HISTÓRIAS QUE NINGUÈM LEMBRA (OU QUER...): QUANDO LOIS LANE SE TORNOU...UMA MULHER NEGRA!!

É sempre um problema quando se coloca autores brancos para falar sobre o racismo. Imagine isto em uma revista em quadrinhos! Pois foi o que a DC Comics fez em 1970 e pior: transformando Lois Lane em uma mulher negra! Com certeza daria muitos problemas hoje! Mais saibam mais em nossa matéria...




Evidentemente para muitos esta história não traz nada demais, na verdade até exalta a vontade dos autores em mostrar como o racismo ocorre em 'mão dupla'. Porém, se olharmos um pouco mais de perto as coisas podem ficar um tanto diferentes...


Em primeiro lugar (opinião pessoal), o roteirista é branco, ou seja, nunca sofreu o que uma pessoa negra sofre nos EUA. É importante destacar aqui que, 'pessoa de cor' naquele país é qualquer uma que não seja americano 'puro'. Por exemplo, nós brasileiros somos considerados assim, devido a mistura de raças que temos e por sermos latinos...Mas, o objetivo de nossa matéria não é chamarmos a atenção para este fato e sim falarmos de uma história equivocada...


Bem, a coisa toda começa com uma revelação: mesmo em Metrópolis, uma cidade mítica dos quadrinhos, há segregação racial! Pois lá, como em outras cidades (reais) americanas, há um bairro exclusivo para negros, neste caso chamado de "Little Africa" (Pequena Africa). E conforme a própria história da revista mostra, os negros vivem lá em péssimas condições e por falta de opção. 


Claro, que a história tem no fundo a intenção de fazer uma critica social sobre o preconceito e suas origens, mas acaba por destacar a importância do "salvador branco". Logo nas páginas iniciais, para chocar o leitor, temos uma Lois negra questionando a Superman se ele se casaria com ela como ela esta naquele momento. Se ele, um cara branco, se casaria com uma negra. Superman meio que se esquiva da resposta, o que não era nenhuma novidade, em todas as histórias ele faz isto quando o assunto se torna "matrimonial"...




Esta história foi lançada na revista "Superman's Girl Friend, Lois Lane # 106", publicada em novembro de 1970. O questionamento de Lois fica 'em suspenso' até que o andamento da história chegue aquele momento e Superman o responda. Cá entre nós, a resposta dele é extremamente evasiva e sem uma definição. Contradizendo os letreiros iniciais que falam sobre este ser "o momento da verdade!". 


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Após este inicio chocante , passamos para a história em si. Lois, retocando a maquiagem, informa a Clark que esta para escrever "A história de sua vida!", uma história que nenhum repórter jamais escreveu antes! Uma história que lhe daria o prêmio Pulitzer! Ela escreveria sobre a vida dos negros no bairro Little Africa, suas dificuldades, seus sonhos, suas vidas. 


É interessante notar que Lois deduz, que nenhum repórter escreveu sobre isto anteriormente.  Nem mesmo algum repórter negro que tenha vivido lá! E agora, ela uma reporter branca, teve a ideia e a porá em prática! Podendo inclusive ganhar um prêmio cobiçado, no lugar de algum jornalista negro! Também é interessante que Superman ficou preocupado com isto e por isto trocará de roupas e ficará 'de olho nela'. Ora, por que isto? Por que é um bairro negro perigoso? Ou será, que toda vez que ela sai para fazer uma reportagem, ele para e vai 'ficar de olho'? 




Após um breve contato com um prestimoso motorista de taxi (não foi gratuita esta aparição), Lois descobre algo que a deixa estarrecida: ninguém no tal bairro aceita falar com ela! Crianças lhes viram as costas; moradores batem a porta em sua cara; nos bares e nas ruas ela é observada com suspeita. Ela não consegue entender o por que! Isto deixa claro que ela é a reporter errada para a matéria. Ela desconhece ou ignora os problemas que existem no relacionamento daqueles descriminados com a maioria discriminadora...


Em uma esquina ela acaba se deparando com um rapaz que faz uma espécie de comício. Aliás, parece ser uma pratica diária haverem pessoas discursando nas ruas sobre as diferenças sociais em bairros negros americanos. É um clichê de filmes, séries e ao que parece, quadrinhos. O homem diz que os brancos aceitam que eles tomem conta de seus filhos, mas não permitem que seus filhos estudem juntos nas mesmas escolas. E faz mais: aponta para Lois e diz que ela é jovem, bonita e bem arrumada, mas que não devem confiar nela porque ela é branca! Parece que isto atinge fundo a Lois, porque ele tem uma ideia para contornar a situação...


Uma ideia absurda até para os padrões da época em que foi lançada a revista: Lois pede a Superman que mude seu aspecto físico (cor da pele, cabelos, etc)  para o de uma negra!! Para isto ele utilizaria uma maquina que já havia aparecido em outra história antes: a PLASTIMOLD, maquina inventada por um cientista kryptoniano Dahr-Nel, capaz de promover mudanças físicas.  Mas, é importante frisar que ela não o fez para conhecer mais profundamente a situação dos moradores do bairro, mas sim porque não havia conseguido material para sua reportagem (conforme dialogo anterior com Superman)...




Após a 'mudança', Lois pede que o Super a leve em casa para que trocasse de roupas. O que não deixa de ser um aspecto interessante na história, ela tira o vestido que usava e põe uma roupa mais espalhafatosa e colorida, com direito a turbante. Ou seja: roupa de negros...E tem sua primeira experiência com o preconceito (contra os negros é claro). Aquele prestimoso motorista vinha em sua direção, estava chovendo e ela fez sinal para que parasse...e ele passou direto como se ela não existisse!! E mais: parou logo adiante para pegar um cliente...branco! 


Lois pega um metro e lá tem mais uma experiência negativa. Parece que todos a olham com reprovação, tornando a curta viagem extremamente incomoda. Saindo do metro ela fica pensando se é sempre assim para os negros, no ônibus, nos trens, nas ruas...Mas, ao chegar ao bairro Little Africa, as coisas mudam! 


Ninguém parece olhar para ela com desconfiança. Ela entra em um prédio e da de cara com um inicio de incêndio em uma pilha de lixo que esta debaixo da escada para o primeiro andar! Ela apaga o fogo e a porta em frente ao lixo se abre e uma mulher a convida para entrar. Lá dentro ela começa a conhecer a realidade do bairro. Se nos corredores o perigo estava no lixo, dentro do apartamento as coisa não eram melhores. O reboco do teto fica caindo (cai dentro de seu café!), o filho da mulher que lá esta é atacado por um rato! 


A mulher então lhe pergunta se há algo que possa fazer por ela. Isto comove ou choca profundamente Lois e ela chora sem dizer nada. O motivo é que a mulher vive em dificuldades, mas ainda assim lhe pergunta se pode ajudá-la. Lois parecia achar que a disposição de ajudar ao próximo era algo espantoso ou chocante quando ocorre entre os negros. Como se o ser humano não tivesse a capacidade de ajudar outros em situações estremas, independente da raça a que pertença! 


Saindo do apartamento ela se depara mais uma vez com o mesmo jovem que fazia comício antes. Ele diz que ela lhe parece familiar, mas antes que o assunto vá adiante, ele vê alguns garotos entrando em um beco. Ele diz a Lois que espere ali, porque aquilo era um assunto 'para homens' (mais década de 70 do que isto...). Claro que Lois não espera e os dois entram no beco, onde dois traficantes estão pegando produtos roubados pelos garotos em troca de drogas...


Curiosamente um dos bandidos é branco...e mais curioso ainda parece ser o chefe...Eles atiram, acertando Dave Stevens (o cara do comício), mas antes de acertarem Lois aparece o Superman, que como sabemos 'estava de olho'...mas, não podia ter chegado antes e salvo o rapaz? Não, porque estragaria o desfecho! 




Depois de nocautear os dois, Superman leva Lois e Dave para o hospital mais próximo, lá o medico diz ser necessária uma transfusão de sangue e que o sangue tinha de ser O negativo! Superman diz não poder ajudar mesmo que seu sangue fosse do tipo necessário, porque nenhuma agulha penetraria seu corpo. Mas, e a super velocidade? Ele não poderia pegar em outro hospital? Não, por causa do desfecho da história! 


Acontece que por uma destas coincidências da vida, Lois Lane tinha o sangue O negativo! E claro decide doar o sangue na hora para salvar o cara. Provando mais uma vez a precariedade do bairro, a transfusão foi no estilo antigo: de veia para veia, bombeado com o apertar da mão em forma de punho! 




E aqui chegamos ao questionamento realizado na primeira página e a resposta de Superman. Ele diz que ele é um alienígena de outro planeta e que nem sua pele é humana e sim de aço! O que é um argumento fraco! Sei que alguns não gostarão do que vou dizer, mas ele pode até ser de outro planeta, mas tem o biotipo americano! Branco, bonitão, honesto, leal, altruísta  e com super poderes. Nunca sofreu qualquer preconceito, a não ser de Lex Luthor que o chamava de 'alienígena'. Não tem a menor ideia do que é ser minoria! 


Quando Lois lhe chama atenção para isto, ele sai com aquele velho mantra: "se meus inimigos souberem de sua importância para mim, virão atrás de voce para me atingir". O assunto não foi mais adiante, porque neste exato momento os efeitos da transformação passaram. Lois voltou a ser branca. Neste exato momento também a enfermeira entrou e assustada com o fato dela ter ficado branca, lhe diz que Dave esta chamando...


Com medo da reação do rapaz ela vai até o quarto. Quando Dave a vê e descobre que ela é branca e que lhe havia salvo a vida, temos o final "Carrossel"...Em "Carrossel", Maria Guilhermina vivia desfazendo de Cirilo por ele ser negro, até que o pai dele salvou a vida do pai dela com uma transfusão. A partir dai, as diferenças se acabaram e os dois se tornaram grandes amigos. O autor deve ter lido esta revista porque o final é o mesmo! Dave supera todas as diferenças e preconceitos e recebe Lois como amiga! Ou seja: um final piegas! Me desculpem! 




Mas, o fato de Lois ter salvo o rapaz com seu sangue acaba por dar destaque ao "salvador branco" como dissemos no inicio da postagem. São as pessoas brancas que estão sempre salvando outros de inimigos ou de si próprios. Sem entender o efeito de sua presença em um bairro que existe por causa da segregação. Lois parte para provar que não é igual aos outros e que os brancos podem ser melhores, inclusive tirando dos demais o melhor de si...


Minha postagem não tem como objetivo 'levantar alguma bandeira'. Não é um discurso sobre o racismo. Mas, sim para destacar uma história equivocada, onde se procura falar do racismo dando ênfase aos atos de uma branca! Nem Lois e tampouco Superman sofreram durante sua vida algum tipo de preconceito, como eles podem ensinar aos que sofrem a 'serem melhores pessoas'? 


Esta história foi colocada em 2013 entre as melhores protagonizadas por Lois. Mas, publicada hoje com certeza levantaria polemicas e questionamentos. Na década de 70, a história é vendida como cômica ou como lição de vida, quando na verdade não é! Enfim, é uma daquelas histórias  que foram esquecidas e que alguns nem querem lembrar....










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