gorthol
Revisão & Diagramação: Eme_Ve
Letras: Drake_Frost
Créditos dos Scans: Os Impossíveis
Sinopse
Gorr, O Carniceiro Dos Deuses, promove assassinatos em massa de membros de diversos Panteões Divinos pela Criação. Com uma multimilenar relação que o liga ao Extinguidor Divino, Thor, O Maior Dos Deuses, é o único capaz de detê-lo. Não apenas um Thor, mas as versões deste do Passado, Presente e Futuro compondo um implacável Exército Divino a fazer uma dura frente a um igualmente implacável Assassino Serial Fora do Esquema Cósmico E Anti-Cósmico.
Inomináveis Saudações a todos vós, Realistas Leitores!
Conforme a Mitologia Nórdica, notadamente aprofundada na Tradição Cultural Viking, em Yggdrasil, A Árvore Do Mundo, Odin, O Pai De Todos Os Deuses, enfrentou uma Privação Necessária e uma Provação Sacrificial onde descobriu o Mistério Das Runas. Me veio à mente a citação acima, do Livro Da Sorte, porque durante a leitura do início da Fase de Jason Aaron com o Thor, que durou de 2012 a 2019, a mesma ficou a martelar em minha mente. O Carniceiro Dos Deuses e Bomba Divina, as histórias girando em torno de Gorr, sombrio senhor do primeiro epíteto, me remetem direta e inescapavelmente, também, a todo o contexto interpretativo da Runa Branca, cuja mensagem é “fé e coragem para encontrar seu destino”. O significado completo da Runa é esta, presente no citado livro acima à pag. 259:
“Assim como é o fim, o vazio também pode significar uma oportunidade para se recomeçar. Por isso, a Runa Branca é a pedra da confiança absoluta e deve ser encarada como um sinal de contato com o verdadeiro destino.
Ela é a manifestação do desconhecido em sua vida e informa que ele está ativo. O branco contém a totalidade do Ser, o potencial absoluto de tudo.
Com esta Runa, vêm à tona nossos temores mais profundos porque estamos frente ao indeterminado. No entanto, nossas melhores possibilidades também estão nela.
Aceitação e disponibilidade são as respostas que ela exige de quem a tira. Como não se pode controlar o que não tem forma, saber recebê-la é sempre um teste de fé.
.
Lembre-se que o Poder Supremo da Criação está por trás de tudo. E anime-se: sua autotransformação está se desenvolvendo.”
Mesmo sendo um Assassino Ultrapoderoso De Deuses, Gorr está sob o Jugo de tal Poder Supremo, o qual está Além do Cósmico e do Anti-Cósmico. Mesmo que negue e rejeite, tanto quanto os Deuses e os Seres Comuns da Criação dentro do Universo Marvel, ele está submetido a Algo que NUNCA será conhecido de verdade. Isto também funciona para a nossa Realidade, onde nós, frágeis, incompetentes, diminutos, covardes, fracos e medíocres Seres Humanos criamos nossos Deuses e a história absurda de um "Deus Único que intercede por nós". Gorr pretende construir uma Criação sem Deuses, sem crenças, sem a escravidão necessária para que tais Vampiros Elevados possam ser alimentados por Religiões, Orações, Altares e Templos. Vampiros que podem nem ouvir ou sentir o que se pede a eles. Vampiros que podem ignorar cada prece, cada pedido, cada súplica, por eles. Vampiros que podem olhar, mantendo nos lábios um sorriso de desdém, para cada Ser a cultuá-lo de forma humilde ou arrogante, piegas ou racional. Vampiros que podem somente se alimentar de almas cuja pura fé cega leva cada vez mais a uma maior cegueira, sempre pedindo obediência, joelhos dobrados e cabeça abaixada. É contra tudo isto que Gorr luta, massacrando impiedosamente aqueles que, para ele, são exatamente sugadores de todas as Existências sem se importarem realmente com estas.
Não posso me retirar do quanto esta história me tocou, fazendo imergir em minhas próprias dúvidas, meditações e questionamentos em um momento onde estou tendo uma profunda e esclarecedora crise de fé. Li esta Saga exatamente aos 25 de dezembro de 2020, data que alguns ainda comemoram como o do nascimento de um suposto “Salvador do Mundo que deu o sangue e a carne por todos nós” e outros vêem como “o próprio Deus Criador que encarnou na Terra para iluminar a Humanidade até o fim dos tempos”. Como crítico, eu deveria me ausentar de dar uma opinião pessoal, ser frio e objetivo a cada resenha, principalmente nesta. Mas, não consigo nunca me afastar da imersão, do toque no subterrâneo das histórias que mais me fascinam, como esta escrita por Aaron e brilhantemente desenhada por Esad Ribic em dez edições. Eu nunca daria certo como um crítico profissional, sou emocional demais e subjetivo demais para ser frio diante do impacto de obras que dizem muito mais do que querem dizer em sua superfície. E me identifiquei em tudo com Gorr no que há de questionador nele, pois existe muito mais Terror, Horror e Miséria em crer em qualquer tipo de Auxílio Divino do que não crer no mesmo. Já criei muitas expectativas longas demais aguardando respostas de Algo supostamente maior do que todos nós. Se você também se sente assim, leitora ou leitor virtual, neste exato instante de vossa existência, também vai se identificar com o Gorr. A leitura da trajetória deste é, então, para vós, uma explosão direta em vosso Ser.
Necessito falar primeiro do vilão das duas sequências de histórias, cada uma dividida em cinco partes e tendo uma edição (a de número 6) contando a origem da história dele, porque o principal personagem, o maior e o melhor é ele. Fica sendo um senso comum tremendo todas as críticas que se fazem sobre obras de qualquer mídia nas quais os vilões se sobressaem acima dos heróis, confesso. Mas, pulando essa forma de contextualizar o cerne desta resenha, é impossível não considerá-lo aquele que mais toca o leitor por Questionar muitas coisas que nós, enquanto Seres Racionais, fora de um Universo Ficcional como da Marvel, não questionamos. Pensei que leria mais uma aventura do Thor, desta vez com elementos referentes a Deslizamento Cronoespacial, e me surpreendi pelo conteúdo riquíssimo de discussões e meditações erguidas por Aaron a cada capítulo da Saga. Nem sei mesmo se o Gorr pode ser chamado de vilão dentro dos contextos nos dois parágrafos anteriores tratados, parece que isto é mais uma forma de puro convencionalismo exigida pela Ficção para que ponhamos nomes e adjetivos no que necessita ser classificado. Em vez de “vilão”, eu chamaria Gorr de Salvador sob o ponto de vista dele. No meu ponto de vista, eu reafirmo que ele é um Questionador, alguém que trata de buscar respostas batendo ultraviolentamente contra todas as Portas Divinas.
Mas, ele nunca alcançaria uma resposta genuína mesmo que a Bomba Divina, que agiria através do Continuum Cronoespacial extinguindo todas as Raças Divinas desde o início da Criação, cumprisse todo o propósito para a qual foi construída. Um plano meticuloso que contou com um Deus aprisionado e os assassinatos de diversos outros, que foi escolhido para ser executado no Futuro onde os Últimos Deuses eram por ele escravizados. De nada valeria chegar a uma Existência Sem Deuses porque as indagações que ele tinha continuariam sem respostas. Com isto, não quero dizer que ele acreditasse que Deuses fossem úteis ou tivessem as respostas que ele queria ouvir. Cada resposta que o coração dele ansiava por alcançar gritavam e vinham mais de dentro dele, pulsando tanto quanto os corações dos Deuses que ele viu parar de bater nas mãos dele. E tal interior verdade ele somente percebeu ao final da sanguinária trajetória dele. As respostas que ele queria não o alcançariam mesmo se triunfasse. As respostas que ele não queria ouvir vieram de Um Deus Em Três que sobre ele triunfaram.
O Jovem Thor: um porra-louca mulherengo, festeiro, irascível, irresponsável, desagradável, irracional, instintivo, egoísta, aventureiro, débil beberrão, violento, arrogante e indigno de erguer Mjolnir. O Maduro Thor: O Vingador, um herói responsável, altruísta, racional, focado em lutar pela Justiça, humilde e digno de erguer Mjolnir. O Velho Thor: O Rei De Asgard, um herói destroçado, caído, amargurado, cansado, decadente e, mesmo assim, ainda digno de erguer Mjolnir. Os Três Thors. Em comum nas três Versões Temporais do personagem, o peso de ser um Deus, uma silenciosa melancolia e uma bem nítida tendência à depressão, algo muito comum a vários mortais. Humanizar Deuses é uma maneira que os Ficcionautas utilizam para aproximar os mesmos dos consumidores de Quadrinhos, Livros, Séries e Filmes. Se não fosse assim, eles não seriam compreendidos e nem atrairiam a admiração de quem quer que os conhecesse. Reclama-se algumas vezes, em alguns debates de Blogs e Sites Nerds, que o Superman da Era De Prata era quase um Deus, sendo isto um absurdo. Stan Lee e Jack Kirby, quase no fim da Era De Prata em sua transição para a Era De Bronze, compreenderam que Thor seria rejeitado se fosse um Deus a todo momento e fizeram dele alguém muito semelhante ao Ser Humano, mesmo que retirado de um Panteão Divino. Mantendo os Poderes Divinos dele e caracterizando-o com os mais típicos matizes psicológicos conhecidos da Humanidade, conseguiram torná-lo popular o bastante para o agrado do público leitor. E anos depois, após Crise Nas Infinitas Terras, John Byrne seria o responsável por humanizar o Superman em todos os sentidos, tornando-o vulnerável não apenas em relação ao Corpo Físico. Voltando a falar do Thor, Louise Simonson foi, anteriormente, uma das melhores entre os Autores que trabalharam com o personagem que captaram o que Lee e Kirby construiram nele. Aaron segue na mesma linha de abordagem narrativa e vai um pouco mais além.
Percebi no Jovem Thor ecos da versão tosca e ridícula do personagem no Cinema, que nunca foi e nem será a ideal para o mesmo. Pode até ser uma inequívoca impressão ou birra minha, mas um certo ar de piadista e troçador há nele bem próximo daquele Thor abobalhado da Marvel Films (versão que completamente abomino, sou infinitas vezes mais a clássica e original dos Quadrinhos). Um inexperiente guerreiro, bem diferente das outras duas versões, o que é bem tratado pelo roteiro por apresentarem, cada um dos Três Thors retratados, muitos traços de personalidades e comportamentos bem distintos. Outra coisa em comum, no entanto, que eles têm quando reunidos, é esta: parar Gorr a qualquer custo. Mesmo com o Maduro Thor tendo dúvidas e estando tão marcado quanto os outros dois pelas garras e a Existência em si do inimigo, é ele quem tem o maior protagonismo nos momentos finais da empolgante e maravilhosa batalha final, que é uma das melhores que já li nestes meus quarenta e quatro anos de idade. Foi uma grande sacada do Aaron manipular o assunto das diversas versões de um mesmo personagem junto com o que cada um tem gravado em si acerca de um grande oponente. O Jovem e O Velho possuem marcas ainda mais aprofundadas deixadas neles por Gorr, o que é muito interessante de notar se a sua leitura for bem atenta. E são marcas bem mais dolorosas do que a do Maduro, talvez pelo fato deste, atuando ao lado dos Vingadores ou sozinho contra Loki, Malekith, Thanos e tantos outros Tiranos Cósmicos e Anti-Cósmicos tão perigosos quanto o Gorr, ter visto e recebido outras marcas bem mais profundas no Ser. Não conheço toda a galeria de antagonistas do Thor, mas das histórias deste que até hoje já li, Gorr foi o mais difícil e imprevisível, uma ameaça tremendamente formidável.
E ele mesmo, O Carniceiro, O Salvador, O Questionador, é a grande estrela desta sangrenta, adulta, soturna e macabra história que contém elementos que mexem com muito do Entendimento Humano, ainda que muitíssimo limitado, acerca da Metafísica, das Teogonias, das Teologias, das Mitologias e da Fé. Ouso dizer aqui que Os Três Thors são meros coadjuvantes necessários para a apresentação de um grandioso e inesquecível personagem. Uma obra-prima que, antes, quase ou nada ouvi ou li a respeito, o que é sinal do nível de leitura atual de muitos que querem apenas divertimento e, não, altas doses de uma narrativa que leva a pensar. Dificilmente, a Marvel Films, estando nas mãos da famigerada (em minha inominável opinião crítica) especialista infantilizadora de conteúdos quadrinhísticos para vender ingressos e pipoca e refrigerantes denominada Disney, adaptaria com fidelidade toda a essência e conteúdo desta Saga. Um filme não seria o suficiente e, sim, uma Trilogia, para conter toda a riqueza dos nuances, detalhes e discussões abordados nela. Ainda por cima, seria um filme +18, sem piadinhas ou palavras de efeitos ridículas ou dancinhas imbecis que acostumaram bem mal todos aqueles que vieram à conhecer os personagens da Marvel no Cinema. No máximo, se adaptado com alguma fidelidade mantendo as questões filosóficas erguidas no original, seria um filme sério e tenso como Capitão América - Soldado Invernal, mesmo cortando 99% do roteiro original e entregando algo para todos os públicos. Mas, parece que o Gorr foi confirmado no próximo filme do Thor, sendo interpretado por Christian Bale. Tenho até medo de pensar como é que um personagem, que passei a ser Fã (será que nos Quadrinhos ele retornará algum dia?), vai ser adaptado dentro da atual linha de produções do UCM sob a batuta de Kevin Feige, com Taika Waititi na direção e tendo o Chris Hemsworth, ainda por cima, na pele do Deus Do Trovão… Dentro da realidade atual de adaptações de histórias da Marvel para o Cinema, somente uma série de Fan Films poderia fielmente adaptar o texto dos Quadrinhos.
Realmente, nós, mortais, não podemos ter tudo que desejamos ou sonhamos como realizado em qualquer tempo. Fiquem os interessados, no entanto, com este Gorr aqui do original que, de modo brilhante, foi conduzido pelo Aaron. Um belo começo da longa trajetória dele com o personagem e uma daquelas histórias que valem a pena ser diversas vezes relidas.
Saudações Inomináveis a todos vós, Realistas Leitores!
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