SUPERMAN ESMAGA O KLAN – QUANDO SUPERMAN ENFRENTOU O PRECONCEITO

 




SUPERMAN ESMAGA A KLAN – QUANDO SUPERMAN ENFRENTOU O PRECONCEITO

Sendo um ícone da cultura pop, Superman é um dos personagens mais adaptados de todos, tendo aparecido em filmes, séries, desenhos e video games. 



Uma das mídias que foi bem relevante para o sucesso do Último Filho de Krypton foi o rádio. Eu me refiro” As aventuras do Superman”, um programa de rádio que foi exibido durante o ano de 1940 a 1951. Não só esse áudio show foi a primeira adaptação do Superman fora das Hqs, como também foi responsável por apresentar elementos que viriam a fazer parte das hqs, como a kriptonita, personagens como Jimmy Olsen e até mesmo frases icônicas como “Para o alto e avante...” (tinha que falar algo assim pra indicar que o Superman estava voando, né?)



Dentre os vários episódios exibidos por esse programa, um dos mais destacados foi The Clan of the Fiery Cross (O Clã da Cruz de Fogo), uma história criada 1946 com a intenção de criticar os crimes da Ku Klux Klan, expondo o impacto negativo que eles traziam para sociedade e buscando fazer a organização perder sua força.

Em 2019, o autor Gene Luen Yang usou esse episódio de rádio como base para escrever “Superman Esmaga a Klan” (Superman Smashes the Klan), uma hq em três edições que recontou esse conflito do Superman contra esse grupo racista, porém com umas mudanças que ajudaram a HQ seguir por uma direção nova e um pouco diferente do programa, mas mantendo a mensagem da história original e sua relevância nos dias de hoje



TRAMA

Em 1946, após o fim da Segunda Guerra, a família chinesa-americana Lee se muda de Chinatown para Metrópolis após o pai, Doutor Lee, ter começado a trabalhar no Departamento de Saúde.  



Enquanto a família vai se adaptando a sua nova vizinhança, o filho deles, Tommy fica amigo do Jimmy Olsen e passa a jogar no time de baseball. Porém seu sucesso acaba provocando inveja do valentão Chuck Riggs, cujo tio Matt é secretamente o Grande Escorpião, um membro do Klan da Cruz de Fogo (a versão da KKK no universo DC).


 

Após uma briga com o Tommy ter resultado em seu sobrinho sendo expulso do time de baseball, Matt e seu grupo passam a ameaçar a família Lee.



Por sorte, os ataques dos vilões acabam chamando a atenção do Clark Kent e a Lois Lane, que, ao lado do inspetor Henderson, tentam ajudar os Lee a desmascarar esses opressores. 



Porém, os esforços do Superman em ajuda-los vão sendo dificultados por estranhas visões de um casal de aliens, que fazem o herói refletir sobre dúvidas que ele tem sobre sua verdadeira identidade.







HOMENAGEM A ERA DE OURO

Já nas primeiras páginas dá pra notar a dedicação que o Yang em adaptar essa história, não só tendo ela se passando no mesmo ano que o episódio do programa de rádio, mas também acrescentando várias  referências as histórias do Superman da Era de Ouro, desde os trajes dos personagens (com Superman usando o icônica uniforme do desenho dos Fleisher), o fato do Superman ainda não voar (falarei disso mais a frente) a participação de personagens como o Homem Atômico (um dos vilões do seriado do Superman com Kirk Alyn).




A arte, feita pela equipe de ilustração Gurihiru, contribui para essa homenagem, com o design dos personagens sendo bem simples mas expressivo, lembrando os desenhos animado da época.

Mas, uma HQ não é um sucesso apenas por visual. Tem que ter história sobre algo, temas interessantes a serem discutidos. É aí que "Superman Esmaga a Klan" se destaca...

A IMIGRAÇÃO E O PRECONCEITO

Um herói lidando com preconceito não é uma temática nova nas hqs. Já foi explorado em várias hqs do passado, com o melhor exemplo sendo nas revistas de personagens como os X-men ou Pantera Negra (que também teve um arco lutando contra membros da KKK).




Porém, o que ajuda “Superman Esmaga a Klan” se diferenciar desses outros exemplos é a forma como Yang aborda a questão do racismo e suas complexidades. Superficialmente a história é sobre Superman protegendo uma família de imigrantes de um grupo de vilões racistas, mas são dos detalhes pequenos que tornam esse conflito interessante.

Um desses detalhes é a dinâmica entre Chuck e seu tio. Fica estabelecido que Chuck, apesar de ser valentão, não concorda com os métodos do Klan. Ele estava com inveja do Tommy e seu tio se aproveitou disso para tentar recruta-lo para o grupo. 



Ironicamente, é revelado depois que Chuck não é o único sendo manipulado, pois seu tio descobre que o líder da Klan não dá a mínima para a causa deles de uma “nação purificada”, usando essa ideologia apenas para manipular os membros a auxilia-lo em seus crimes. Dessa forma, Yang demonstra como racismo é ignorância da realidade, um recurso usado por figuras para influenciar outros e conseguir apoio para seus ganhos pessoais.



Mas Yang não retrata conflito nessa história simplesmente se baseando numa visão branca e preta do mundo. Ele aproveita e usa a família Lee para mostra as áreas cinzas nesse assunto. Apesar de serem vítimas de um grupo preconceituoso, o Doutor Lee apresenta inicialmente esse comportamento (embora não tão extrema como o Klan) em relação ao inspetor Henderson e seus vizinhos, todos afro-americanos, que tentam ajuda-lo após sua casa ser incendiada pela Klan, mostrando como racismo pode acontecer entre grupos de diferentes raças, não importa se sejam brancos, pretos, asiáticos.



A história dos Lee se mudando para Metrópolis é usada como uma forma da HQ abordar as dificuldades de imigrantes se adaptarem a novas regiões. Isso é representado pela filha do casal, Roberta (cujo nome verdadeiro é La-Shin, mas ela foi forçada a mudar para “agradar” os brancos). Diferente do resto dos Lee, a menina apresenta dificuldade em se adaptar a Metrópolis, sentindo-se como se estivesse sendo forçada a abrir mão de cultura pela americana. Sua ansiedade vai ficando maior com as exigências de seu pai de que ela adote o nome "Roberta", a forma como pessoas apresentam ter uma visão estereotipada dela e, pior, seu irmão, para poder fazer novos amigos, passou a se referir a sua família por termos bem autodepreciativos. Isso deixa a menina bem desconfortável, não sabendo se deve preservar sua identidade ou abrir mão disso e ser o que outros esperam que ela seja.



Contudo, ela não é a única pessoa nessa história passando por uma crise de identidade, pois tem mais uma pessoa lidando com um dilema similar... o próprio Homem de Aço.

O REFUGIADO DAS ESTRELAS

Eis uma pergunta: quem é o Superman? Kal El, filho de Jor-El e Lara, ou Clark Kent, filho de Jonathan e Martha Kent?



Isso é uma questão debatida entre fãs e escritores. Alguns julgam que Kal-El é a verdadeira identidade, julgando o drama do Jor El ter mandado o filho para Terra sendo considerando mais importante, com Superman sendo retratado como um personagem que sabe muito da cultura de kypton e possui vários tecnologias de seu planeta natal.

 



Porém, desde a fase influenciadora do John Byrne, a resposta para essa pergunta tem sido a segunda opção. Superman é Clark Kent, o rapaz do Kansas que foi criado por Jonathan e Martha, com o fato dele ser um alien sendo retratado como um detalhe insignificante a sua verdadeira identidade.


“Clark Kent é quem eu sou. Superman é o que eu posso fazer!”

Superman em Lois & Clark – As Novas Aventuras do Superman

Embora eu reconheça a importância que a fase do Byrne teve para a imagem do Último Filho de Krypton e boas mudanças que trouxe (ex: Lex Luthor sendo bilionário corrupto ao invés de um cientista louco), a forma como ele abordou o lado humano do Superman envelheceu muito mal, com a abordagem dele se revelando cada vez mais xenofóbica a cada releitura, desde a forma como ele representa os kryptonianos como seres frios e privados de emoções ao fato do Clark ser concebido quando sua nave chega na Terra (deixando claro que ele nasceu ali e não em Krypton), além da história relembrar os leitores várias vezes que Clark é AMERICANO. Para destacar a importância do lado humano do Superman, Byrne  vilanizou o lado kryptoniano.




A realidade é que Clark não pode ser apenas uma coisa ou outra, porque a ausência de uma identidade afeta outra. 


Como Superman, ele pode ajudar pessoas e resolver problemas no mundo, mas isso dificulta sua relação com pessoas, com cada pessoa tendo sua perspectiva diferente em relação a ele (ex: alguns o enxergam como um heróis inspirador, outros como um alien, etc...) e esquecem o homem por trás do símbolo. É pressão demais para qualquer um lidar.



Por outro, como Clark Kent, ele consegue ter uma relação mais natural com as pessoas, porém, para manter seus poderes em segredo, Clark não pode ser 100% honesto sobre sua vida com os outros e fica difícil ajudar na mesma extensão que o Superman pode.




Sob esse ângulo Yang leva esse drama da identidade do Superman para uma direção mais psicológica. Através de flashbacks, ele abordou o medo de Clark ao saber que ele é um alien, como essa revelação deixava o jovem preocupado, de vez em quando se enxergando como um monstro e temendo que as pessoas o rejeitariam por saberem esse detalhe.




Esse conflito interno se reflete no presente, com Clark não só lidando com visões do Jor-El e da Lara (cujas aparências iniciais representam a visão errada que Clark tem dos kryptonianos), mas descobrindo novas habilidades que poderiam auxilia-lo na suas missões, mas Clark hesita em utilizadas, recorrendo a habilidades que humanos conseguem praticas (ex:força, velocidade e salto), temendo que fazer algo a mais revelaria seu segredo e faria a população rejeita-lo.



Olhando nessa perspectiva, dá pra notar como Clark e Roberta, e consequentemente a família Lee, são bem parecidos, lidando com crise entre a cultura de seu lugar de origem e de criação, dificultando eles seguirem em frente com suas vidas. 



Mas a jornada dos dois os leva a encontrar aceitação pelos seus dois aspectos. Roberta valoriza sua cultura, mas desenvolve relações com pessoas como a Lois Lane e o Jimmy Olsen, que a aceitam por quem ela é, não o que eles esperam que ela seja, enquanto Clark consegue coragem para ir a Fortaleza da Solidão descobrir a verdade sobre seu nascimento.





No final, ele  reconhece Jor El, Lara e Krypto não como algo insignificante ou ter vergonha mas sim como parte de si mesmo. Uma coisa não anula a outra. Superman não é apenas Kal-El ou Clark Kent. Ele é ambos.

“Você é parte deles filho, e sempre será. Mas você sempre será parte de nós também.”

Jor El e Lara em Superman Esmaga a Klan


CONCLUSÃO



É bem apropriado que a melhor forma de descrever “Superman Esmaga a Klan” é citando o clássico ditado: Não julge um livro pela capa.

Quando se trata de ler HQs de super herói, é comum muita gente pensar neles algo para jovens, principalmente escaparem da realidade. Muita gente assumem que se trata de uma história boba e infantil apenas vendo as imagens e nada mais. 

Mas, tal como Superman e Roberta, essa visão os impede de ver o quão diferente essas histórias podem acabar sendo mais do eles esperavam. Por trás de sua inocência eles podem expressar ideias, apresentar dilemas identificados na nossa realidade e ter momentos que tocam as emoções de vários e ainda divertir o público com ação, humor e entretenimento.



Superman Esmaga a Klan poderia facilmente ter sido apenas uma história de Superman batendo em uns membros estereotipados da Klan e nada mais, mas Gene Luen Yang deu a HQ algo a mais, uma história bem mais pessoal, com personagens com dramas bem relacionáveis, sem abrir mão da diversão e criatividade que quadrinhos de heróis podem ter.




Combinando o clima de ação e aventura do mundo do Superman com esses dilemas pessoais e relacionáveis é o que contribui “Superman Esmaga a Klan” ser não apenas uma boa história do Superman e uma homenagem a uma fase clássica, mas também uma das HQs bem relevantes nos dias hoje e uma leitura recomendável para muitos.



Então é isso, concordam comigo? Discordam? Qual a opinião de vocês quanto ao “Superman Esmaga o Klan”? Sintam-se a vontade para colocar suas opiniões e ideias nos comentários abaixo.


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