Escrever esse texto me custou mais do que deveria. Não em esforço, mas em exposição. E, ironicamente, era exatamente sobre isso que eu precisava escrever. A escrita que cura, mas também desgasta. Que empurra, mas também esvazia. Preferi não me perder num único bloco longo de desabafo, e por isso dividi em seis partes — tópicos independentes, mas que se conectam como etapas de uma trilha. Talvez você se reconheça em uma ou duas. Talvez em todas. Ou em nenhuma, e tudo bem também.
Antes de mais nada, preciso
agradecer. Os dois últimos textos que publiquei ficaram entre os mais lidos da
semana aqui no blog, e isso não passou batido. Ver que mesmo textos mais densos
ou com opiniões impopulares continuam gerando debate nos comentários (ou até
silêncios pensativos) é o que me motiva a continuar aparecendo por aqui. Com
mais presença, menos promessas.
E sim, o próximo post pode vir
com mais espinhos do que curativos. Estou entre cinco ideias que você pode
escolher ao final do texto.
1. Escrever como fuga (e feitiço)
Nem sempre escrevi com
consciência. Quando era mais nova, a escrita surgiu como uma espécie de fenda
onde o mundo real parava de me engolir. Não era bonito, nem estruturado.
Escrevia num caderno velho que eu escondia no fundo da gaveta, como se aquilo
fosse um segredo sujo, e talvez fosse mesmo. Era ali que eu colocava tudo o que
não sabia dizer. As brigas em casa, o medo da escola, a vergonha do meu corpo,
os bilhetes que nunca seriam entregues. Era quase infantil, mas era meu.
E, por um tempo, isso bastava. Me
curava. Me dava um fio de controle sobre a bagunça que era crescer. Me lembro
de uma noite, talvez com 14 ou 15 anos, em que escrevi por quase três horas
seguidas, chorando sem parar, e pela primeira vez fui dormir com o coração um
pouco menos estrangulado. Era como se escrever exorcizasse algo. Só que, com o
tempo, comecei a perceber que esse feitiço vinha com efeitos colaterais.
2. Quando escrever ficou sério
demais
Na faculdade, tudo mudou.
Escrever deixou de ser abrigo e virou desempenho. Comecei a medir minhas
palavras. Cada texto parecia um teste. Não dava mais pra só sentir e deixar
sair — era preciso revisar, pensar no leitor, calcular a estrutura, a tese, a coerência.
A escrita deixou de ser uma extensão do meu caos e virou um produto.
E com isso veio um tipo diferente
de dor. Uma dor de me censurar. Comecei a escrever menos coisas pessoais, com
medo de me expor demais ou de parecer fraca. Comecei a evitar certas palavras.
Certos assuntos. Porque tinha medo de ser julgada, mal interpretada, ou, pior
ainda, ignorada.
E quando comecei a escrever para
o blog, a situação ficou ainda mais ambígua. Porque eu gostava. Eu queria
aquilo. Eu queria tocar alguém. Mas ao mesmo tempo sentia que cada texto era
como me colocar no paredão — e esperar pra ver se alguém ia atirar.
3. O ciclo da dor que se
retroalimenta
Escrever virou um vício estranho.
Porque às vezes eu me sentia mal de verdade — e pensava: “pelo menos isso vai
dar um bom texto”. E isso é cruel. Porque você começa a transformar a própria
dor em matéria-prima. Começa a se observar sentindo, como se estivesse
escrevendo enquanto vive. Começa a pensar que talvez, no fundo, precise
continuar se machucando um pouco pra continuar escrevendo bem.
É um raciocínio torto. Mas eu já
me peguei nele mais de uma vez. Já percebi que em fases felizes eu simplesmente
sumia da escrita. Porque não sabia como colocar leveza no papel. Porque minhas
palavras não encontravam impulso. Porque sem dor, eu parecia não ter nada
urgente pra dizer.
E aí vem a vergonha. Porque é
como se você traísse a si mesma, sabe? Como se estivesse se aproveitando da
própria tristeza. Como se estivesse mantendo feridas abertas só pra continuar
tendo o que escrever. E isso, com o tempo, te consome.
4. Quando escrever virou rotina
emocional
Com o tempo, fui percebendo
padrões. Eu escrevia mais quando não dormia. Escrevia mais quando brigava com
alguém. Quando me sentia invisível. Quando estava perto de fazer aniversário.
Quando sentia que todo mundo estava andando pra frente e eu continuava presa no
mesmo lugar.
E nesses momentos, escrever
virava uma rotina emocional. Uma espécie de autocuidado torto. Uma tentativa de
reordenar o mundo de dentro. Eu sentava e digitava sem parar, mesmo sabendo que
talvez ninguém fosse ler. E mesmo assim precisava escrever. Porque era aquilo
ou transbordar de vez.
A escrita virou um espelho — mas
um espelho que nem sempre me mostrava coisas bonitas. Às vezes era difícil me
encarar ali. Ver a forma como eu me diminuía. Ver os sentimentos que eu tentava
fingir que não estavam mais ali, mas que continuavam aparecendo nas
entrelinhas.
5. Quando escrever encontrou eco
Em alguns momentos, alguém lia. E
comentava. E dizia que se sentiu visto, ou que chorou, ou que salvou o texto
num bloco de notas pra reler depois. E isso mudava tudo. Porque de repente não
era mais só sobre mim.
Comecei a perceber que mesmo os
textos mais pessoais podiam ter algo universal. Que às vezes o que me doía
também doía em outra pessoa. Que a escrita podia ser ponte. Que existiam
leitores que não estavam ali pra julgar, mas pra encontrar.
Esses ecos me curaram muito. Me
fizeram continuar. Mas, confesso, às vezes também me pressionavam. Porque
quando alguém diz que você escreve “profundamente”, “dolorosamente bem”, você
sente que precisa continuar entregando dor. Como se a leveza não fosse
bem-vinda ali. Como se o silêncio não coubesse.
6. Conclusão: o que me cura
também me adoece, e tudo bem
Hoje, eu ainda escrevo. Menos do
que gostaria. Mas continuo. E ainda tenho essa ambiguidade comigo. Ainda amo e
odeio esse ato. Ainda tenho dias em que começo um texto e travo na metade
porque parece que não tem mais ninguém ouvindo. E dias em que escrevo sem
parar, como se estivesse respirando tinta.
Escrever me curou. Muitas vezes.
Me salvou de crises, de vazios, de noites ruins. Mas também me fez pior. Me
expôs. Me viciou em dores. Me afastou de viver o presente, porque eu ficava
sempre tentando transformar tudo em texto.
Mas talvez a verdade esteja aí.
Escrever nunca foi sobre ser perfeito. Ou sempre estar bem. Escrever é isso: um
equilíbrio instável. Uma tentativa constante de se traduzir. E às vezes a
tradução falha. Mas ainda assim vale a pena.
Se você também sente isso — que a
escrita te deu muito, mas te tomou outras coisas — saiba que não está sozinho.
E se quiser, pode me contar aí nos comentários. Eu juro que leio cada palavra
com a mesma dorzinha boa de quem reconhece alguém pela primeira vez num texto
que poderia ter sido seu.
Agora sobre as opções, pode ser
que todas sejam publicadas, pode ser que apenas algumas sejam. Vai depender de
vocês nos comentários. Resolvi não só aumentar um número de opções, como dar
uma breve sinopse de cada, lá vai:
A) A Arte de Odiar Discretamente
Quando você não deseja o mal de
ninguém — só que nunca mais falem com você. Um “ensaio” sobre o desprezo quieto
que preserva a sanidade.
B) Afinal, os X-Men
querem paz ou querem ser odiados com estilo?
Uma leitura simbólica (e
sarcástica) sobre a eterna contradição dos mutantes que se dizem pacíficos, mas
parecem sempre prontos pra guerra estética.
C) Os 10 clichês
que tornam um vilão inesquecível
Da
gargalhada até a ferida mal curada. Uma lista que cheira a pólvora e monólogo
bem escrito.
D) HQs que
prometeram ser revolucionárias e sumiram do mapa
Quando a capa gritava “revolução”
e a última edição sussurrava “cancelado”. Um dossiê sobre ideias boas que
evaporaram.
E) Mulheres que não
sorriem
Não é pose. Não é misandria. É só
o cansaço de ter que ser palatável o tempo inteiro. Um texto sobre força
contida, resistência em silêncio... e talvez você.
✒️ E agora, é com vocês.
Deixem nos comentários qual
desses temas cutucou mais fundo. Ou qual você leu e pensou “é esse, porque eu
também já pensei nisso”. Eu prometo voltar com o texto mais votado até a
próxima semana.
Obrigada a todos que têm lido,
comentado e ajudado esse espaço a viver. Um blog não é só feito de postagens —
é feito de quem responde.
A gente se encontra no próximo.



