Homo sapiens sapiens. O Nó Górdio da Evolução (?).



O surgimento de novas espécies a partir de um ancestral comum, a chamada Evolução, é um processo lentííííííííssimo (leia-se milhares, ou mesmo milhões de anos), gradual e cumulativo. A Evolução não dá saltos; sobe, a passo de velho coxo, pequeninos degraus.

As diferenças e as variantes estabelecidas pela Evolução, sejam elas de ordens morfológicas, fisiológicas, motoras ou mentais, entre duas ou mais espécies aparentadas, ainda que existentes e detectáveis, ou não seriam espécies diferentes, são muito pequenas, mínimas.

E essas diferenças não estão nos tipos de habilidade de cada espécie derivada, não há marcantes diferenças no conjunto de habilidades que essas espécies possuem para assegurar suas sobrevivência e reprodução. As diferenças estão no quão uma espécie é mais ou menos eficiente que as outras nas mesmas habilidades. De uma espécie para a outra, os ganhos evolutivos se referem basicamente ao acentuamento dessa ou daquela habilidade dentro de um conjunto delas comum a todos os filhos de um mesmo "pai".

Darei exemplos para tentar melhor me explicar, sem, no entanto, nutrir grandes esperanças de melhor ser entendido.

Tomemos a belíssima e mortal família Felidae, os felinos; e deixarei o gato doméstico fora dessa, uma vez que foi tocado e conspurcado pela mão humana para ter sido tornado no que hoje ele é.

Todas as habilidades dos diversos felinos são sincronizadas para um único objetivo : a caça, para serem exímios predadores. Assim sendo, todas as espécies selvagens dos bichanos possuem : apurados olfatos, audições e visões, massa muscular com grande poder de explosão, velocidade, agilidade, ferocidade, garras e dentes perfurocortantes e até padrões de pelagem que permitem que se confundam com o seu entorno. É um conjunto de habilidades comum à todas as espécies de felinos.

O lince pode até ter uma visão melhor do que, digamos, a da onça-pintada, mas não absurdamente melhor. Não o dobro, o triplo, ou dez vezes melhor. Em comparação com os outros felinos, o lince não chega a ser um Steve Austin, e nem reduz os outros a Mr. Magoos (quem tiver menos que 50 anos, e não tiver entendido, que se vire em pesquisar, não sou obrigado a ficar explicando referências).

O tigre-de-bengala pode até ter feixes musculares mais robustos que os do leão e suplantá-lo em velocidade e alcance do salto. Mas não ao ponto de humilhá-lo, de fazer o rei das selvas comer poeira. Ele não é duas, três ou dez vezes mais rápido que o leão. Em comparação com os outros felinos, o tigre-de-bengala não chega a ser um Ben Johnson, e nem reduz os outros a... um Ben Johnson sem doping (vale aqui as mesmas observações do parêntese anterior).

O leopardo-das-neves pode até melhor se mesclar ao seu ambiente que a jaguatirica, mas não exponencialmente melhor. Em comparação com os outros felinos, o lince não chega a ser um camaleão, e nem reduz os outros a pavões sob um dia de sol.

Ou seja, todas as espécies oriundas de um mesmo ancestral são capazes dos mesmos feitos, e apenas dos mesmos feitos, com graus variados de eficiência. O que era de se esperar, uma vez que cada espécie é uma variante de uma original.

O que poderia ser, nesse exemplo dos felinos, um tipo diferente de habilidade que só uma das espécies possuísse, o que poderia ser uma habilidade discrepante, um ponto fora da reta da Evolução?

Poderia ser, por exemplo, a suçuarana - e só ela -, de "uma hora pra outra" dentro da escala de tempo evolutivo, aprender a projetar e a construir armadilhas para capturar as suas presas. Algo assim seria possível? Provável ou plausível, talvez não; afinal, a suçuarana tem se virando muito bem fazendo o que faz. Mas possível, sim. Haja vista que a Evolução, segundo a Ciência, se dá ao Acaso, de modo aleatório. Se bem que, quando a ciência dos homens diz que um processo é aleatório, o que eu ouço e entendo é que aquele processo segue e obedece a um padrão que ela, a ciência dos homens, não é capaz de identificar.

De qualquer forma, se a suçuarana viesse, um dia, a construir armadilhas, não tenham dúvidas, outros felinos também estariam a desenvolver algo parecido dentro da mesma estratégia. Haveria arapucas melhores e piores, mas a suçuarana não seria a única a engendrá-la dentre os felinos. Não seria uma habilidade exclusiva dela, o que, caso fosse, a colocaria num patamar muito superior aos outros. E a Evolução prima pelo equilibrio populacional (sangrento, é verdade) das espécies; não pela hegemonia de uma delas.

Por isso, a ausência de saltos na Evolução; por isso, a insistência no moroso galgar de degraus, para que as espécies tenham oportunidade de um aprimoramento concomitante e equivalente, para que nenhuma espécie reine absoluta em seu ambiente.

Saltemos, então, ao nosso clã, o dos primatas, os nossos primos, os grandes primatas, o gorila, o chimpanzé, o orangotango, com os quais compartilharíamos uma ancestralidade comum. Igualmente aos felinos, todos eles contam com um conjunto de habilidades em comum, pouco mais ou pouco menos potencializadas, conforme a espécie. A exemplo, são todos gregários, vivem todos em bandos, com número parecido de indivíduos, com organização social, hierarquia e divisão de tarefas muito semelhantes. De novo, e em suma, o que um gorila consegue fazer, um orangotango, ou um chimpanzé, de forma melhor ou pior, também conseguem.

Chego, enfim, à exceção entre os primatas, à exceção em toda a natureza conhecida, inclusive : nós, o Homo sapiens sapiens. Nós somos a estratosférica discrepância do processo evolutivo, o ponto não só fora da reta como também distante anos-luz dela. Nós somos o nó górdio da Evolução.

Em pouquíssimo tempo da escala evolutiva (cerca de 100 mil anos), o nosso cérebro, apesar de não ter adquirido perceptíveis incrementos anatômicos e estruturais (de forma), sofreu um espantoso salto (a Evolução não se dá aos saltos) cognitivo (de funcionalidade). Salto inimaginável, brutal, inédito e, até agora, único no processo de formação de novas espécies. Que nos conferiu uma nova habilidade, inexistente em nossos primos, ou em qualquer outro animal de que se tenha conhecimento, e nos promoveu de Homo sapiens (o homem que sabe) para Homo sapiens sapiens (o homem que sabe que sabe).

Alguém, com a intenção de me refutar, poderia dizer que o tal salto cognitivo nada mais foi que um aumento de uma habilidade já existente, o pensar, e não o surgimento de uma nova; habilidade essa também presente nos outros primatas.

Pois digo que não. O que, inicialmente, foi só a potencialização de uma habilidade já existente, acabou por gerar, sim, uma nova habilidade. Única e exclusiva do Homo sapiens sapiens : a de TRANSFORMAR. Nenhuma outra espécie é capaz  de remodelar e adequar o ambiente às suas necessidades e comodidades. Nenhuma outra espécie é capaz de converter uma matéria prima, um recurso natural, em objetos ou mesmo em outros compostos, dando-lhes forma, composição e usos diferentes dos previstos e estabelecidos pela Natureza. Nenhuma outra espécie é capaz de criar novos materias, novas moléculas (o plástico e demais polímeros são emblemas disso) jamais sonhadas pela Natureza. Nenhuma outra espécie é/foi capaz de ocupar toda a territorialidade do planeta, foi/é capaz de sobreviver em meios aos quais não sejam morfo e fisiologicamente adaptadas. Nenhuma outra. Absolutamente, nenhuma outra. Não é estranho, ou, no mínimo, curioso e intrigante?

Ainda que fôssemos os mais evoluídos entre os nossos primos primatas, se fôssemos um produto natural da Evolução, das duas, uma : ou haveria outros macacos capazes de realizar, ainda que de forma mais primitiva, precária e menos refinada, os mesmos feitos que nós, ou nós também, igualmente a eles, não seríamos capazes de realizá-los.

Começo por um exemplo básico : o fogo. Nenhum outro primata, ou mesmo outro animal, conseguiu até hoje dominar o fogo e dar-lhe os mais diversos usos. Nós sabemos produzir o fogo e o utilizamos desde para queimar hereges até para alimentar e movimentar imensos complexos siderúrgicos. Fôssemos, de fato, um produto natural da Evolução, o chimpanzé, nosso primo genético mais próximo, detentor de um DNA com 98,4% de similitude ao nosso, não teria de ser capaz de, ao menos, saber fazer fogo pelo atrito de dois gravetos secos e usá-lo para iluminação, cozimento de alimentos e defesa contra predadores?

O Homem colocou o homem na Lua. Fôssemos, de fato, um produto natural da Evolução, o chimpanzé, nosso primo genético mais próximo, detentor de um DNA com 98,4% de similitude ao nosso, não deveria, ao menos, já ter inventado o 14-Bis, ou estar empenhado nisso?

A maior tecnologia desenvolvida pelo Homo sapiens sapiens : a escrita. Fôssemos, de fato, um produto natural da Evolução, o chimpanzé, nosso primo genético mais próximo, detentor de um DNA com 98,4% de similitude ao nosso, não deveria, ao menos, estar a pintar cachos de banana em paredes rochosas?

Alexandre, o Grande, resolveu a questão da indesatabilidade do nó górdio de uma maneira muito simples, não obstante, e por isso mesmo, engenhosa e genial, e de macho das antigas : cortou-o ao meio com um golpe de sua espada. 

Dou o mesmo tratamento e solução para o nó górdio da Evolução, que somos nós; não com uma espada, mas com minha marreta e vos digo : nó górdio da Evolução é o caralho! Não somos um ponto fora da reta (e uma bola fora) da Evolução; tão-somente porque não somos um produto natural Dela. Simples e desgraçadamente assim.

Yuval Noah Harari, autor do excelente e obrigatório, apesar de best seller, "Sapiens", fala magistralmente deste salto cognitivo único sofrido pelo cérebro do Homo sapiens e que o tornou em Homo sapiens sapiens. A certa altura do texto, o autor pergunta ao leitor : o que teria provocado ou levado a esse incremento cognitivo sem precedentes ou subsequentes, sem possíveis parâmetros comparativos? O que teria feito com que uma mesma máquina, do "dia para a noite", aumentasse em milhares de vezes a sua eficiência? E o próprio Yuval Noah Harari, responde : "francamente, nós não sabemos".

Francamente, acho que o autor não esteja sendo tão franco assim. Acho até que ele conhece a resposta, ou, pelo menos, tem sérias desconfianças a respeito dela, mas não quis se arriscar em expô-la, sob pena de seu livro não ser visto como uma obra séria, o que de fato o é; séria e admirável.

E talvez, a resposta nem precise mesmo constar no livro Sapiens. Talvez, e muito provavelmente, a resposta já nos tenha sido dada há algumas décadas, em um outro livro, em um outro best seller, o "Eram os Deuses Astronautas?", do suiço Erich von Däniken, defensor da Teoria dos Antigos Astronautas.

Mas esse é um assunto para ser conversado sob uma única condição e circunstância : tomando uma gelada; várias, de preferência. Melhor e mais apropriado ainda : entornando uma garrafa de absinto.




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