Durante muito tempo, meu interesse por cinema sempre passou longe desse tribunal moral que hoje parece acompanhar cada atriz ou ator. Cresci gostando de figuras muito diferentes entre si. Julia Roberts, Sandra Bullock, atrizes que carregavam filmes inteiros nas costas com carisma e presença, mas também Kim Basinger, Sharon Stone, Michelle Pfeiffer, mulheres que nunca tiveram vergonha da própria sensualidade. E nunca houve conflito nisso. O que me prendia era talento, magnetismo, a capacidade de sustentar um personagem. Se votavam em Bush ou em Clinton, sinceramente, isso nunca entrou na conta quando eu sentava numa sala de cinema. Cinema sempre foi sobre ver histórias ganharem corpo, não sobre passar atores por um detector ideológico. A sensualidade feminina, aliás, nunca foi novidade nem tabu. Halle Berry construiu uma carreira brilhante conciliando beleza, força e talento, venceu um Oscar histórico e nunca precisou pedir desculpa por ser uma mulher bonita. Até hoje, perto dos 60 anos, segue sendo uma presença impressionante. Fingir que beleza não importa no audiovisual é uma hipocrisia confortável. Ela não substitui talento, mas caminha junto. Sempre caminhou.
Existe uma diferença essencial
que muita gente hoje parece incapaz de enxergar. Uma coisa é a indústria impor
padrões, explorar corpos, reduzir mulheres a mercadoria, algo que precisa ser
criticado com força. Outra, completamente diferente, é uma atriz ter
autoconfiança, entender que imagem também é parte do trabalho e usar isso a seu
favor. O próprio Marlon Brando falava abertamente que era um produto. Um
produto talentoso, sim, mas também bonito, magnético, desejável. Antes de ser
Don Vito Corleone, ele já era Stanley Kowalski, pura presença física e tensão
sexual. Isso nunca diminuiu sua grandeza como ator. Pelo contrário. O problema
não é a beleza existir. O problema é quando alguém tenta controlar como ela
deve existir.
É nesse ponto que entra o caso da
Sydney Sweeney, que, honestamente, não considero uma atriz extraordinária. Ela
está em formação, crescendo, acertando e errando, como quase todo mundo em
início de carreira. Gosto de vê-la em cena, mas não vou ao cinema exclusivamente
por causa dela, como acontecia nos anos 90 com certas estrelas. Esse modelo de
consumo mudou. Hoje, as pessoas saem de casa muito mais pelo diretor do que
pelo elenco. Um novo filme do Christopher Nolan mobiliza mais do que um novo
filme “do” ator X ou Y. Até dinossauros de bilheteria como Tom Cruise oscilam.
O cinema virou caro, concorre com streaming, perdeu parte do ritual e da
paciência do público. Filmes médios, como Taxi Driver ou O Franco Atirador, que
hoje são clássicos, talvez nem existissem nesse cenário. E justamente por isso,
quando surgem novos rostos, novos talentos tentando ocupar espaço, eu deveria
estar discutindo personagens, histórias, escolhas narrativas.
Mas não é isso que acontece. Você
entra para ver um trailer, uma notícia, uma chamada de filme, e encontra um
campo de batalha. Jeans, Trump, seios, teorias conspiratórias, perseguição
política. Quase ninguém fala da trama. Quase ninguém discute o filme em si. No
meu caso, por exemplo, A Empregada me desperta muito mais interesse do que mais
um Avatar. Não por ser melhor ou pior objetivamente, mas porque me atrai mais
uma história centrada em personagens do que puro espetáculo visual. Ainda
assim, o debate é sequestrado por gente obcecada em vigiar a atriz. Reduzir uma
mulher inteira a um pedaço do corpo, ainda mais sob o pretexto de crítica
social, é burro, chucro e profundamente discriminatório. E o mais irônico é que
isso vem, muitas vezes, de quem se diz defensor das mulheres.
O estopim para eu escrever isso
foi um comentário simples que li hoje. Alguém dizendo que, "no passado, as
pessoas iam ver um filme do Stallone ou do Tom Hanks porque gostavam deles, não
porque se alinhavam politicamente com cada um." E é verdade. As redes sociais
mudaram tudo, ampliaram o ócio, criaram a ilusão de que todo artista deve
satisfação total ao público. Mas não deve. O artista deve respeito, não
submissão. Deve entregar um bom trabalho, não um atestado ideológico. Ninguém é
acionista de estúdio, mas muita gente acompanha bilheteria como se fosse. Torce
contra, celebra fracasso, persegue carreira alheia com uma dedicação que nunca
teve com a própria vida. Não escrevo isso para apontar dedos, nem para defender
celebridades. Escrevo porque algo se perdeu no caminho. Talvez a capacidade de
simplesmente gostar de filmes, personagens e atuações sem transformar tudo em
guerra moral. Talvez o senso de proporção. Talvez o prazer básico de sentar
numa sala escura e deixar uma história acontecer.
No fim, esse texto é só um
desabafo sobre prioridades. Sobre em que tipo de vigilância as pessoas estão
gastando o pouco tempo livre que têm. E sobre como parte do discurso que se diz
progressista não libertou ninguém. Só trocou a coleira de lado.
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