O MITO DE JAN VOJIK - Capítulos 7 à 10

 


Capítulos 1 e 2 podem ser lidos AQUI.

 Capítulos 3 e 4 podem ser lidos AQUI.

Capítulos 5 e 6 podem ser lidos AQUI. 

 

CAPÍTULO 7


Mike resolveu levantar bem cedo no dia seguinte. Se vestiu e foi fazer sua corrida matinal. Era o primeiro exercício físico que ele fazia depois de 2 semanas de total sedentarismo.  Foi bem agradável realizar a corrida naquela região, um lugar praticamente isolado, somente com a presença da vegetação. Ao terminar Tyson experimentava uma sensação de leveza e bem-estar. Se dirigiu de volta à casa de Jan, e quando chegou o encontrou colocando a mesa para o café da manhã.
-Bom dia Mike. Fico feliz que tenha acordado bem-disposto.



- Opa, bom dia Jan. Vou tomar um banho e me trocar, e aí tomamos o desjejum.


Após terminarem a refeição, Mike se encarregou de puxar a conversa:

-Bom Jan, fiz o que me solicitou. Consegui fazer os exercícios de relaxamento, e em seguida me sugestionei para me colocar no lugar de Ali.

- Que bom Mike. Compartilhe comigo então como foi, o que sentiu....
- Bom, Jan....eu bom...como posso dizer, eu consegui ter aquela perspectiva de que Ali tinha definido sua história como o “Maior” de todos. Isso me fez entender a real importância de decidir o mais cedo possível qual a história que quero escrever. Mas assim que tive essa, hum... como direi?  Essa noção. Isso, a perfeita noção do que isso representa. Imediatamente me senti desconfortável demais em estar na pele de Ali. E na hora quebrei o ritmo do exercício, e me preparei para dormir.
-Normal isso, não acha? -Indagou Jan, olhando fixamente para Mike, como se estivessem tendo a conversa mais importante do mundo naquele momento.
- O que é normal Jan? Não entendi...


- O fato de você não ter se identificado com Ali. Por isso, sua concentração se quebrou logo. Afinal, você e Ali não poderiam ser mais antagônicos. Concorda?


- Mas Jan, eu sonho em ser campeão mundial, assim como ele.


- Eu não digo sobre as motivações competitivas Mike. Mesmo os campeões almejam a glória do cinturão, mas cada um tem a “sua” própria história, e aqui falo da história de vida. De todos os aspectos que rodeiam sua vida. E nesse aspecto, você e Ali não se aprecem tanto. Veja bem, o biotipo é totalmente diferente, o que já requer um estilo de luta que é o oposto, concorda?


-Bom, sim, isso é óbvio.


- Certo Mike. Além disso, como conversamos ontem, Ali era um lutador que frequentemente levava a luta até os rounds finais. Rara eram os combates em que ele nocautearia logo no início.  Seu condicionamento físico permitia isso. Bem diferente de você que tem asma, certo?


Mike fez uma cara de espanto. Sua asma era uma espécie de "segredo" que ele só confidenciara para Cus. Nem Rooney sabia disso. Para Mike, quanto menos soubessem de suas fraquezas, melhor seria pra ele. Será que até isso Cus revelou para Jan? Se assim fosse, Mike sentia que Cus teria traído sua confiança.
Vendo a surpresa de Mike, Jan tratou de acalmá-lo:
- Fique tranquilo Mike. Cus não me contou sobre sua asma. Acredite em mim, eu simplesmente sei.


Ao ouvir isso, Mike ficou ainda mais atônito.
-Mas além de Cus, ninguém lá sabe. Como você....


- O momento certo chegará Mike. E todas as suas respostas serão respondidas. Sobre você e sobre mim. Portanto não se perturbe. Cus nunca revelou seu segredo.


Vendo que Mike estava mais calmo, Jan retornou ao seu discurso:
- Então, fisicamente essas diferenças por si só já são determinantes no tipo de carreira que você terá Mike. E eu nem citei as outras como: o ambiente sociocultural em que Ali estava inserido e o que você vive hoje. Ele lutou contra uma forte segregação racial, foi contra a Guerra, entre outras coisas. Isso tudo foi incorporado à sua personalidade, e a maneira como ele encontrou para expressar isso dentro do ringue, escrevendo assim a sua história. Única e intransferível. Mas consegue entender, como todo esse ....entorno, acho que essa é a palavra mais adequada, foi determinante para ele ter decidido percorrer aquele caminho?


-Acho que sim, Jan, entendo sim. E por isso o admiro tanto, assim como Jack Johnson* (1), o primeiro negro campeão dos pesados. Que foi um cara com uma história incrível também.  Esses caras meio que não se enquadravam na sociedade da sua época, eles não se conformavam com o que achavam que era errado e se opuseram frontalmente contra essas coisas. Então, acho que isso também influenciou a maneira como se comportavam dentro do ringue.


-Exato Mike. Ontem falamos sobre a luta Ali versus Terrell, lembra? O que Ali fez naquela luta?


-Bom, Ernie Terrell disse que não o chamaria de Muhammad Ali, pois eles se conheciam desde a época de amadores, quando ele ainda era Cassius Clay, e, portanto, era por esse nome que ele o chamaria.


-Sim, e isso deixou Ali furioso, não foi?


-É, Ali ficou com muita raiva.


- E o que ele fez na luta contra Terrell, Mike?


-Bom, ele o puniu por isso, ficava jabeando e em seguida perguntava para o Ernie: "Qual é o meu nome?", "Qual o meu nome seu filho da mãe?"- após falar isso, Mike começou a gargalhar.


- Sim, e ele prolongou a luta, muito mais para punir e humilhar Terrell. Acredito que se ele quisesse poderia ter imprimido um ritmo maior, e a luta talvez nem chegasse à decisão por pontos. Terrell em momento algum o ameaçou. Mas para Muhammad foi importante fazer aquilo, era um recado para todos aqueles que ainda não respeitavam suas crenças religiosas. O mesmo ele fez na primeira luta com Patterson, punindo-o por todas as coisas que Floyd disse contra sua nova religião. Compreende isso Mike? Ficou claro?


- Sim, perfeito.
-Então, acho que começamos bem nosso treinamento. Você não me falou, mas sinto que isso ainda o está incomodando de alguma forma. Tire o dia pra caminhar aqui pelos arredores, respire mais desse ar puro e maravilhoso que temos aqui, contemple a bela vegetação, e hoje à noite, teremos mais uma sessão de conversa sobre os campeões do passado.

NOTAS:

1-                Jack Johnson: foi o primeiro negro campeão mundial dos pesos-pesados (1908-1915) numa época de forte segregação racial nos Estados Unidos.  Sempre procurou quebrar os tabus e estereótipos que a sociedade impunha sobre os negros. Era casado com uma mulher branca, falava várias línguas e era um homem bastante culto.


 

CAPÍTULO 8


Mike decidiu seguir o conselho de Jan, saiu para dar uma caminhada e assim apreciar mais aquele belo local. Se sentia um pouco apreensivo, mas ao mesmo tempo experimentava uma sensação que ainda não sabia definir exatamente o que era, uma espécie de inquietação e empolgação. Mike sentia que aquele período que passaria ali com Jan seria determinante na sua carreira. E até achou isso engraçado: ontem ao chegar ali estava letárgico e desinteressado, e agora sentia uma vibração estranha, mas agradável.
Durante a caminhada, seus pensamentos foram invadidos pela questão central que discutiu com Jan desde a noite passada:  precisava saber qual história iria contar dentro do boxe. Agora entendia a importância de se ter essa história bem definida. Por mais que ele e Cus conversassem sobre o seu futuro, e Cus tivesse dado a ele a missão de se tornar o mais jovem campeão dos pesados, ainda assim isso era a história idealizada por Cus, não necessariamente a dele. Isso ficou claro com a maneira pela qual Mike reagiu à derrota para Tillman.  Tyson entendeu que se já tivesse definido sua “história”, ele não teria se comportado daquela forma. Sendo assim, ele precisava decidir isso o quanto antes. E talvez Jan fosse o mais indicado para ajudá-lo, afinal, D'amato já estava tão envolvido emocionalmente com esse projeto, que muitas vezes Mike se perguntava se todo o sacrifício que se propôs a fazer ao longo dos anos era realmente genuíno ou apenas uma forma de agradecer a Cus por ter lhe dado um propósito na vida. Definitivamente Tyson precisava encontrar o seu próprio rumo, a sua própria trajetória.

Conforme esses pensamentos iam ficando mais claros, definidos, foi experimentado uma certa paz. Uma sensação de tranquilidade e quietude como ele há muito tempo não sentia.

 

CAPÍTULO 9

 
-Ei Mike, posso escolher a luta que vamos ver hoje? - Jan demonstrava uma certa excitação e ficou ainda mais animado ao ver a expressão de curiosidade estampada no rosto de Tyson.
- Claro que sim Jan.
-Ok Mike. Então pode se sentar lá no sofá, que já coloco a fita pra assistirmos.

Jan colocou a fita no vídeo cassete e assim que Mike identificou qual era a luta, estampou um grande sorriso.
- Essa luta é bem especial para o Cus, Jan, sei que você sabe disso.
- E ela vai nos proporcionar bastante material para nosso debate de hoje.


A luta em questão era a disputa do título mundial dos meio pesados, entre o campeão Willie Pastrano e  o desafiante José Torres,ocorrida em 1965.  Torres foi um dos pupilos de Cus, e naquela luta ele se tornou campeão mundial derrotando Pastrano por interrupção médica no intervalo entre o oitavo e o nono round. Torres se tornava o segundo campeão mundial treinado por Cus.
- Talvez seja estranho pra você ver essa luta, não acha Mike?
- Oh, sim.... um pouco, porque o José foi um discípulo bem aplicado do estilo de Cus. Então ver sua movimentação no ringue é como me ver num espelho. Mas mesmo assim, sou fã dele. Essa luta foi incrível.


 - Sim, perceba que ele em momento algum baixa a guarda, está sempre com a postura de defesa que é característica do estilo de D'amato: mãos na altura das bochechas, queixo encostado no peito e braços grudados na costela. O tão famoso estilo "peak-a-boo" de Cus- após falar isso, Jan soltou uma gargalhada descontraída, e olhou para Tyson, aguardando uma resposta.
-Ah cara....o Cus odeia que chamem o seu estilo por esse nome..."peak-a-boo"*(1)... Ele acha um tanto ofensivo e até pejorativo....


-Sim Mike. Eu sei. É muito fácil deixar o velho Cus furioso, não é? Mas voltando a luta, é interessante notar que mesmo mantendo a postura única de guarda alta, o José ainda sim recebeu alguns contragolpes poderosos de Pastrano. Sei que o Cus já tratou de corrigir isso com você, certo?


- Puxa demais, ele é chato à beça com isso. Diz que sempre depois de um golpe ou de uma sequência devemos movimentar a cabeça..."mexa a cabeça, golpeie e mova a cabeça!!!" Às vezes quando estamos todos concentrados treinando, ele aparece no ginásio do nada e começa a berrar isso, e como não se dirige a ninguém em particular, sentimos que a bronca é para todos. E é quase certeza que se ele te der um Feedback após uma luta sua, ele vai citar todas as vezes em que você deixou de fazer isso, mesmo que você tenha destruído o seu adversário. Quer ver ele louco da vida então, é lutar com a baixa guarda. Cus dizia que o único que tinha esse direito era Muhammad Ali.

- Exato Mike, não existe uma defesa, um escudo intransponível no boxe. Mas essa movimentação constante aliada a uma boa guarda já reduz em muito a probabilidade de ser atingido. E no sistema de Cus não ser atingido....


-É de vital importância. Ele diz isso todo dia. É como um mantra. - Completou um empolgado Tyson.


-E repare que o ponto é justamente esse, os contragolpes que Torres recebe são todos socos em linha reta, passando exatamente no vão entre as luvas, atingindo o nariz em cheio. Quer saber algo interessante Mike? Às vezes você pode ter golpeado seu adversário um número maior de vezes no round, mas se esses socos se concentrarem mais no corpo, na linha de cintura , e o rival te acertou pelo menos 3 bom diretos em cheio no rosto, periga de os jurados darem o round para ele. Os golpes na face tendem a ser mais valorizados numa luta....


-Ah sim, O Cus também já conversou isso comigo, que qualquer luta que vai para a decisão dos jurados está sujeita a julgamentos bem estranhos por parte deles. Eu já fui vítima disso algumas vezes, inclusive na minha última luta.

- São as regras do jogo, mas podemos também trabalhar para evitar ao máximo que isso aconteça. Observe agora Mike, esse momento Torres vai tentar encurralar o Willie. Veja bem....agora...Pastrano conseguiu fugir. Na sua opinião o que faltou para José?


Mike ficou em silêncio durante alguns segundos, ponderando que tipo de resposta poderia dar....


-É difícil Jan, julgar isso, são dois profissionais ali dentro. Mas sinceramente? Eu acho que faltava velocidade ao José nesses momentos em que ele conseguia encurralar o Pastrano. Com Cus treinamos à exaustão para desferir uma grande quantidade golpes em poucos segundos, e sinto o José um tanto lento.....


-Concordo. Alguns centésimos de segundos que lhe proporcionariam desferir mais golpes, digo mais Mike, esses centésimos poderiam ser a diferença entre a vitória ou a derrota. Agora, sabe o que acho mais impressionante? Torres era de uma categoria de peso abaixo da sua, meio-pesado, mas mesmo assim, você é múito mais rápido que ele. Mike isso é uma tremenda vantagem. Essa será a chave para o seu êxito no boxe. A união da defesa perfeita, com a força e a velocidade. Isso nunca aconteceu na sua categoria. Ah olhe Mike, José vai acertar aquele golpe certeiro no fígado de Pastrano, e ele não vai retornar para o próximo round. Bela luta. Cus ficou muito feliz nesse dia, não é?


-Sim Jan, foi o seu segundo campeão mundial. E Cus tem muita afeição por José.

-Eu sei disso. Bom, Mike, a tarefa que quero te passar hoje, é a seguinte: faça seus exercícios de relaxamento, e em seguida visualize você dentro do ringue, lutando contra um adversário, e vá progressivamente aumentando a velocidade dos seus golpes, vá aumentando cada vez, e sentindo essa velocidade percorrer todo o seu tronco e braços. Se transforme em um verdadeiro Hermes e pulverize seus oponentes.
De preferência faça isso com algum boxeador profissional. Algum específico?


-Ah... Tem sim. Larry Holmes.


-Hahahahaahah....-Jan não segurou a gargalhada- é óbvio, além de ser o campeão, Cus não suporta ele. Faz sentido. Então, faça o exercício se visualizando contra Holmes. Vai ser divertido.


- O que você acha de Holmes Jan?


- Bom Mike, conversaremos sobre ele mais à frente. Por ora, peço que vá para seu quarto e realize os exercícios. Amanhã quero que me diga como foi.

 

NOTAS:

1-                O estilo “Peak -a- boo” de Cus D’amato: A postura dos atletas de Cus era sempre com a guarda bem alta, cotovelos grudados nas costelas, punhos na altura do nariz e queixo grudado no peito. Isso somado aos constantes movimentos de pêndulo utilizados para esquiva e aproximação fizeram com que no meio do boxe apelidassem essa postura de "peak-a-boo" referência à brincadeira de esconde-esconde que adultos fazem com os bebês.

 

CAPÍTULO 10

Mike resolveu acordar mais cedo do que habitual naquele dia. Se levantou muito bem-disposto, se aqueceu e começou logo a fazer uma sessão de boxe sombra.  Ainda motivado pelo exercício da noite anterior, procurava se mover e desferir os golpes na maior velocidade possível. Em poucos minutos as paredes do seu quarto já estavam úmidas devido à transpiração intensa de Tyson.
Ver o jovem Mike realizar esse exercício era impressionante. A maneira como se movimentava e como seus braços cortavam o ar parecia sobre-humana. O mais assombroso talvez era comprovar como um peso pesado poderia ter tanta agilidade ao mesmo tempo que manifestava tamanha potência nos golpes. Tyson realmente parecia ser a reencarnação de algum ser mitológico.
Após finalizar a sessão de sombra, saiu para fazer sua corrida. Ao chegar, viu o mesmo quadro do dia anterior: Jan terminando de preparar a mesa para o desjejum.
Assim que iniciaram o desjejum Jan tomou a iniciativa da conversa:
-Pelo jeito que estava se movimentando hoje mais cedo dentro do seu quarto, sei que os exercícios de ontem à noite surtiram efeito.


-É verdade Jan. Ontem à noite eu nocauteei Holmes várias vezes. Cus ficaria muito orgulhoso.


-Maravilha! Então podemos falar sobre Holmes agora. Ontem você me questionou sobre ele. Pois bem, Holmes talvez seja o lutador certo numa época errada. Ele vem defendendo seu título com sucesso durante todos esses anos, mas a cada defesa bem-sucedida parece que ele vai ficando mais impopular. Mas sejamos honestos, a categoria dos pesados carece de grandes lutadores, compare com as duas décadas passadas, tivemos nomes como: George Chuvalo, Ron Lyle, Oscar Bonavena, Jerry Quarry, George Foreman, Joe Frazier, Sonny Liston, Floyd Patterson e o próprio Ali. Foram décadas de ouro para a categoria. E a atual? Eu diria que os grandes nomes se resumem a Holmes, Norton que já se aposentou e Earnie Shavers. Holmes já derrotou eles, em duras batalhas, assim, não sobraram ninguém interessante, e Holmes reina sem ter um desafio à altura. O que resta são caras grandes como Renaldo Snipes, Randall Cobb ou caras muito fortes como Mike Weaver, mas que do ponto de vista técnico, deixam muito a desejar.


-E o Holmes ainda fez aquela luta contra Ali, que foi triste de se ver....-completou Tyson.


- Aquilo foi talvez a maior fonte da impopularidade dele. Ele enfrentou um Ali já sem condições de se defender, foi quase um crime. Então imagine o público vendo o maior nome da história do boxe ser massacrado daquele jeito? Holmes acabou se tornando o grande vilão da história. E ainda completo: Holmes por ter o mesmo biotipo de Ali, e até por ter sido sparring dele na sua juventude, incorporou muito do seu estilo e técnica. Repare que se ele corre perigo num round, no assalto seguinte o que ele faz? Emula o jogo de pernas de Ali, fica saltitando e circulando pelo ringue jabeando, pra destruir toda  vontade e motivação do oponente. Tem gente que se irrita com isso. Principalmente depois da luta contra Ali. Então, tudo que Holmes faz....contará com a antipatia do público.


- E o Cus, que odeia o Holmes com todas as forças, diz que ele representa tudo o que o público não gosta de assistir numa luta. Holmes mantém o adversário à distância com aquele jab infernal, e evita a luta franca a qualquer custo. As lutas ficam repetitivas e monótonas.


- É um ponto de vista Mike. Cus sempre repete que o grande campeão deve ser empolgante. E nada é mais empolgante que um grande nocauteador, que não teme a troca franca de golpes.  Então, acho que Holmes talvez não tenha o reconhecimento que merece agora, vamos esperar o desenrolar da carreira dele para ver o que acontece. Mas na minha opinião, ele carece de alguma grande rivalidade para fazê-lo ser maior,ou pelo menos o público ter uma outra visão sobre ele, e infelizmente no momento isso não existe na categoria. Mas deixando o Holmes de lado, hoje vamos fazer algo um pouco diferente. Gostaria de rever uma luta com você agora, e em seguida poderíamos ir para o ringue trabalhar um pouco. O que acha?
- Por mim tudo bem Jan.

Eles se dirigiram até a sala, e quando Jan deu play no aparelho, Mike ficou um pouco perturbado, tratava-se de sua recente luta contra Tillman. Nessa época, Cus fazia questão de filmar todas as lutas amadoras de Tyson, e no dia em que ele ligou para Jan, ele se encarregou de deixar uma cópia com ele. Jan assisti aquela fita muitas vezes antes de Mike chegar.
-Espero que não se incomode Mike. Mas é vital para nosso trabalho rever essa luta, pois ela nos fornece muito material pra seu aprimoramento. Talvez seja um pouco doloroso para você, mas te garanto que depois disso, você estará em um outro nível. Tudo bem?


Mike não conseguia disfarçar seu desconforto, mas entendia que aquilo era necessário, e concordou em rever.
Vendo que Mike ainda estava incomodado, Jan tratou de conduzir a conversa:


-Mike, quero que saiba que eu acho o boxe olímpico uma porcaria. Muitas vezes acho um desserviço à maneira como conduzem esse esporte. Não tem como levar a sério um sistema em que um knockdown vale tanto quanto um jab. É estupido e descabido-Jan falava isso, porque além de realmente ser a sua opinião, sabia que Mike na primeira luta contra Tillman havia aplicado um knockdown logo no início do combate, e mesmo assim, perdeu por pontos.


-Bom, vamos lá Mike. Serão 9 minutos de desconforto pra você. Mans quero que preste bastante atenção na análise que irei fazer. A primeira coisa que vou apontar é o seu trabalho de pés. Veja como se comportou nessa luta.


Tyson não havia entendido muito bem o que Jan queria dizer. Vendo que Mike permaneceu em silêncio, ele indagou:


-Perceba Mike, você ficou saltitando demais, de um lado para o outro. Lembra do que falamos da asma? Quanto mais energia você puder poupar, melhor. Você não é Muhammad Ali, e seu estilo de luta não demanda esse tipo de movimentação. Isso será algo que trabalharei bastante com você. Irão te ajudar a não só poupar energia como também a encurralar, acuar seu oponente com uma facilidade e rapidez surpreendentes. Nesse jogo de gato e rato em cima do ringue Mike, conhecer os atalhos do quadrilátero é algo vital para o seu estilo de luta.


Mike não disse nada, mas seu semblante denotava que o desconforto ia desaparecendo, e no seu lugar uma cara de curiosidade ia surgindo.


-Continuando, vamos analisar o Tillman, ele é o protótipo dos que te esperam no profissional, um cara forte, grande e com braços e pernas compridos. O tipo de pugilista que procura evitar a luta na curtíssima distância a todo custo, se puder ele perde até um braço pra sair dessa situação, como se diz em minha terra natal.  Às vezes caras assim, são muito habilidosos em frustrar ataques na curta distância. Obviamente era o caso de Ali e Holmes. Ali era famoso por colocar seu antebraço esquerdo na garganta do adversário enquanto que a mão direita puxava a nuca, quase um estrangulamento. Holmes estendia os dois braços e colocava o tronco pra trás, e sem citar Foreman, que possuía uma força tão absurda que simplesmente empurrava o adversário para trás ou para os lados e ainda emendava um contra-ataque. E talvez aí esteja a beleza desse esporte. O confronto entre dois lutadores de envergaduras diferentes se torna uma grande partida de xadrez. O seu ponto forte é a fraqueza do rival e vice-versa. Um confronto de antagonismos, uma batalha de habilidades e vontade.  Como seu estilo só pode se desenvolver na curta distância Mike, você não tem escolha, basicamente nesse tipo de confronto você precisa vencer a distância que o separa do rival, e dentro do seu raio de ação você tem que infligir o máximo de dano possível. Precisa daquela união de velocidade, defesa e ataque. É muito difícil mesmo, e você tem o agravante da asma, então combates prolongados são sempre um ponto negativo para você. Cada oportunidade que seu rival consegue fugir de você sem que você o tenha ferido seriamente, significa que uma parcela significativa da sua energia foi drenada em vão. Precisa ter sempre isso mente.


Ao terminar de falar, Jan percebeu também que a luta de 3 rounds também havia chegado ao fim. Tratou logo de desligar o vídeo cassete e chamou Tyson para irem para os fundos da casa, para subirem no ringue.
Agora Jan realmente começaria a testar o jovem Tyson.

 

Continua...

 


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