Crítica: O Menino Que Fazia Rir



O MENINO QUE FAZIA RIR
por Joba ridente
publicada originalmente no Claque ou Claquete

Após uma certa idade, a gente sempre acha que o nosso ontem era bem melhor que o nosso hoje..., principalmente em comparação com a infância, antes tão lúdica e agora tão eletrônica. Há uma frase, ou melhor, um questionamento emblemático, feito aos frequentadores das redes sociais, que me arrepia toda vez que penso nele (desde que o encontrei no Face Book) e que, assim como eu, duvido que até mesmo quem o fez tenha a resposta para: “Você se lembra qual foi a última vez em que saiu para brincar com os seus amigos?” Infelizmente não me lembro de quando deixei de ser criança..., das algazarras com a molecada da rua, das visitas aos parentes nos sítios, dos piqueniques e das “pescarias” nos córregos, das frutas colhidas nos pés..., e comecei a trabalhar, ainda adolescente, em uma farmácia, durante o dia e a estudar à noite.

Mas me lembro que, na minha formação, naquele tempo se escutava música brasileira, italiana, espanhola, inglesa e até japonesa no rádio. E no cinema fui aprendendo com filmes italianos, espanhóis, mexicanos, franceses, americanos, ingleses, alemães, japoneses e, claro, com a garra do cinema novo brasileiro, que, para mim, era o melhor do mundo, tamanha a comunhão. Décadas depois, assim como os cinemas de rua, a diversidade cinematográfica foi diminuindo e, com o advento dos cine-shoppings, americanizando. Sobra um festival ou outro ou alguma sala temporariamente desocupada para exibição de filmes não oriundos da monopolizadora terra do Tio Sam. E, é claro, uma caça árdua pela web, atrás de perolas que não chegarão por aqui nem via DVD...


Essa nostalgia toda é para falar do belo drama tragicômico alemão O Menino Que Fazia Rir (Der Junge muss an die frische Luft, 2018), dirigido com maestria por Caroline Link (Lugar Nenhum na África), a partir do precioso roteiro de Ruth Toma, baseado no livro homônimo do aclamado comediante Hape Kerkeling, lançado em 2014 e que vendeu mais de um milhão de exemplares. O versátil artista (comediante, apresentador, cantor, ator, diretor, dublador, escritor) popular alemão está afastado (por decisão própria) dos palcos, ao menos dos grandes shows. Mas, antes de sair de cena, presenteou os seus fãs com a autobiografia Der Junge muss an die frische Luft (O Menino tem que estar ao ar livre) onde fala da sua bem-amada infância e o despertar do seu talento para as artes cênicas, nos anos 1970.


O Menino Que Fazia Rir é permeando por uma narrativa poética (em off), que começa dizendo: “Talvez eu tenha que trabalhar mais...”, feita pelo menino Hans-Peter (o futuro Hape Kerkeling), que cresceu em meio as delícias da vida no campo e viveu no bucólico Vale do Ruhr até os sete anos, quando os seus pais (Margret e Heinz - Luise Heyer e Sönke Möhring) deixaram a casa dos avós paternos (Bertha e Hermann - Ursula Werner e Rudolf Kowalski) para morar com os avós maternos (Willi e Änne - Joachim Król e Hedi Kriegeskotte) na melancólica Recklinghausen. Mudam a luz, a arquitetura, a beleza e a qualidade dos ruídos da iluminada zona rural para o cinza da cidade industrial..., mas o bom humor e os sonhos de artista do pequeno Hans-Peter (Julius Weckauf, impressionante!), de sete anos, continuam o mesmo e pouco mudará nos próximos anos, mesmo com os dissabores da perda de dois entes muito queridos por ele: a avó Änne e a mãe, que sucumbiu à depressão.


Não sei se um diretor seria tão sutil, quanto Caroline Link o é, no contraponto da dor e da alegria..., seja no olhar ingênuo do menino descobrindo os percalços do mundo, seja no cotidiano da sua grande e barulhenta família que, por maior que seja a tristeza pela morte de parentes, segue em frente buscando o seu melhor em encontros festivos. Há momento para se lamentar e momento para se comemorar a vida nessa trama agridoce, repleta de nuances, onde o dramalhão piegas e o humor absurdo não têm vez.

A sutileza na direção de Link também é elogiável na entrega do elenco a seus papéis, levando o espectador a questionar se são atores profissionais e ou personagens reais do livro interpretando a si próprios. Não há um traço sequer de caricatura em quem quer que seja. Nenhum personagem ocupa espaço maior que o necessário ou a sua importância narrativa. Permitindo, assim, que a naturalidade transborde em qualquer sequência, sem sufocar o essencial, que é o mundo circular de Hans, fundamental na sua formação artística. Em um enredo rico em referências setentistas alemãs do pós-guerra interiorano, em momento algum ele é visto como um adulto em miniatura, mas, sim, como um garoto esperto que (dos 7 aos 9 anos), com seu talento nato para o humor brejeiro, está sempre alerta para o gestual e as falas de todos ao seu redor..., colhendo material para as hilárias imitações que alegrava os seus parentes e para a formação de acervo de tipos que viria a usar no futuro.


Enfim, considerando a história envolvente, mesmo a quem não tem referência alguma sobre Hape Kerkeling, mas que vai querer saber mais sobre ele após a sessão; a cenografia, a fascinante reconstituição de época, tangente na belíssima fotografia de Judith Kaufmann; a direção de atores; o elenco sensacional, com destaque para a revelação Julius Weckauf (com seu impecável Hans-Peter) e Luise Heyer (com a sua adorável Margret, que vai da luz à sombra, numa performance impressionante); a nostálgica e harmoniosa trilha sonora; a lembrança de que a Alemanha também pode produzir filme iluminados e divertidos da maior qualidade..., O Menino Que Fazia Rir é simplesmente imperdível, para quem que dar um tempo ao panorama atual, que atravanca as salas de cinema, em busca de uma emocionante contemplação, que você só vai entender no final: “(...) Sou minha mãe, meu pai, meu irmão e meus avós. Sou as risadas e as dores deles. (...) Sou a direção em que a minha mãe empurrava o meu carrinho. Sou a vaca malhada no pasto, o milho amarelo na plantação e a papoula vermelha à beira do caminho. Sou o céu sem nuvens. Estou acordado.”


Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeos-documentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado em Curitiba, no Paraná, Brasil.

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