Mega post: ARANHA ESCARLATE #01 - #25



E
m vez de escrever só sobre as últimas 5 (e trabalhosas) edições, resolvi revisar parte do que já tinha sido escrito, compactando tudo em um texto só, e tentar ponderar em algo depois desses 25 números.
Arthur Shopenhauer, em “A Arte de Escrever”, entre um insulto e outro, profere o obvio – porém atemporal – fato de que um bom escritor é aquele que consegue tornar interessante o conceito mais árido, tal qual um bom cozinheiro consegue fazer um bom caldo com paupérrimos ingredientes, e essa definição sempre vem a minha mente quando penso hoje em dia em Peter David, com seu particular ARANHA ESCARLATE e suas outras obras ainda melhores, tal qual Aquaman e principalmente sua década em The Incrible Hulk.



Um belo dia, enquanto eu fazia alguma das edições dos extintos Os Defensores, o Raito, do Spider Team, me convidou para traduzir essa série. Quando bati o olho, senti aquela repulsa “Porra, esse Reilly ainda existe?!”, mas peguei para fazer como uma forma de me ocupar. Nem me dei ao trabalho de ler o que veio antes, assumindo da #08, tentando traduzir mesmo sem saber de nada que veio antes. Em boa parte, por eu ter ignorado quase tudo do Aranha de Dan Slott nos últimos anos (ainda mais uma Saga do Clone parte 2?!), e em outra, por ter um certo desprezo particular por Ben, sempre o achando um sujeito unidimensional, metido a ser um certinho, que não convencia tanto quanto Peter Parker: era um clone da forma mais exagerada e caricata possível, uma sombra, --que inevitavelmente já estaria fadada a ficar à sombra de um ícone maior-- sendo mais preciso. E inserido daquela forma que sabemos que quase nunca dá certo, ao desprezar tudo o que havia sido estabelecido, em pró de uma modernidade desesperada para ser aceita. Semelhante a Capitã Marvel no próximo filme dos Vingadores, embora isso seja assunto pra outro post...


Ao terminar a edição #10, percebi que estava começando a mudar minha perspectiva sobre o mesmo. E ao terminar a #11, notei que tinha virado minha mensal favorita do Aranha, como há anos eu não tinha desde da saída de JMS de Amazing Spider-Man #545 e da morte do Peter Parker em Ultimate Spider-Man #160. E tudo com a sua identidade própria, ao ponto de não ter mais uma dependência com quase nada de seu “original”, além de referências, e claro, engraçadas e propositais subversões. Só ao terminar de trabalhar na #14, resolvi ler às primeiras sete, e tudo ganhou uma nova imersão.
Me descobri como um fã do Peter David, ao ponto de sair buscando ler suas outras obras, como sua passagem no Hulk (que estou na #361, em uma fase que começa na #331) e o Aquaman dos anos 90, que parei na #10. Sem falar do seu X-Factor, que está na lista. Tudo isso atraído por Ben Reilly. Nada mal, para um clone de um clone de um clone, certo?



Na trama finalmente, Ben está fazendo de Las Vegas o seu lar, ao tempo que foge de Kaine (outra cópia cruel, pretenso a herói), enquanto faz “amizade” com a dona de um cassino ricaça, sob a pena de curar sua filha, que morre com câncer, em um caso entrelaçado as ações recentes do Escarlate. Lá, ele constrói de forma debochada “seus novos Tio Ben, Tia May, MJ”, enquanto claro, molda Vegas em sua Nova York particular, onde a primeira vista não será interrompido por outros supers. Há uma obvia “reciclagem” de “PAD” com seus escritos (produzidos em massa, vale frisar) dos últimos 30 anos, o que não tira seu mérito em trazer camadas a títulos que quase ninguém leria se não fosse sua escrita perspicaz, dada quase a “ruindade predestinada” cujas mensais assume, a começar por seus conceitos iniciais, a exemplo do X-Factor, antes dele, só mais um das dezenas de caça-níqueis tirando proveito da franquia dos mutantes.
Ben, por mais engraçado e sem noção que seja em suas atitudes, ainda consegue carregar a falha aura de um humano imperfeito lutando contra a maré em busca de melhorar o pouco que seja, sem ter os ares de “redentor” ou algo que o valha. Peter (David) constrói devagar essas nuances, mantendo o principal trunfo sua imprevisibilidade. O leitor nunca sabe quando Ben “tocará o foda-se” ou terá uma rara atitude nobre. Como uma pessoa comum, ele oscilará tal qual uma pessoa comum, algo que sua versão antiga não tinha - ao ficar sempre no modelo bonzinho didático.- O comportamento desse Aranha, lembra bastante o de John Constantine na Vertigo -ao menos em suas primeiras 200 edições-, tendo em similar com o mago, a alma condenada, independente do que se realize, e sua adição em problemas além de seu alcance, que pendem em adversários “insolúveis”.

O núcleo de demais coadjuvantes, ora antagonista, ora uma família de forma distorcida não decepciona, participando de forma tão interessante quanto o protagonista. Kaine tem sua vida autônoma, em um lar de veteranos, Cassandra Mercury seus inimigos paralelos, etc. A sacada de David, é que por mais diferentes que seja, quase todos são marginalizados, de uma forma natural como sempre fez, longe de “lacrar”, diferentes “minorias” são colocadas de forma natural, não fazendo disso um “olhem para mim”, e sim como deve ser, mostrar que essas pessoas (e personagens) são comuns e iguais aos demais em nosso mundo moderno. Em desenhos, é mais que agradável ter Mark Bagley de volta, embora que por apenas cinco edições. Quem mais se aproxima na velocidade e dinamicidade de suas cenas, é a do português André Lima Araujó. Perto deles, o artista Will Sliney, embora muito competente, parece estático, mesmo que com o passar das páginas, fique adaptável a parte satírica do enredo, e após tanta dedicação, acabe sendo por fim, “a cara” de toda a série.

Em pouco mais que metade da saga, O Aranha é chamado por um grupo misterioso possuidor de um oráculo que apontou que Ben como peça chave sobre qual lado venceria no embate místico, conhecido como “Danação”, claramente fugindo de boa parte da trama inicial. O resultado não compromete, mas frustra. As edições usam o humor como forma de zombar do quanto absurda é a situação, - com direito a um grande hotel castelo from hell surgindo na cidade bem ao estilo Devil May Cry 3 – e consegue conciliar algo tão esquivo com a trama que estava sendo estabelecida, em algo que se encaixa com o dilema principal de Ben, no caso, sua alma incurável e a garotinha que pretende tirar da morte certa. Além de ser a primeira interação maior dele com uma boa parcela do universo Marvel: Os filhos da meia-noite. Nome de banda ruim. O maior mérito, entretanto, é David ter usado a perspicácia de tirar de um “rolê aleatório” desses, o melhor adversário de Ben Reilly em todo o run.


Por mais gritante o sentimento de estar “zerando o mesmo game, só que com outro personagem”, sendo Ben Reilly um novo selecionável ao invés do Joe Tira-Teima (Mr. Fixit, no original...), embora sem ter a experiência de surpresas e imersão abalada. Afinal, os bons cenários e enredos estão ai para sempre serem revisitados, e a autoreferência não chega ao extremo (além de que o editorial dificilmente permitiria) de excluir os que chegaram agora e não estão familiarizados com as “piadas internas para membros de longa data do clubinho”.
David continua em sua “curva de qualidade” como quem ganha tempo para inventar o resto da história principal que se propôs. Seu comparativo de relações entre pais e filhas em diferentes posições de saúde e ambições, perde força ante a simplicidade com que o oponente do arco é derrotado. Na #20, o enredo volta a dar relevância a “odisseia de Ben”, rendendo entre outras referências, uma bem obvia a Top Gun. -- O que me leva a parar a resenha e invocar essa música: --


Agora podemos continuar.

O humor – acredite se quiser – tem foco no outro Aranha Escarlate, o “cruel” Kaine, lidando com uma “sobra da festa” do arco “Danação”. A habilidade de escrita de David consegue relevo nesse número por apresentar conceitos banais do universo fantástico da Marvel, por um olhar no mínimo diferenciado, trazendo ao leitor o famoso “por que não pensei nisso antes?”. O título ainda se mostrou um ótimo plano B a metralhadora de diálogos incompletos que se tornou Espantoso Homem-Aranha sobre a liderança de Nick Spencer, trilhando para suas últimas edições de maneira apressada, e até desinteressada, com “fim ao melhor estilo Crepy Pasta”, amargo, embora um FIM, deixadas várias tramas penduradas, as quais acredito que serão revisitadas, caso David ainda tenha paciência de continuar na Marvel.

Nota: 7.3




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Até o próximo.



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