Não era a tia do Batman! Era a tia do Robin!




Acredito que a maioria dos batmaníacos, pelo menos os mais veteranos, deve se lembrar da famigerada tia Harriet da celebrada série de TV do Batman de Adam West, nos anos 60. Pessoalmente, essa era a personagem que eu mais detestava no seriado, basicamente porque ela era muito idiota. Não fazia nada de útil e vivia enchendo o saco de Bruce e Dick, frequentemente os atrapalhando em seu ofício de justiceiros mascarados. Quando não estava fazendo isso, estava dando em cima do Alfred, louca para levar uma sapecada dele, ou fazendo alguma outra coisa imbecil, como organizar evento de chá de comadres ou algo do tipo. Eu ficava me perguntando o que a chata da tia Harriet fazia na série e por que tinham inventado uma personagem dessas.


Tia Harriet também ficou famosa por ser a musa do Coringa na antológica dublagem da Feira da Fruta. Tanto que o objetivo principal do Joker, do palhaço, do bobo, era “comer a tia do Bátema”. No entanto, o que nem todo mundo sabe é que ela não é a tia do Batman, era a tia do Robin! No entanto, a dúvida do Coringa é compreensível, pois tanto Bruce como Dick a chamavam de tia na série. E a tia Harriet inclusive é canônica nos quadrinhos, tendo sua primeira aparição em Detective Comics no 328. Trata-se de Harriet Cooper, irmã do John Grayson, pai do Dick.



A introdução da tia Harriet nos quadrinhos foi bastante bizarra. Ela apareceu para substituir Alfred, que tinha sido morto. Sim, foi uma ideia para lá de estúpida; já era uma estupidez matar o Alfred, mas substituí-lo por uma tiazinha era a cereja do bolo de merda. Apesar de que, do ponto de vista da personagem, fazia sentido ela ir morar na Mansão Wayne. Afinal de contas, seria muito estranho deixar seu sobrinho adolescente morar sozinho com um homem mais velho. O problema é que tiraram a tia Harriet do reto; de uma hora para outra, Dick passou a ter uma tia.



Ao contrário de Alfred, que sabia a identidade da Dupla Dinâmica, tia Harriet ignorava isso, e uma das dificuldades dos heróis era sair para combater o crime sem que a velha percebesse. Obviamente, os leitores ficaram putos da vida por terem matado um personagem que todo mundo gostava e o substituído por uma que foi detestada pela maioria. Não é de hoje que os editores e os roteiristas de quadrinhos fazem cagadas; naquela época, já faziam. Está certo que sou um saudosista e acho muitas das histórias atuais execráveis, mas não dá para negar isso.


Me pergunto se a tia Harriet teve certa influência da tia May do Homem-Aranha. Acredito que sim; há algumas semelhanças entre as personagens. Depois dizem que é só a Marvel que copia a DC.



A solução dos roteiristas e dos editores foi “ressuscitarem” Alfred. Tia Harriet voltou a ficar dispensável (na verdade, sempre foi), mas ainda assim ela permaneceria na Mansão Wayne por mais algumas histórias, antes de partir de mala e cuia e não deixar saudades.


Entretanto, quando a série do Batman dos anos 60 foi produzida, tia Harriet voltou ao holofotes. A diferença é que sua personalidade agora estava “full” galhofa. Tinha se transformado em doce e atrapalhada senhora, que parecia até uma autista e não percebia nada o que acontecia na Mansão Wayne. Tia Harriet foi interpretada por uma grande atriz, Madge Blake; deve-se fazer justiça à atriz, que viveu os primórdios de Hollywood e faleceu em 1969, pouco depois de a série ser cancelada. Apesar de a personagem continuar idiota na série, até que ela calhava bem, porque, a bem da verdade, tudo era idiota na seriado, essa é a verdade, mas idiota na melhor acepção possível. No clima galhofa e camp da série, tia Harriet não ficava deslocada.

No entanto, fica a pergunta, por que a DC quis criar tia Harry e substituir Alfred por ela? Tenho minhas teorias, mas acho que a razão principal foi que porque acharam que, com uma tutora, Bruce e Dick teriam o carma do homossexualismo amenizado. Sim, lógico que sei que eles são heteros; porém, graças ao infame livro A sedução do inocente, de Fredric Wertham, a sexualidade dos personagens esteve muito tempo sob escrutínio. Na verdade, eternamente estará, pois a série de TV dos anos 60 também não ajudou muito, e o anedotário gay sobre o Batman sempre existirá.




Inclusive, a bem da verdade, os criadores da época contribuíram muito para a fama de homossexualidade da Dupla Dinâmica. É só ver algumas das histórias da época. Acredito que alguns exemplos realmente sejam mais de certa inocência, mas outros são mais descaradamente maliciosos. Minha teoria é que os roteiristas e desenhistas gostavam de colocar Bruce e Dick em momentos vexatórios como uma forma de vingança contra os editores da DC Comics (à época, National Publications), uma vez que sabidamente os criadores de quadrinhos não tinham muitos direitos naqueles tempos e muitas vezes tinham seu talento criativo explorado.


O próprio Alfred foi introduzido nos quadrinhos um pouco tardiamente. Ele surgiu na série de matinê de Batman e Robin nos anos 40 e só depois foi ter seu debut nas HQs. Nas primeiras histórias, Bruce e Dick viviam sozinhos na Mansão Wayne, o que é uma coisa muito estranha de se pensar. Um homem adulto e um menino morando sozinho, não realmente sendo pai e filho. Com Alfred, meio que se estabeleceu o status quo dos moradores da Mansão Wayne e da Batcaverna: Bruce Wayne/Batman, algum dos vários Robins (Dick Grayson, Jason Todd, Tim Drake, Damien Wayne etc.) e Alfred. A única que tentou furar o clube do Bolinha foi a tia Harriet, e não foi bem-sucedida.





Tia Harriet não foi a única tentativa de amenizar o carma gay da Dupla Dinâmica. Houve a introdução da Batwoman e da Batgirl originais, Kathy Kane e Bette Kane, mas os efeitos disso desencadearam mais galhofa, na verdade. O puritanismo da Era de Prata arrefeceu o romance meio proibido de Batman com a Mulher-Gato, um combatente do crime com uma ladra. Claro que esse não foi a única razão para a criação de Batwoman e Batgirl; havia a intenção de converter as meninas em leitoras de quadrinhos de super-heróis.  Em tempos de lacração e representatividade, nada disso é novidade. Inclusive, a Supergirl foi criada pela mesma razão. A diferença é que, no fim das contas, a DC poderia prescindir desse público de leitoras, se fosse o caso. Hoje em dia, não pode por razões políticas e ideológicas.

Dessa forma, apenas conseguiram amenizar a aura gay do Batman na fase de Dennis o’Neil e Neal Adams, quando ele se tornou o macho alfa deus do amor sem camisa, pegando a Talia e outras mulheres. Atualmente, Batman está o maior “pinto louco”, conseguindo mais mulheres que o Oliver Queen, o Arqueiro Verde, e Hal Jordan. Está certo que o objetivo do Batman não é pegar mulher, ele tem sua missão, mas, aparecendo na frente, não perdoa. Apesar de que, nessa última fase escrita por Tom King, o Cavaleiro das Trevas meio que foi transformado em um “mangina” da Mulher-Gato. Dick Grayson depois também ficou pegador, passando o rodo na Estelar, Barbara Gordon, Caçadora, Tarântula etc.

É estranha a ideia de que Bruce e Dick devam ser tutelados por uma autoridade paternal ou maternal, mas essa é que a verdade. Alfred na época era apenas um mordomo, mas isso mudou muito ao longo dos anos. Atualmente, Alfred não é um simples mordomo, mas uma representação paterna para Bruce. Ele na verdade não é nem um homem comum. Há versões de Alfred com passado de agente do MI 6. Além de ele ter um talento dramático considerável e quase ter sido um ator shakespeano, pois sua mãe era atriz de teatro. Alfred ainda presta auxílio tático para o Batman. Em suma, Alfred é o personagem coadjuvante mais importante das histórias do Cavaleiro das Trevas. Pode-se até prescindir do Robin, mas não do Alfred.

Depois de tantos anos, tia Harriet foi propositalmente esquecida, pois, vamos combinar, seria questionável que a única parente viva de Dick Grayson permitisse que ele fosse adotado por um playboy ricasso solteirão. Ademais, ao contrário do Batman das eras de Ouro e Prata, que decidiu adotar um órfão como sidekick porque sim, o atual precisaria de uma motivação melhor para isso, que seria direcionar a raiva de Dick por não ter mais família. Isso funciona também com Jason Todd, mas com Tim Drake é complicado, visto que, apesar de a mãe dele ter sido logo assassinada pelo Homem Obeah, o pai de Tim viveu muitos anos até ser morto pelo Capitão Bumerangue em Crise de Identidade, e é estranho que Batman permitiria que Tim fosse o Robin tendo um pai que obviamente não aprovaria que ele arriscasse sua vida como um sidekick.

Na verdade, tia Harriet ainda pode ser vista em tempos mais recentes, mas apenas na HQ Batman 66, que homenageia a série clássica, e nas duas animações que tiveram dublagem de Adam West e também referenciavam o seriado dos anos 60.

Enfim, esclarecendo a confusão, a tia Harriet não é a tia do Batman, é a do Robin, e alguém deveria fazer o favor de dizer isso ao Coringa, pois acredito que ninguém quer comer a tia do Robin, nem no Badoo.




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