Séries do Deustino: Dossiê dos Mutantes - Parte I de II: Vítimas ou Ameaça?




Antes de dar hate nesse artigo e dizer que eu sou um verme desprezível, entendam: eu sou sim fã dos X-Men. Eu cresci assistindo ao clássico desenho Evolution, que até hoje ocupa o meu podium de melhores animações já feitas. Mais tarde fui apresentado aos filmes mutantes, os quais me encantei com todos de imediato, até mesmo os mais questionáveis, como X3 e Origins (eu não conhecia as HQs na época, então não tinha noção da "atrocidade" que esses filmes faziam com os personagens). Quando eu tinha meus nove anos, comprei meu primeiro exemplar de Surpreendentes X-Men, publicado na saudosa X-Men Extra, escrito por Joss Whedon - sim, o mesmo assediador desprezível responsável por estragar Liga da Justiça: O Filme. Por incrível que pareça, ele dá um show nas HQs.

E, de lá pra cá, nunca mais parei. Li os volumes de X-Men Legacy, da fabulosíssima Uncanny - revista a qual retrocedi até a era dos anos 80 e li os principais eventos da franquia, bem como histórias menores, porém singelas. Meu conhecimento e amor pelo time chegou a tal ponto em que eu me tornei colaborador e mais tarde redator do hoje extinto Protocolos Xavier, um dos maiores sites da cultura mutante, com as biografias de praticamente todos os personagens que passaram pelas revistinhas¹.

Após ler tanto, ver todas as animações e conhecer a fundo a equipe, comecei a me perguntar se eles são realmente os melhores representantes das "minorias" "excluídas" da sociedade. Não é incomum - muito pelo contrário, é extremamente corriqueiro, vermos os mutantes - sejam bons, maus ou cinzas - se queixando da "opressão humana" que acontece "puramente por ódio e intolerância do homo sapiens". Na recente fase de Jonathan Hickman (meu roteirista favorito, aliás), isso é elevado à décima potência (literalmente) quando todos os possíveis futuros dos mutantes são exibidos e em literalmente todos (menos um) eles caem ante as máquinas intolerantes e supremacistas (descendentes dos humanos). Eles são torturados, transformados em armas, sofrem experiências e passam pelas mais terríveis situações "que o homem opressor certamente faria caso existissem mutantes". Até aí, tudo bem. Daí veio meu questionamento: será que todo esse ódio é puramente pela intolerância e fanatismo da direita humano?

Powers of X, uma das mais recentes sagas da franquia mostra pobres e inofensivos mutantes, como Apocalipse, sendo subjugados por máquinas e poderosos humanos em todos os futuros possíveis.

Homo sapiens vs. Homo neanderthalensis

As HQs e o excelente filme X-Men: First Class apresentam uma excelente analogia a qual eu terei o prazer de "deturpar" (ou seria: apenas mostrar sua real aplicação?) aqui nesse texto. Bom, o princípio mais básico da evolução, apresentado pelo ilustre Carlinhos Davi (conhecido pelos reles mortais como "Charles Darwin") diz que à partir do momento em que uma espécie evolui, a anterior se torna obsoleta, e, se não for considerada apta para sobreviver, é extinta. Isso aconteceu com os nossos irmãos Neandertais. Com o tempo, alguns deles começaram a sofrer mutações, e seu irmão mutante, o Homo Sapiens, era mais adaptado para sobreviver, criava ferramentas mais resistentes e tinha até um super-poder que os homens-macacos não tinham: a comunicação avançada. Nesse cenário, o Neandertal foi simplesmente apagado do registro da existência, uma vez que era uma espécie menos forte, apta do que nós. O básico da evolução é isso.

O neandertal foi o primeiro ser a oprimir a indefesa humanidade mais evoluída.

Pois bem, não sabemos o grau de inteligência ou consciência que esses seres teriam, mas o instinto natural de todo ser vivo é o de auto-proteção. Se nos sentimos ameaçados, digamos, por um animal feroz, acredite: não vamos pensar nos direitos dos animais, vamos atacar. Se formos atacados por alienígenas mega-inteligentes, não vamos ser amiguinhos deles. Essa é a natureza. Sim, a simples existência de homo sapiens mais evoluídos (ou homo superior) pode representar a extinção coletiva da espécie humana menos apta. Daí, surge uma corrida, não uma disputa entre o bem e o mal, mas uma corrida pela vida. Se a outra espécie for de fato mais evoluída ou apta, ela vencerá inevitavelmente - daí, começamos a ver na história dos X-Men certo irrealismo defendido em prol da agenda social. Os mutantes são adaptados para sobreviver em basicamente qualquer ambiente e qualquer circunstância. Pela lei da evolução, o ser humano subjugar esta espécie vai contra tudo o que Darwin e outros defenderiam. É, por definição, impossível. 

E como os humanos vencem os mutantes em todos esses futuros apocalípticos e distópicos? Por meio de máquinas mágicas que vão contra todas as regras que os autores daquele universo estabeleceram. Sim, máquinas de metal que derrotam o mestre do magnetismo, coleiras "inibidoras do Gene X", por mais sem sentido que isso seja e inteligências artificiais que são páreos para os inúmeros mutantes tecnopatas que as revistas apresentam - tudo isso sempre recheado de justificativas no mínimo questionáveis para não parecer tão absurdo. Mas isso nem é a questão. A pergunta que fica é: será que os humanos são mesmo maus por lutarem pela sua sobrevivência? Pois bem, a resposta a isso foi  dada recentemente em uma das piores - porém mais real - saga dos mutantes: a infame, a malfadada, a terrível...

Inumanos vs. X-Men



Sim, essa saga pode ter um roteiro, arte e fundo questionável, mas coloca os mutantes em uma posição em que eles nunca estiveram (não que eu me lembre) antes: a de espécie inferior. Caso você não conheça essa saga, em resumo, acontece o seguinte: as Névoas Terrígenas, que dão vida à espécie inumana causam uma doença fatal nos mutantes. Mas o pior é que duas dessas nuvens foram espalhadas no ar, o que ameaça a permanência dos Xs na face da Terra. Que dilema, não? Agora adivinhe o que eles fazem. Ao passo que alguns poucos se aliam aos Inumanos - até então pacíficos e compreensivos - a fim de buscar uma solução, uma grande maioria, incluindo o idolatrado Ciclopes, simplesmente parte para uma solução mais desesperada: destruir a nuvem. Sim, destruir o objeto o qual perpetuava a existência dos Inumanos no nosso planeta. Isso mesmo, caro leitor, os X-Men estavam dispostos a correr o risco de extinguir uma espécie "apenas" para sobreviver. Jovens mutantes odiavam jovens inumanos e a convivência tornou-se impossível até os dois grupos entrarem e guerra. Agora adivinhe qual lado o leitor-progressista-super-tolerante escolheu. Sim, o dos X-Men! Mas, espera... caçar, ameaçar de extinção e até tentar matar, não é exatamente a mesma coisa que os humanos faziam tão condenavelmente contra os mutantes? Quando essa equipe se coloca no lugar do "opressor preconceituoso", há desconto para atos de "ódio e intolerância"? Ou seriam os supostos "ódio e intolerância" apenas um instinto de sobrevivência?

Outro infame evento - o qual não explorarei a fundo aqui - que mostra que os Pupilos de Xavier estão dispostos a fazer de tudo para sobreviver e se impor é Vingadores vs. X-Men. Nessa saga, a Fênix (sim, a força cósmica que destruiu sistemas solares inteiros) veio à Terra e os Fabulosos quiseram usá-la para restaurar sua equipe, na época, à beira da extinção, graças ao bom senso da Feiticeira Escarlate. Mesmo que isso representasse o fim da vida na Terra. Sim, isso mesmo que você leu. De novo, os mutantes estavam dispostos a sacrificar espécies inteiras a fim de vencer a corrida pela vida. E, qual foi o lado mais escolhido entre os fãs? Exatamente, os mutantes. Volto a perguntar: sobreviver às custas da morte de outra espécie não é exatamente a mesma coisa que os humanos faziam tão condenavelmente contra os mutantes? Quando essa equipe se coloca no lugar do "opressor preconceituoso", há desconto para atos de "ódio e intolerância"? Ou seriam os supostos "ódio e intolerância" apenas um instinto de sobrevivência?


Para os mutantes, impedir que a
Terra se torne como esse planeta
é um ato de racismo.

Pois bem, pretendo me delongar mais nesse tema. A ameaça natural não é a única razão pela qual os Filhos do Átomo sofrem ódio e perseguição. Em breve escreverei uma "Parte II" desse artigo explicando outro ponto importante e analisando o contraste entre discurso/prática de suprematistas como Magneto, Xavier e Ciclopes. A reflexão que fica aqui é: será que o homem é mau e intolerante? Ou apenas lutam pela sobrevivência? E as minorias? Se algum dia se virem ameaçadas, vão reagir com o amor que pregam ou vão se igualar àqueles que eles tanto cancelam? Aliás, o cancelamento em si, não é uma forma de imitar os seus "carrascos inimigos fascistas"? Não deixe de comentar sua opinião!

¹Nota de rodapé: hoje os Protocolos Xavier estão hospedados no site Protocolos Marvel, site o qual tive o prazer de ser redator e administrador, em tempos passados.




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