Crítica: Predadores Assassinos



PREDADORES ASSASSINOS
por Joba Tridente
publicada originalmente em Claque ou Claquete

Conheci e comecei a gostar de filme trash ainda no tempo do VHS (lembra?) e ampliei meu conhecimento e gosto com o advento da internet. O primeiro deles, O Ataque dos Tomates Assassinos (1978), eu nunca esqueci. Depois vieram o adorável Papai Noel Conquista os Marcianos (1964); Evil Dead - A  Morte do Demônio (1981); Re-Animator - A Volta dos Mortos-Vivos (1985); Carnossauro (1993); Sharknado (2013); entre outros clássicos do gênero. Foi pensando nesse prazer que aflora entre um filme cabeça e um de ação e aventura que decidi dar uma chance ao Predadores Assassinos (Crawl, 2019), após assistir, sem querer, a pedaços do trailer que remetem ao cinema bagaceira.

Como qualquer fã sabe, o cinema trash (de raiz) tem o impacto do horror engraçado e do humor apavorante, que te ganha pelo exagero e deficiência técnica em geral, incluindo a orçamentária. Não é uma arte de fácil domínio, já que tem uma “doutrina” própria que é muito “imitada”, mas poucos realizadores chegam a um resultado satisfatório. O que não quer dizer que famosos diretores (involuntariamente?) não tentem, como o alemão Roland Emmerich (2012, Independence Day - O Ressurgimento).


Digo isso porque não creio que fosse essa a primeira intenção do diretor francês Alexandre Aja e dos roteiristas Michael e Shawn Rasmussen, ao colocar em cena uma jovem estudante universitária e nadadora insegura (bem pensado, hein?!), Haley Keller (Kaya Scodelario), que, em meio ao alarme de um furacão de categoria 5, viaja até a região pantanosa de Coral Lake, na Flórida, enfrentando vento e chuva torrencial, à procura do pai Dave Keller (Barry Pepper) e, quando o encontra, acaba ficando presa com ele e o cachorro Sugar numa casa inundada e rodeada por jacarés imensos. Aí, ou nada ou nada de salvação!

Bem, o argumento pode até ter sido pensado para um filme de terror que fizesse o público (adolescente) sensível quebrar o dedinho, morder o dedão ou arrancar os olhos de tanto medo..., porém, com um enredo que beira o absurdo, em vez de uma trama tensa e apavorante (até tem algumas cenas, mas não é para tanto), o que se assiste é um drama-catástrofe (muito previsível) e até divertido, já que (inconscientemente?) o diretor se apropria de todos os clichês do gênero catástrofe-trash, com algumas situações e diálogos pra lá de estúpidos.


Ora, mesmo quem não é norte-americano ou mora em regiões sujeitas a furações e tornados sabe que atrás da ventania sempre vem uma enchente e ou um tsunami e que, por isso, soa um alarme com certa antecedência para evacuar a população da área de risco o mais rápido possível. Toda via dos moradores teimosos em descumprir a ordem oficial, porém, ou a falta de sinal de advertência, pode gerar consequências que, se bem adaptadas cinematograficamente (e Hollywood nunca perde o foco do quanto pior a tragédia, maior a bilheteria!), podem resultar em bons filmes, como o espanhol O Impossível (2012), de Juan Antonio Bayona, ou em deliciosas bagaceiras, com seus heróicos protagonistas egoístas que só pensam em salvar a própria família. Ah, a família estadunidense e suas tragédias pessoais e patrimoniais!


De volta aos mistérios dos pântanos norte-americanos, segundo minha memória afetiva, Alligator (1980), de Lewis Teague, foi o primeiro bom filme sobre jacarés assassinos que vi e que, se não me engano, abriu caminho para dezenas de produções crocodilianas (já numa pegada mais trash) que vieram depois..., onde incluo Predadores Assassinos.

Explico: embora seus recursos financeiros e efeitos especiais sejam bem melhores que aqueles dos irresistíveis filmes da Asylum, em seu indefectível momento divã, o enredo não deixa de apelar para o “emocionante” acerto de contas em família (disfuncional). Assim como em qualquer filme trash que se preze, na hora mais tensa (com o céu desabando, prédios ruindo, ETs e outros monstros atacando, água no nariz, fogo nas partes íntimas), um pai ausente vai (sempre!) discutir a desconfortável relação com um(a) filho(a) cheio de culpas. Aqui, Haley e Dave também vão precisar curar mágoas passadas e mal-entendidos entre eles e o resto da família. Os jacarés que esperem a sua vez de atacar e ou de se consultar. A hora da psicanálise cinematográfica é sagrada! Primeiro a catarse e o perdão e depois a salvação da família, se der tempo..., geralmente dá!


Por mais que tente (?) se levar a sério, assim como o espanhol Jaume Collet-Serra com o seu tubarão territorialista em Águas Rasas (2016), Alexandre Aja raramente consegue criar um clima de terror convincente, de pânico arrepiante, com seus jacarés gigantes (em CGI) atacando a dupla protagonista (com suas ideias estúpidas de sobrevivência) e os coadjuvantes (com suas ideias estúpidas de se dar bem na vida). A mim, pela enfadonha previsibilidade, os ataques provocaram mais risos do que pavor. Também porque (e não podia ser diferente) o ataque “sangrento” dos répteis varia conforme os elencos: para um, qualquer abocanhada é suportável (?) e, não importando a intensidade e o tamanho do estrago físico, lhe dá mais ânimo e agilidade para lutar heroicamente contra a gigantesca ameaça assassina que vem do pântano; para outro, uma mordiscada é fulminante. Uau! Isso dói! Mas só quando rio no rio!

O que não quer dizer que a parte mais sugestionável do público (adolescentes?) não possa se assustar, sentir calafrios, ter pesadelos com corpos destroçados e ou querer ficar longe de rios e pântanos, principalmente se não for um nadador competitivo. Se bem que tenho minhas dúvidas quanto a eficiência do medo induzido pela trilha sonora, já que não é preciso ser nenhum cinéfilo para saber quem vai ser a próxima vítima e de onde virá o ataque dos crocodilos..., principalmente em algumas sequências ridículas (como a da escada). Será que não ter ideias ridículas ajuda? Alguém que não pense tolices pode confundir um jacaré estadunidense, mas será que confundiria um crocodilo norte-americano?


Enfim, considerando o roteiro tosco (quem em sã consciência faria um escoamento de água daquele tamanho e num porão?) e linear, sem nenhuma novidade e ou sequer reviravolta; a infalível mensagem de superação (jornada da heroína por águas infestadas de jacarés: melhor motivação não há); a exaltação dos valores da perseverante família americana; o excesso de clichês que inclui até mesmo um cão de estimação (você nem imagina o que vai acontecer com o pet...); os furos de continuidade e maquiagem; bons efeitos especiais e boa dupla de protagonistas..., ainda que o suspense seja pífio, Predadores Assassinos cumpre o que promete: corpos despedaçados e uma boa dose de sangue para quem não espera muito desse tipo diversão com algum susto (ou vice-versa)!

Ah, e é curtinho, não chega nem a 90 minutos (bem menor que a minha resenha). Para que mais? Cachê de jacaré tá caro, de fazer rolar lágrimas de crocodilo! Sei, essa foi de doer. Mas é pra ir entrando no clima trash de autoajuda insana!


 *Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeos-documentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado em Curitiba, no Paraná, Brasil.

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