Mulher-Maravilha 1984 é o novo Superman III? - Crítica com spoilers




Enfim, depois de um tempo, finalmente consegui assistir a Mulher-Maravilha 1984. Claro que não fui ao cinema para dar mole para o covidão. Vi o filme por meio não oficial mesmo. O longa está dividindo muito as opiniões. Uns estão comparando com Batman vs Superman, mas acho que a comparação mais justa é com Superman III.

Inclusive, a semelhança com Superman III já começa na cena do início, em que a Mulher-Maravilha ajuda várias pessoas de forma incógnita, uma vez que, de acordo com a cronologia de Batman vs Superman, o mundo desconhecia a heroína publicamente, e impede um assalto em um shopping. Essa cena em plano-sequência lembra muito a abertura de Superman III, em que Clark Kent impede vários desastres sem ninguém ver, enquanto caminha para o trabalho.



https://www.youtube.com/watch?v=P9BwmdEfrDk

Pessoalmente, eu gostei mais do primeiro filme da amazona, mas essa sequência também tem sua relevância como entretenimento. Acredito que ambos os filmes têm suas qualidade e seus defeitos. O primeiro é um drama/aventura de guerra e o segundo, uma aventura descontraída nos coloridos e exagerados anos 80. Uma coisa pode-se dizer que Mulher-Maravilha 1984 faz melhor que seu predecessor, que é desenvolver os vilões. A Doutora Veneno e o general nazista do primeiro filme (apesar da história se passar na Primeira Guerra Mundial, ele tinha todo o jeitão de nazista) eram vilões bem caricatos, pareciam o Tico e Teco evil. E o Ares é bem o vilão ex machina que só aparece no final do filme. Em Mulher-Maravilha 1984, tanto Barbara Minerva quanto Maxwell Lord são “vilões” bidimensionais, com background. Concordo que seu desenvolvimento pode ser acidentado e até forçado em alguns momentos, mas são personagens com mais presença, e não apenas antagonistas de ocasião. Não que eu ache que vilões sempre devem ter background e tal. Vilões que são apenas vilões, sem tanta complexidade, acho uma coisa legal também.








Barbara Minerva, a Mulher-Leopardo, dispensa apresentações. Na verdade, nem tanto, porque a maioria dos “civis”, espectadores do cinema que não leem quadrinhos, não faz a menor ideia de quem é a personagem. Ela é mais conhecida por aparecer no antigo desenho dos Superamigos, como membro da Legião do Mal de Lex Luthor, e pior que aquela Mulher-Leopardo do desenho nem é Barbara Minerva, mas sim Priscilla Rich, a Mulher-Leopardo original, da Era de Ouro. A Barbara mesmo foi criada no pós-Crise nas Infinitas Terra, por George Perez. Pessoalmente, prefiro a origem dela nos quadrinhos, em que ela ganha os poderes da Mulher-Leopardo após tocar no laço da Mulher-Maravilha e ser alvo da magia africana de um anão mangina. No filme, Barbara, interpretada por Kristen Wiig, parece a protagonista de uma comédia romântica, em que a personagem começa sem atrativos e vai ficando mais bonita, estilo Betty, a Feia. Apesar de ser a arqui-inimiga da Mulher-Maravilha, a Mulher-Leopardo nunca teve muito destaques entre os vilões da DC, sendo considerada uma vilã quase de segunda categoria. A verdade é que a Mulher-Maravilha tem inimigos muito mais poderosos que a Mulher-Leopardo; porém, ela se destaca por estar sempre presente nas inúmeras fases da amazona nos quadrinhos e por sua ferocidade, agressividade e tenacidade, além do ódio intenso contra Diana. No entanto, a Mulher-Leopardo já tomou uma surra até da Mulher-Gato. Uma curiosidade é que, nos Novos 52, na HQ Alienígena Americano, é Barbara quem provavelmente tira a virgindade do jovem Clark Kent, após terem um envolvimento.



Por sua vez, Maxwell Lord não é necessariamente um vilão da Mulher-Maravilha. Eu gostava mais do personagem na época da Liga da Justiça Internacional de Keith Giffen, quando ele era um empresário sem escrúpulos, mas que não chegava a ser um vilão de fato. Ele apenas foi elevado à categoria de vilão durante a saga Crise Infinita. Entretanto, Maxwell Lord é o antagonista de uma história importante da Mulher-Maravilha, em que a amazona é obrigada a matá-lo para impedir que ele continue a controlar o Superman mentalmente. No filme, Maxwell Lord é interpretado por Pedro Pascal.

O enredo do filme a bem da verdade é bem simples. Diana trabalha como especialista em um laboratório de estudos arqueológicos, é sua “identidade secreta”, e lá faz amizade com Barbara Minerva, outra pesquisadora, que na realidade é uma mulher sem atrativos, mas com um grande coração. Barbara inveja sua amiga por ser tão deslumbrante e ser alvo da paquera de todos os homens no laboratório. Mulher-Maravilha 1984 é o filme com mais gados da DC. Nunca vi um filme com tanto personagem gado assim.

No entanto, uma pedra aparentemente sem valor é encontrada e levada para o laboratório. A pegadinha é que a pedra é criação de um deus da trapaça grego, tipo uma versão helênica de Loki. Na realidade, essa pedra é uma referência ao Cristal do Caos, que apareceu em uma HQ de Batman/Superman na fase dos Novos 52. E o deus da trapaça na verdade seria o Duque da Decepção, um velho inimigo mitológico da Mulher-Maravilha, que de vez em quando dá as caras. Para piorar, tanto Diana quanto Barbara fazem inadvertidamente desejos para a pedra. Diana deseja que seu amado Steve Trevor, vivido por Chris Pine, volte à vida e Barbara deseja ser notada e se tornar mais teúda e manteúda, e ambos os desejos são atendidos. No caso de Diana, um dos gados que ficavam a persegui-la revela-se como Trevor, que encarnou em um cara aleatório. Barbara começa a ficar mais atraente e confiante, chamando a atenção dos outros gados do laboratório.


A história complica-se mais ainda quando Maxwell Lord, que na realidade estava falido, mas não queria parecer um fracassado para seu filho, de alguma forma fica sabendo que a pedra tem poderes de conceder desejos. Aproveitando-se por ser um dos doadores do laboratório, Maxwell seduz Barbara e dá uns pegas nela, apenas para conseguir apropriar-se da pedra. Ao fazer isso, ele manifesta o desejo de tornar-se a pedra, o que prontamente acontece. Assim, Maxwell Lord transforma-se no homem objeto do desejo. Agora ele realizará os desejos de outros para obter vantagens pessoais. Vale a curiosidade que o sócio de Maxwell é Simon Stagg, conhecido também como o “sogrão” do Metamorfo.


Diana e o redivivo Steve Trevor começam a investigar a história da pedra, com o auxílio de Barbara Minerva, e descobrem que esta é um artefato do fim do mundo. Quem fica muito contrariada com essa história é Barbara, que não quer de maneira alguma voltar ao que era antes. A Mulher-Maravilha e Trevor conseguem localizar Maxwell Lord no Oriente Médio, mas fracassam na tentativa de fazê-lo desistir do poder da pedra. Para piorar mais ainda, Maxwell consegue entrar em contato com o presidente dos EUA, um misto de Ronald Reagan e Donald Trump, e consegue fazer com que o mandatário profira seu desejo de destruir as nações inimigas e seus rivais de armas nucleares; particularmente, a União Soviética. Lamentavelmente, a Mulher-Maravilha e Steve Trevor não conseguem impedir Maxwell na Casa Branca porque Barbara Minerva aparece e entra em confronto com a amazona, que está enfraquecida.

Compreendendo que Diana não está conseguindo pensar claramente, em razão do amor dela por ele, Steve Trevor enfim consegue fazê-la compreender que ela nem ninguém tem o direito de arruinar o mundo por conta de um desejo egoísta. Com dor no coração, a Mulher-Maravilha renuncia a seu desejo e Trevor pode partir para o além. Então, vem o momento fanservice do filme, com a Mulher-Maravilha usando sua armadura de O Reino do Amanhã, que no filme foi pertencente à amazona Astéria. Diana enfim enfrenta Barbara Minerva como Mulher-Leopardo, em uma breve luta. Isso inclusive lembra Superman III, quando aparece outra vilã ex machina, a irmã do bandido do filme, transformada em um Brainiac dos pobres. A resolução de Maxwell Lord também é à la Superman III, pois é seu filho que o faz desistir de ser o concedente de desejos, igual ao filho da Lana Lang fazendo o Superman voltar a ficar bonzinho.










Ao fim, tudo volta mais ao menos ao normal, e o mundo está salvo. E Diana reencontra o cara que incorporou Steve Trevor e fica subentendido que eles terão um relacionamento e ele será o gado dela. Ainda há uma cena entre os créditos de fanservice, em que Lynda Carter aparece como Astéria. 



Falando em fanservice, não dá para deixar de lado a referência ao famoso avião invisível da personagem, e, da forma que fizeram, até que ficou crível. Na verdade, desde que começou a voar, a Mulher-Maravilha ter um avião invisível tornou-se algo meio inútil. A heroína também apresenta um poder que, pelo que me lembro, ela não tem nos quadrinhos, que é fazer uma teia de relâmpago, tipo o Homem-Aranha. No primeiro filme, ela também tem um poder inédito, que é o kamehameha que solta no Ares. Está certo que, em Superman II, ele tem aquele poder de jogar o símbolo que se agiganta em cima dos vilões e ninguém falou nada, mas era uma época em que os fãs eram menos exigentes.



Outro ponto meio polêmico do filme foi a forma como Steve Trevor volta, incorporando em um cara que já existe. Até acusaram a personagem de ter praticado abuso sexual. Poderiam ter feito igual a Camelot 3000, que seria Steve Trevor reencarnado, mas a verdade é que os americanos não gostam muito da ideia de reencarnação. O espiritismo não pegou lá como aconteceu aqui.

No meu entender, Mulher-Maravilha 1984 é inferior ao primeiro filme, apesar de também ter uma trama simples, mas que, em contrapartida, desenvolve melhor os personagens. Gal Gadot não é uma atriz excepcional ao meu ver, mas é inegavelmente carismática e fica à vontade no papel. Patty Jenkins é uma diretora muito competente e mais uma vez se esmera na direção. Infelizmente, a pandemia não possibilitou que este filme alavancasse nas bilheterias, mas parece que está indo bem no streaming.

A crítica ficou bem dividida quanto ao filme, e devo admitir que, sim, ele está longe de ser perfeito, há algumas cenas piegas e constrangedoras, bem como alguns problemas de estrutura narrativa, além de certa “barriga” lá pelo segundo ato, particularmente na relação da Mulher-Maravilha com Steve Trevor. Entretanto, para quem não for muito criterioso, o filme pode sim proporcionar diversão. A verdade é que, via de regra, a crítica sempre costuma ir de encontro ao gosto dos fãs, e nesse caso não foi diferente.

Se há uma dúvida se o filme tem “lacração” ou não, devo dizer que, hoje em dia, quase tudo na cultura pop tem lacração, e a tendência é ter cada vez mais. Quem não quiser ver lacração, tem de só assistir filmes e séries e ler HQs até mais ou menos os anos 2000, porque depois disso a lacração chegou forte. No entanto, Mulher-Maravilha 1984 é bem menos “femista” que uns filmes mais recentes de super-heroína. Claro que é inevitável comparar com o filme da Capitã Marvel, que é muito femista, tanto que emascularam o Mar-Vell para ela não receber seu poder de um homem e o Samuel L. Jackson virou um sidekick imbecil como Nick Fury, além da ausência de um interesse amoroso para a personagem, coisa incomum nesse tipo de filme. Aves de Rapina, também achei bem femista, uma vez que quase todos os homens do filme são caracterizados como maus ou potenciais abusadores de mulheres. O único homem mais bonzinho no filme é o capanga que salva a vida de Helena Bertinelli, a Caçadora, quando criança depois de assassinar os pais dela. Até o tiozinho chinês ao final trai a Arlequina.

Quando assisti ao primeiro Mulher-Maravilha, até defini que o filme apresentava um “feminismo de consumo”, mas creio que a conceituação da Mulher-Maravilha por seu criador, William Moulton Marston, demonstra o feminismo na prática. Diana sai de Themyscera, uma ilha que seria o ideal feminista, para ir ao mundo dos homens. Então, ela fica abismada e pensa: “Meu Deus, existe um mundo em que homens e mulheres coexistem e precisam se entender! Que coisa, nunca achei que isso fosse possível!”. No meu entender, isso aí é que é o feminismo na prática.

No mais, Mulher-Maravilha 1984 é um bom filme blockbuster para se divertir de forma despretensiosa. Mas não espere um Superman de Richard Donner ou um Cavaleiro das Trevas de Christopher Nolan. Ele seria mais similar a Superman III, mas adaptado para a atualidade. Nota 6,5 de 10.

 





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