Além das provas de atletismo, ginástica artística, ginástica de aparelhos e levantamento de peso, outra "modalidade" olímpica da qual também gosto muito é a de me pôr a deduzir quais são os países representados por aquelas siglas de três letras que aparecem no canto da telas durante as competições e nas roupas dos atletas, a de tentar decifrar o código que o COI (Cômite Olímpico Internacional) atribui a cada nação participante.
Alguns são facílimos, não tem nem graça, a exemplos, ARG (Argentina), GBR (Grã-Bretanha), ITA (Itália), JPN (Japão), BRA (Brasil), CHN (China) etc.
Outros já exigem não somente uma boa capacidade dedutiva como também um bom conhecimento do globo, por exemplos, CPV (Cabo Verde), CIV (Costa do Marfim), LAT (Letônia), INA (Indonésia), SVK (Eslováquia), COD (República Democrática do Congo).
Mas que porra era aquele ROC, que eu nunca tinha visto nem ouvido falar? Fosse quem fosse, estava arrebentando, estava entre os cinco primeiros do quadro geral de medalhas. Lembrei do nome de quatro países iniciados pela letra R. Romênia, Ruanda, Rússia e República Tcheca. Mas, pelo que me lembrava, a nenhum deles correspondia o código ROC.
Fui atrás e vi que, enfim, era a Rússia. Mas por que usar ROC ao invés do bom e velho RUS?
Pesquisei.
Em 2016, a casa caiu para o esporte russo. A casa, não. O Kremlin caiu para a delegação olímpica russa. O WADA (World Anti-Doping Agency) obteve fortes evidências de um doping em massa entre os atletas russos, um doping coletivo, e, ao que tudo indicava, patrocinado pelo próprio governo russo, um doping institucional, por assim dizer. Talvez ainda o sonho do supersoldado a serviço de sua bandeira.
Instalou-se, então, um verdadeiro jogo de espiões entre o WADA e o governo russo, um kasparóvico duelo de informações e contrainformações. O governo russo se valeu de táticas evasivas e de manobras de ocultação dignas dos bons tempos da Guerra Fria. Valha-me Santa KGB!
Mas não houve como. Em 2019, a Rússia foi condenada pelo WADA por adulteração de dados laboratoriais, por produzir contraprovas negativas, por plantar evidências falsas e apagar arquivos que viriam a confirmar o doping em massa e, principalmente, que ele era levado a cabo pelo governo russo.
Como punição, a Rússia ficou proibida de participar de qualquer competição esportiva internacional, inicialmente, por um período de quatro anos. No ano passado, o Tribunal Arbitral do Esporte, respondendo favoravelmente a uma petição, reduziu a pena para dois anos. Dessa forma, a suspensão da Rússia só perderá seu efeito em 16 de dezembro de 2022. O que a excluiria dos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020 e da Copa do Mundo de 2022, no Qatar.
Não só excluiria como, de fato, excluiu. A Rússia.
Porém, e é aí que entra em ação o jeitinho brasileiro, a punição do WADA não excluiu os atletas russos; aqueles que, comprovadamente, não estavam envolvidos no escândalo do doping em massa.
Thomas Bach, presidente do COI, "por questão de justiça", autorizou que uma delegação de atletas russos "limpinhos", agora designados como atletas neutros (até parece coisa da ideologia de gêneros), competisse em Tóquio. Desde que não houvesse nenhuma alusão ou referência à Rússia durante as suas apresentações.
Assim, a Federação Russa (RUS) foi substituída por Comitê Olímpico Russo (ROC), a bandeira russa pela bandeira neutra do ROC, que não representa nenhuma nação, e o Concerto para piano nº 1, de Tchaikovsky, é executado em lugar do Hino Nacional da Federação Russa, quando um atleta não-russo sobe ao primeiro lugar do pódio.
Realmente. Nenhuma alusão à Rússia, absolutamente nenhuma. Nada nos atletas neutros nos remete à pátria de Stálin. Nenhuma reles pista ou indicação de onde eles sejam : Comitê Olímpico... RUSSO! A bandeira do ROC manteve as cores branca, azul e vermelha, as mesmas da bandeira da... RÚSSIA. Tchaikovsky foi um gênio... RUSSO da música.
Tenho até a certeza de que, se perguntado sobre o ROC, Vladmir Putin, cossaco das antigas, se sairia a la Lula e responderia : essa delegação é de um amigo meu.
Pããããããta que o pariu!!! Medalha de ouro do jeitinho brasileiro para a Rússia!!!
O ardil do ROC está parecido com aqueles filmes antigos de gangsters americanos. Na fachada, o estabelecimento é uma barbearia, uma floricultura, uma lavanderia etc, mas nos fundos da loja funciona o comércio ilegal de bebidas, armas, drogas e cafetinagem.
O ROC é a empresa de fachada da delegação russa nas Olimpíadas de Tóquio 2020.
Maracutaias à parte, até que esse foi um jeitinho do "bem", por assim dizer. Não favoreceu apenas os maiores interessados na tramoia, a Rússia. Também beneficiou os espectadores do evento. Deixar os atletas não-russos de fora da competição seria alijar de forma mortal a grandiosidade dos Jogos e do espetáculo. Os não-russos são fodas. Fodões. Resultado inevitável da combinação de três fatores : investimento financeiro no esporte, tradição (leia-se aqui experiência, longa vivência, conhecimento) e disciplina.
Eis um aspecto que julgo positivo nos regimes comunistas das antigas como o da Rússia e o da China (outra que está nas "cabeças" do quadro de medalhas) : a disciplina. E, claro, muito trabalho motivacional realizado em cima do atleta : ou você traz medalha, ou vai treinar uma temporada no Gulag. Disciplina e motivação. Pãããããta que o pariu se funcionam!
Maracutaias à parte (2), e agora é uma utopia minha (sim, também as tenho), quem sabe esse jeitinho brasileiro aplicado à Rússia não venha a criar um futuro precedente para que outros Comitês de atletas neutros possam vir a competir internacionalmente fora da sombra e dos grilhões de suas bandeiras?
Comitês, inclusive, compostos por atletas de diferentes nacionalidades. Comitês de apátridas que não se reconhecem em seus países, que não têm nenhuma vontade ou obrigação moral de promover o nome de suas pátrias, que consideram que seus países nada fizeram para que eles se tornassem atletas de elite, atletas que se construíram sozinhos, às próprias expensas.
Como é o caso da maioria dos atletas brasileiros, exceções feitas aos praticantes de uns três ou quatro esportes mais "nacionais". Atletas brasileiros em início de formação, de modalidades como atletismo, judô, natação, por exemplos, não recebem um tostão furado do governo da Pátria Amada Brasil para custear os seus treinamentos e suas carreiras. A grande maioria deles banca tudo do próprio bolso, treinamento, alimentação, equipamentos, inscrição e transporte para as competições.
Subir ao pódio com a bandeira de um país desse, por quê? No Brasil, o atleta só passa a conseguir algum patrocínio depois de ter sido campeão em alguma coisa. Países como a Rússia, EUA, China, Japão, os europeus de forma geral, investem na formação de campeões. O Brasil só investe depois que o cara se sagra campeão. Mas, como eu disse, delegações apátridas são apenas uma frágil utopia minha.
Abaixo, a bandeira não-russa.
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