As Escalas Termométricas de Nosso Analfabetismo


Comecei minha vida escolar no ano de 1974, sob os auspícios do governo Ernesto Geisel. Tempos de retrato de presidente a encimar os quadros-negros. De carteiras escolares de madeira aparafusadas ao chão. De disciplina, respeito à hierarquia e seriedade. De quando escola era escola.
Ingressei no antigo grupo escolar. Durante os meus 1º e 2º anos do grupo, tive meu aprendizado e meu rendimento escolar abalizados numa escala de notas de 0 a 100. Um 85 já nos era motivo de vergonha e de esconder a prova dos pais. Tenho uma amiga, professora de português, que, embora ela negue veementemente, eu  tenho certeza, é do tempo da nota dada em algarismos romanos.
A partir do 3º ano - já transformado em 3ª série -, porém e desgraçadamente, começou, eu vejo hoje, o desmonte programado do ensino, o desmanche proposital dos valores morais e acadêmicos. Tinha começado a farra peidagógica, a libertinagem dos peidagogos. E o estupro das mentes das gerações vindouras.
Foi-nos comunicado, e aos nossos pais, que, doravante, nosso aprendizado não mais estaria sob o jugo e o látego dos inflexíveis, cruéis e opressores números. Números não mentem, meus caros, não são capazes de hipocrisia, e isso, revelar a verdade nua e crua, numa sociedade com inato pendor para a indolência e para o "coitadismo" feito a nossa, é considerado tirânico e ditatorial.
O peso das notas sairia de nossas cabeças, ficaríamos menos preocupados, mais livres e descontraídos para estudar. Sem os números a nos vigiar, passaríamos a ter mais prazer no estudo, aprenderíamos mais. Os professores não mais nos carimbariam com um número em vermelho na testa. Emitiriam um "conceito" que representaria nosso desempenho. Conceito? Não entendi isso na época; aliás, até hoje não entendo. 
Os conceitos nos seriam dados em letras : A, B, C, D e E. O "A" equivaleria a um rendimento ótimo, o "B", bom, o "C", regular, e o "D" e o "E", insuficientes. Mas e a média? Como fazer a média matemática de letras? Os intrépidos peidagogos foram geniais : muito simples, o A valia 5,0, o B, 4,0, o C, 3,0, o D, 2,0 e o E, 1,0. Ou seja, os peidagogos mantiveram os números, só reduziram a escala de 0 a 100 para 1 a 5. Redução essa, em causa e proveito próprios. Para que eles, os próprios peidagogos, fossem capazes de fazer as contas das médias dos alunos. Alguém já viu peidagogo que saiba somar corretamente quando o resultado ultrapassa o número de dedos das mãos?
Se ao fim do ano, ao encerrar do quarto bimestre, somássemos 12 ou mais pontos, estávamos aprovados. Senão, enfrentaríamos a repescagem de janeiro.
Mas, então, começaram as bizarrices alfanuméricas. E se o aluno tirasse 3,5? A nota era C ou B? Problema que foi, novamente e de forma genial, resolvido pelos peidagogos. Que orgulho eu tenho dessa gente! Não era nem C nem B : era C+. E 2,5? Simples : C-. Mas o C+ também não poderia ser como um B-? O que valia mais, um C+ ou um B-? Será que o C+ era 3,5 e o B-, 3,75?
Fiquei até a sétima série sem nunca saber ao certo a exata nota de minhas avaliações.
Na oitava série, por conta de uma transferência do local de trabalho de meu pai, fomos morar num cafundó do país, onde a escola pública já era quase tão sucateada quanto é hoje no Brasil inteiro. Lá fui eu estudar em colégio de padres. E digam o que quiserem da padraiada, que são queima-roscas, pedófilos etc, até porque tudo é verdade, mas uma virtude eles têm : a disciplina. 
Voltei a ser avaliado pelos bentos e sacrossantos números. De 0 a 10. E com peso na nota. O primeiro bimestre tinha peso 1, o segundo, 2, o terceiro, 3, o quarto, 4. Ao fim do ano, as notas eram somadas e divididas por 10. Média ponderada, meus caros, os padres nos avaliavam com média ponderada. É de infartar qualquer peidagogo, de dar curto-circuito no "tico e teco" deles. Resultado maior ou igual a 6,0, aprovados; menor que 6,0, era rezar na bacia das almas para ser aprovado na recuperação.
Minha irmã, dois anos mais nova que eu, e a estudar num colégio de freiras - na época, em tal localidade, os colégios não eram mistos - era avaliada em "O", ótimo, "B", bom, "R", regular e "I", insuficiente. Qual seria a média final de um B mais um R? Jamais saberemos.
O sistema Sesi, não sei se até hoje, mas até tempos atrás - tive dois sobrinhos que lá estudaram -, também adotava letras. "PS", plenamente satisfatório, "S", satisfatório, e "I", insatisfatório. É a escala peidagógica Mike Jagger para maus alunos, "I can't get no satisfaction". Meu sobrinho vivia cantando essa música.
Enfim, ao longo dessas décadas, foram adotadas as mais diversas escalas termométricas para tentar disfarçar e maquiar a incurável febre nacional do analfabetismo e da ignorância feitos em patrimônio nacional. Mudar a escala para negar a febre. Dar o remédio, nem pensar. Pois o remédio - perguntem a um chinês, a um indiano, a um japonês ou a um alemão se acharem que eu estou errado, ou a exagerar - é o rigor, a disciplina, a dedicação e horas a fio de estudo, horas de bunda pregada na cadeira, até dar calo no cu, e de olhos nos livros, até sangrarem as órbitas. Terapêutica por demais amarga e intragável para a preguiça e o vitimismo tupiniquins.
Mas, algum de vocês poderá perguntar, e você, mestre Azarão, que escala adota para avaliar seus valorosos apedeutas?
Ora porra! Nada mais simples. Sou um educador moderno, conectado ao mundo e às novas tecnologias. Vivemos em era digital, informatizada. Nada mais lógico e natural que eu dê a nota a meus alunos me valendo da linguagem dos computadores. Adoto como escala de notas o sistema binário de numeração : 0 e 1, 0 e 1, 0 e 1. 
Só zero e um. Raríssimos os casos que vão além disso.
Pããããããããta que o pariu!!!!

Postar um comentário

0 Comentários