A Outra História Americana: ideias são duras de morrer, mesmo as piores



"Fria azul suástica tatuada na minha pele
O gelo nas minhas veias, os grampos no meu queixo
Eu tenho entalhado na minha testa, 'escravo do meu pecado'
Muito violento pra irmandade, que nunca me aceita

Escreverei minha lei com sangue pelas ruas
Para a cadência de um passo de ganso, batida de heavy metal
Vou purificar minha raça, aumentar a temperatura!
Só quero fazê-los morrer, fazer um serviço completo!

Eu sou um homenzinho cruel, eu sou um homenzinho perverso
Não são os jogos que eu jogo, os filmes que eu vejo, as músicas que eu ouço
Eu sou só um homenzinho perverso!

Eu gosto de passar o meu corpo, em combustível bem pesado
Eu posso socar através de uma parede, posso chutar como uma mula
Eu tenho um bolso cheio de balas e um mapa da escola
Eu sou o soldadinho do diabo! A ferramenta do demônio...

Eu tenho todo tipo de substância bombeando na minha cabeça
Eu leio Mein Kampf diariamente, só pra manter meu ódio alimentado
Eu nunca jamais durmo, só fico deitado na cama
Esperando pelo dia, que todos estiverem mortos!"

Wicked Young Man, de Alice Cooper

Faz poucos meses que o mundo ficou chocado com as passeatas neonazistas que houveram nos Estados Unidos, então me pareceu interessante fazer uma análise desse famoso filme, "A Outra História Americana", protagonizado pelo Edward Norton.


Bom dizer que esse filme é de 1998, dois anos antes de sair essa música do Alice Cooper, e quase vinte anos atrás, antes dos ocorridos de Charlottesville. Ou seja, muito tempo já passou, mas os neonazistas ainda estão por aí, tanto nos Estados Unidos quanto na Alemanha e no Brasil. A diferença é que desses três países, o único em que você não vai preso por expressar símbolos e ideias nazistas é os Estados Unidos, tá dentro da liberdade de expressão deles. Aqui (ou na Alemanha) você corre o risco de ser preso (não sei se é o mesmo risco que corre o Lula, o Aécio, o Frota e todos os outros criminosos que ficam livres, mas tá na lei). No filme temos Derek, esse grande sujeito musculoso com uma suástica estampada no peito.


O protagonista não é só um neonazista, ele é o Elvis Presley dos neonazistas, ele é o Chuck Norris. O filme já começa com ele fodendo a mina dele de frente a uma bandeira nazista em várias posições, depois vê que tem assaltantes na casa, veste a cueca, chuta a porta e sai dando headshots em todo mundo, mas em pouco tempo o careca vai preso. Nisso vem a importância do outro personagem, seu irmão mais novo, Danny.

"Oh, Hitler, como gostaria que você estivesse aqui..."
O garoto passa pro lado neonazista da força quando o irmão mais velho vai preso. E aí está a diferença, o que chamou a atenção nas milhares de pessoas na passeata dos Estados Unidos eram pessoas tradicionais declarando intenções nazistas pra quem quiser ouvir (e depois o presidente falando que é contra violência dos dois lados... meio que um dos lados diz que os campos de concentração eram colônias de férias). Não é o caso dos personagens no filme. Eles parecem estar abaixo da classe média, não sendo só... sei lá, neonazistas que ficam fazendo memes do Hitler na Internet, o que já é preocupante, não. Eles são membros de gangues, chegando a sair nas ruas pra atacar negros, estrangeiros e afins, todos que estiverem na longa lista de ódio deles.


Ele pode não ser o Bruce Banner, mas não é burro
Se ele virasse o Hulk quando fica com raiva, aí que as minorias tavam fodidas de vez mesmo

Se tratando de, como eu disse, o Chuck Norris dos neonazistas, Derek não fica só falando "hail Hitler, dane-se os negros", ou coisas do tipo. Mesmo sendo um selvagem violento fazendo contraste à civilidade, ele tem uma oratória fodida, argumentando o tempo inteiro com história e atualidades o seu modo violento de ver o mundo. Os que o seguem é que são mais alienadinhos, como sua namorada e seu melhor amigo. Quero dizer, o cara que lidera o grupo tem toda uma estrutura pra ser neonazista, ele acredita naquilo por uma série de razões. Como muitas boas histórias, por exemplo, "O Poderoso Chefão" e "Breaking Bad", "A Outra História Americana" mostra como por mais monstruoso que seja, o monstro quase nunca se enxerga dessa forma, muito pelo contrário.


Danny, ainda na escola, chama a atenção do diretor por expressar suas ideias nazistas em trabalhos de classe. O diretor convencido da possibilidade de recuperação moral do aluno ("ele aprendeu essa baboseira, pode desaprender") o coloca pra um trabalho particular onde terá que dissertar sobre a prisão de seu irmão e como isso o influenciou para situação em que se encontra no presente. Assim, toda vez que o Danny está lembrando do passado há uma mudança no filtro da imagem. Aparece como mesmo dentro de casa, as pessoas da família, como sua mãe e sua irmã, se colocavam contra Derek, mas nããããão, ninguém impediria ele, ele tinha muito bem montadinho dentro da cabeça dele porque seguir os passos de Hitler era uma boa ideia.


O filme acende a luz sobre uma dúvida que eu e outros conhecidos tínhamos: DE ONDE SURGEM NEONAZISTAS?! Sabe, uma coisa que parece tão impossível de concordar, de onde BROTA gente assim? Aí é que tá, as ideias surgiram do mesmo lugar há anos atrás. Fica claro que elas não morreram com o final da Segunda Guerra.


O meu espanto tem uma origem muito simples: toda a cultura, toda a história relatando o super-frigorífico que foi o regime do Bigodinho, o que leva uma pessoa a não ver como eu e vários outros? Uma inegável monstruosidade que se utilizava de todos os tipos de preconceito pra destruir estrangeiros, judeus, protestantes, gays, negros, ciganos... Quero dizer, é monstruoso demais pra conseguir entender como aqui embaixo no Brasil, na mente de alguém floresce a ideia "eu gosto do Hitler". O que conforta nossas mentes é pensar como quem pensa assim, na verdade não pensa muito (o que é bem comum). Mas a realidade nega isso, o filme "A Outra História Americana" nega isso. O cara é meticuloso, organizado, convincente, sem dúvidas é perigoso, como eu disse, extrapola o nível de preocupação de um carinha que fica divulgando o Hitler pela Internet, o que chega a passar a impressão de alguém que só quer chamar a atenção. Derek e seu irmão não são assim, eles estão se organizando e prontos para matar. E caras como eles existem...


O racismo ainda vive nos Estados Unidos? Sem dúvida.
Como ele ainda vive?!


1.Por que eu afirmei que o racismo ainda existe lá? Além da passeata racista, o Ku Klux Klan é um grupo terrorista ainda organizado e em operação, fortemente acreditando que vai melhorar o mundo queimando pessoas negras em nome de Deus.
2. Por que da minha indignação?

Em 2008 um N-E-G-R-O ganhou a presidência. Ele venceu! Meu, você pensa "o racismo está acabando nesse país". Meu, isso deixa clara a força de preservação que tem uma ideia guardada. Você nunca vai imaginar que um país que tem um negro como presidente  tem pessoas organizadas planejando botar fogo em todos os negros, deixá-los passando fome, como aconteceu na assustadora Alemanha nazista. Durante todo o processo do filme a forma que esse ódio, esse racismo chegou ao Derek é mostrado, e deixa isso claro. O personagem até se recupera, mas é após acontecimentos bem específicos, antes disso ele era o robocop nazista em plena forma.


Já é sinistro o Donald Trump ter chegado a presidência, um cara que sonega impostos e, apesar de não ter feito declarações do tipo na época da candidatura, todo mundo sabe que sempre foi racista. Os racistas a gente sabe que ainda tão por aí, quietinhos a maior parte do tempo por causa da indignação que nós demonstraremos caso eles soltem uma pérola, mas aí vem a versão 2.0 do racista, o nazista. O que mais preocupa. A Alemanha nazista perdeu a Segunda Guerra Mundial. Mas até onde foi essa derrota se as ideias ainda vivem? Se até em um país que os enfrentou há simpatizantes? Se até em um país que tem nada a ver com tudo isso, como o Brasil, há simpatizantes? Isso meio que o filme não responde. Será que existe essa resposta?

Tchururu...

É inegável que existem esforços contra o racismo, e existem aos montes. Mas ele vive, como se rastejasse, como se fosse a água que muda de estado, mas ainda está lá. A pergunta é, como vencer o racismo? Como vencer uma ideia? O filme pode dar a resposta de onde vieram os nazistas modernos (ao menos pra mim, sanou minha dúvida, fiquei satisfeito), mas o que fazer com eles é que não ficou muito claro. O Danny é um adolescente, está em desenvolvimento, e recebe o apoio de um diretor que de forma muito específica pede para ele refletir sobre a própria vida. Funciona!

"Então acho que aqui é onde eu te digo o que aprendi - minha conclusão, certo? Bem, minha conclusão é essa: Ódio é peso. A vida é muito curta pra estar revoltado o tempo todo. Simplesmente não vale a pena."
Maaaaaaaaaaaaas... Nós sabemos que não podemos fazer isso com todos os simpatizantes do nazismo que existem: "quero que você pense porque você é nazista e que bem que isso te faz". Eu, particularmente, acredito que nem tenho nazistas na minha rede social, mas mesmo que tivesse, ninguém tem uma relação desse tipo, como a do diretor do filme, pra propor, e até pressionar, o cara a repensar esses valores perigosos. Então ficamos sem essas respostas. O que fazer com os nazistas? Quero dizer, atiraram bastante neles, a educação com certeza não romantiza essa bosta (como já dito, na Alemanha é proibido fazer qualquer coisa que passe suspeita de uma propaganda nazista), qual é a solução? Eu não sei, a gente procura propagar ideias que nos parecem boas, mas o que fazemos com as que queremos que não existam?

"Ideias são à prova de balas."

Postar um comentário

0 Comentários