PROJETO XEQUE-MATE #15



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Imaginação cálculo e meu melhor jogo

Invocar a imaginação não é uma contradição a necessidade de disciplina. Criatividade e ordem vem reinar juntas para servir de guia ao cálculo. As circunstâncias e instintos nos informam quando é necessário quebrar a rotina. O melhor lance pode não ser tão óbvio que não é necessário gastar tempo calculando detalhes, especialmente se o tempo for indispensável. Entretanto, isso é raro e é sempre quando presumimos que algo é óbvio e reagimos apressadamente que cometemos um erro. Deveríamos quebrar a rotina mais vezes e fazer mais análises, não menos. Esses são os momentos em que são instintos lhe dizem que há algo à espreita sobre a superfície, ou que se atingiu um ponto crítico e é necessário o exame mais aprofundado.



     A fim de detectar esses momentos decisivos é preciso ter sensibilidade em relação às tendências e padrões de um dos ramos de suas análises mostram resultados surpreendentes, bons ou maus, vale a pena investir algum tempo para descobrir o que está ocorrendo. Às vezes, é difícil explicar exatamente o que faz suar aquele sininho em nossa cabeça, avisando que a mais a ser descoberto. O importante é ouvi-los quando tocam. um dos meus jogos mais notáveis aconteceu graças a esse sexto sentido. O cenário tradicional “supertorneio” em Wijk ann Zee, na Holanda, e meu adversário era novamente o “Guerreiro Búlgaro” Veselin  Topalov. Topalov Também merece crédito, pois são necessários dois jogadores para criar um jogo de xadrez realmente bonito. Você só tem oportunidade de mostrar suas habilidades quando o adversário luta duramente e constrói uma boa defesa. A resistência inflexível de Topalov me levou ao limite de minha capacidade de cálculo nessa partida, na qual joguei a combinação mais complexa de minha carreira. O ramo principal da análise alcançou 15 lances, um número quase ridículo.  Não havia nem como chegar perto de calcular todas as possibilidades, mas por milagre, visualizei O Golpe Final da partida.




     Mais tarde, um livreto inteiro dedicado esse jogo foi publicado na Grécia, e devo admitir que 90% de suas análises não passaram pela minha cabeça durante o jogo. Depois de ter anotado algumas das possibilidades empolgantes para perseguir o rei Preto pelo tabuleiro eu me concentrei em suas mais prováveis tentativas de defesa. Em um determinado ponto de meus cálculos, percebi que seria como andar na corda bamba, e um escorregão seria fatal. Eu sacrificara metade de minhas peças para expor seu rei. Continuei forçando minha imagem mental da posição certo de que deveria haver algo, até que finalmente vi a posição de vitória final 15 lances à frente.
Foi uma Façanha de cálculo, mas não há maneira de sua mente ir tão longe sem a sua imaginação. A combinação nunca teria me ocorrido se eu tivesse praticado uma abordagem puramente dedutiva em relação à posição. Não foi produto de análise lógica demonstrando uma conclusão matematicamente perfeita. Como prova Posso apenas informar pelo que pelo menos um ponto eu deixei de ver -- o movimento mais forte --encontrado em análises futuras por outros Grandes Mestres.
 Além disso, embora o resultado me tenha sido favorável, o fato de eu não ter visto melhor lance, demonstra um dos riscos de se fixar no objetivo distante. Eu estava tão elevado pela minha visão do pote de ouro no final do arco-íris que parei de olhar para os lados quando me aproximava dele. Consegui me convencer de que um final tão bonito deve estar cientificamente correto -- uma ilusão potencialmente perigosa.




 Homem mais  máquina é mais forte de que cada um individualmente

     Não somos computadores e nossos cálculos nunca serão totalmente perfeitos. Mas, se eles estiverem atrelados a metas e guiados por nós experiência e intuição, nossas análises geralmente serão precisas. Nas empresas, também temos a vantagem de trabalhar com os computadores, e não contra eles. A estratégia e a capacidade de avaliação do ser humano, combinadas com os computadores como ferramentas de cálculo reinventaram muitos setores, da contabilidade e investimentos ao controle de inventário. Com tanto progresso em quase todas as esferas de atividades, comecei a pensar por que também não seria possível ter computadores ao meu lado nas competições de xadrez.
     Os softwares de xadrez destacam-se na área de cálculo, precisamente aquela que o homem considera mais difícil. Sua calculadora de bolso não tem problema em calcular 89 x 97, e os programas de xadrez como Fritz e o Junior tem a mesma velocidade na produção de soluções voltadas à posições táticas complicadas, eles vasculham todas as possibilidades procurando o caminho que os deixa com o máximo de material. É um sistema de força bruta que não é especialmente elegante, mas em posições complexas é inegavelmente eficiente. Os pontos em que encontram dificuldades são os planejamentos de longo prazo, nos quais não há um caminho claro. Em 1998, eu tive uma ideia: e se em vez de jogar homem contra máquina, jogássemos como parceiros?
O fruto da minha imaginação materializou-se em um match em León, na Espanha, e nós chamamos de “Xadrez Avançado”. Cada jogador tinha um computador à mão, com software de xadrez de sua escolha em operação durante o jogo exatamente como um CEO inspecionando uma planilha, cuidaríamos da estratégia e deixaríamos o quebra-cabeça dos cálculos para os computadores. A ideia era criar o mais alto nível de xadrez que já fora jogado, uma síntese do melhor do homem e da máquina.
     Essa primeira experiência -- mais uma vez me defrontei com Topalov -- teve algumas pequenas falhas, consistentes basicamente em não conceder tempo suficiente para os jogadores acessarem os computadores, mas era promissora. Era uma experiência e tanto utilizar a máquina em combate, era um pouco como usar uma armadura. Eu poderia me concentrar no planejamento identificar as fraquezas em vez de me preocupar com erros.



     Outras competições de xadrez avançado foram realizadas e os jogos via de regra eram de uma qualidade impressionante. Houve, inclusive, torneios de que as equipes de enxadristas usavam múltiplos computadores para o combate sem limitações, é claro que continuo acreditando no xadrez jogado pelo homem, mas mesmo jogo tão antigo pode se beneficiar ocasionalmente de uma nova abordagem.
     É possível que os computadores que jogam xadrez estejam alcançando o nível de campeonato mundial, mas os seres humanos não correm o risco de serem substituídos pelas máquinas na maioria das outras áreas. As transações comerciais e todas nossas interações pessoais se baseia em reações e sentimentos humanos. Um gerente não gerencia computadores, gerencia pessoas, só o homem consegue entender as fraquezas e tendências humanas, razão pela qual os computadores ainda não são muito bons em jogos como pôquer, em que há forte presença do elemento humano, a máquina pode jogar com as possibilidades com perfeição, lembrando-se todas as cartas da mesa sem qualquer esforço, mas como se pode ensinar o computador a blefar?  Isso significa ir contra todas as possibilidades, como quando você aposta mais dinheiro quando tem quartas ruins. Se estivéssemos negociando com o CEO de uma empresa entre as 500 maiores da revista da revista Fortune, ou com uma criança de 10 anos, experiência e intuição serão tão importantes quanto nossa habilidade de analisar os fatos.



     Como ocorre com todas habilidades, o cálculo e a imaginação que o orientam devem ser usados regularmente e, se há pretensão de melhorá-los, eles têm de ser treinados à exaustão. Muito jogadores de xadrez esquivam-se de posições complexas por não confiarem em suas habilidades de cálculo. Isso se transforma em um ciclo destrutivo e que se perpetua. Se evitarmos análises concretas, confiando apenas em nossos instintos, eles nunca serão adequadamente treinados. É ótimo seguir nossa intuição, contanto que não evitemos o trabalho necessário para saber se o nosso julgamento está ou não correto.


Siegbert Tarrasch (1862 1934), Alemanha
Emanuel Lasker (1868 1941), Alemanha
 A rivalidade de mentes notáveis que não pensavam da mesma forma.

     O início do século XX testemunhou uma das mais notáveis rivalidades no jogo de xadrez, entre Emanuel Lasker e Siegbert Tarrasch. Essa rivalidade, todavia, se estendia para além do tabuleiro de xadrez. Os dois mais importantes enxadristas da Alemanha tinham ideias fundamentalmente conflitantes sobre natureza do xadrez, e na verdade, também sobre a vida. Uma história clássica, de autenticidade duvidosa, fala sobre a tentativa de promover a paz entre eles, antes do início da primeira partida do match que travaram pelo campeonato mundial em Düsseldorf, em 1908. Tarrasch entrou na sala, caminhou em direção a Lasker e disse: Sr. Lasker, para o senhor, tenho apenas três palavras: “xeque e mate!”. Infelizmente, para Tarrasch e seus torcedores ele não teve muitas oportunidades de usar essa frase depois que o jogo começou. Lasker ganhou facilmente por oito vitórias a três.

     Emanuel Lasker manteve a coroa de campeão mundial por mais tempo do que qualquer outro enxadrista, de 1894 a 1921. Ele derrotou Steinitz e, um match pelo título, embora o mundo do xadrez não estivesse realmente convencido na época do jogo do jovem alemão, uma vez que Steinitz com quase 60 anos, claramente não estava no seu período de maior pujança. Nos cinco anos seguintes, Lasker eliminou qualquer dúvida sobre a sua força, vencendo com um estilo esmagador toda competição da qual participou.
     Lasker tinha um grande talento para matemática, e deu várias contribuições duradouras na área. Também tinha vivo interesse em filosofia e sociologia. Albert Einstein, que conhecia bem Lasker, redigiu um generoso prefácio em sua biografia (póstuma). “poucos homens tiveram interesse tão entusiástico por todos os grandes problemas da humanidade e ao mesmo tempo mantiveram sua personalidade independente de forma tão singular.” O interessante é que o prefácio também incluiu uma refutação a um ensaio que Lasker escrevera sobre a teoria da relatividade.
     Para Lasker, o xadrez representava basicamente uma batalha psicológica entre duas vontades humanas. Como gostamos de dizer, ele jogava no homem, não no tabuleiro. Ele sabia que os erros eram inevitáveis e que a vitória iria para o jogador que aplicasse maior pressão e melhor resistisse a ela.  Era acusado por seus adversários de escolher lances inferiores intencionalmente, que ele sabia que iria perturbá-los. Isso é um exagero, mas seus jogos mostram que ele era perito em mudar para o estilo que mais perturbasse o seu adversário.
 O acréscimo dessa profunda percepção psicológica a seus muitos dons de xadrez permitiu a Lasker jogar em um nível altíssimo quando já tinha mais de sessenta anos. Embora tenha perdido o título para o gênio cubano José Raul Capablanca em 1921, conseguiu o primeiro lugar em um dos maiores torneios de todos os tempos realizado em Nova York em 1924, a frente do campeão Capablanca e do futuro campeão Alexander Alekhine.




Siegbert Tarrasch é mais conhecido por seus livros clássicos e declarações engraçadas, mas o bom médico também foi colega de dois dos primeiros campeões mundiais, Steinitz e Lasker, e um grande rival de ambos. Também considero justo dizer que se igualava em importância na evolução do jogo e em seu ensino. Seus livros e artigos levaram o jogo a geração de enxadristas, e seu estilo dogmático de instrução era apreciado mais na época do que seria atualmente. À maneira Steinitz, cujos ensinamentos ele interpretou, Tarrasch tentou levar a ordem ao caos do tabuleiro. Em seus trabalhos escritos sobre a forma como deveria ser disputado, e sua caneta era rápida em punir os que ousassem desobedecê-las. Em suas notas a respeito de um jogo, ele escreveu “é mais fácil achar uma desculpa por perder uma peça por não entender o espírito do jogo”. Essa censura ao competente mestre inglês J. H. Blackburne foi feita ainda no oitavo lance. Alguns lances depois de um jogo fraco de sua parte, Tarrasch comentou: os lances fracos que que se seguiram só podem ser explicados pela confusão que me causou o jogo péssimo de Blackburne”.
É algo como paradoxo que alguém com a mente tão dogmática tivesse alma de um inovador. Seu próprio jogo podia ser mais brilhante, e, enquanto continuava em sua carreira de clínico geral, ele também conseguiu permanecer como um dos três ou quatro melhores jogadores do mundo por quase vinte anos, permanecer perto do topo por tanto tempo teria sido impossível sem a capacidade de se adaptar.

     Sobre Lasker: Nenhum dos grandes jogadores foi tão indecifrável para a maioria dos amadores e até dos mestres, como Emanuel Lasker.” -- José Raul Capablanca.

Lasker em suas próprias palavras: Diante do tabuleiro, as mentiras e as hipocrisia não sobrevivem por muito tempo. A combinação criadora desmascara presunção da mentira; os impiedosos fatos, que culminam no mate contradizem o hipócrita.”

     Sobre Tarrasch: “Afiado como uma navalha, ele sempre seguiu as próprias regras. Apesar da devoção e seu método supostamente científico, seu jogo era, em geral, inteligente e brilhante. -- Bobby Fischer.

     Tarrasch em suas palavras: “O xadrez, como o amor e a música, tem o poder de tornar os homens felizes”.

     “Tarrasch ensina o conhecimento. Lasker ensina  sabedoria.” Fred Reinfeld


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