Por que tiraram a Cruz de Malta do peito do He-Man da Netflix?

 

Muito provavelmente, você já está ciente da nova animação de He-Man da Netflix, sob a batuta de Kevin Smith. Uma das coisas que chamaram atenção foi a ausência da Cruz de Malta no peitoral do defensor de Eternia, sendo substituída pelo “H” estilizado, que já era o símbolo da armadura de combate do He-Man. Mas por que isso aconteceu? Na verdade, creio que sei a explicação.


Em suma, o mais provável é que os criadores do desenho tenham tido a preocupação de dissociar He-Man da famosa Cruz de Ferro do Exército alemão, que na realidade não é necessariamente um símbolo nazista, mas que foi incorporado naquela época. A Cruz de Ferro na verdade remonta ao Império prussiano, sendo de grande relevância para a cultura teutônica. Mais do que isso, esse símbolo existe desde a Idade Média e foi utilizado como brasão nas Cruzadas. É muito reducionismo equipará-lo apenas ao nazismo, mas entendo que esse é um ponto sensível.

 

Para arrematar, o símbolo da Cruz de Malta também é utilizado na infame organização racista Ku Klux Klan, muito mais próxima da realidade norte-americana. Então, é sem dúvida um símbolo que tem suas problemáticas.


Obviamente, é uma grande bobagem querer associar He-Man a nazismo ou a Klan, mas o que mais tem por aí é cara desocupado que adora criar problematização na internet, então entendo o cuidado de terem alterado o símbolo do herói, apesar de que pessoalmente aprecio mais a Cruz de Malta do que o “H” estilizado como a marca do personagem. A cruz inclusive é o símbolo do personagem desde o boneco protótipo da Mattel. Como é sabido, a empresa queria elaborar uma linha de bonecos de Conan, o Bárbaro, mas achou que não seriam muito adequados para crianças, então criou He-Man. Por que a Cruz de Malta foi escolhida para ser o símbolo do herói? Não sei exatamente a razão, mas creio que é para demonstrar a bravura do personagem, uma vez que esse símbolo é uma medalha de distinção do Exército alemão. Além disso, se olharmos a fundo, veremos que no desenho clássico de He-Man há vários aspectos esotéricos.

 

Como He-Man foi criado com o objetivo precípuo de vender bonequinhos, foi criada a versão com armadura de combate do personagem, cujo símbolo é o “H” estilizado. Esse símbolo é semelhante ao da Horda, organização de Hordak, arqui-inimigo da irmã de He-Man, She-Ra, mas não tem nenhuma relação.


 

Nos quadrinhos atuais de He-Man publicados pela DC, o herói está vestindo a armadura de combate com o “H” estilizado. Nos primeiros números dessa nova fase, ele usava o clássico símbolo da Cruz de Malta, mas isso não perdurou por muitas edições. Na animação de 2002, He-Man empregava um símbolo graficamente diferente da Cruz de Malta, mas que fazia alguma alusão.

 

A questão fundamental é que Kevin Smith está encarregado de uma grande responsabilidade, pois a franquia He-Man há um bom tempo que anda meio mal das pernas, sem conseguir conectar-se com as gerações mais novas. A fanbase de He-Man está longe de ser uma das mais fáceis de lidar, constituída basicamente por nerds de meia idade que não gostam que nada mude. Da minha parte, compreendo isso porque também sou um nerd chato, que não aprecio muito mudanças, mas eventualmente mudanças são realmente necessárias para atualizar um personagem. O problema é quando fazem algo que vai de encontro às características intrínsecas desse personagem. Ao contrário de heróis com fanbases mais bem estabelecidas, como Batman e Homem-Aranha, a do He-Man é bem menor e até mais fidelizada. Se a Marvel faz uma cagada com o Aranha e a DC, uma com o Batman (e olha que ambas as editoras já fizeram várias cagadas com esses heróis), isso pode prejudicar comercialmente esses personagens, mas não a ponto de extingui-los. Com He-Man, não é bem assim. E olha que a fanbase do defensor de Eternia já está ficando meio dividida com relação à nova animação, que nem estreou ainda.

No entanto, até agora ninguém levantou a polêmica da Cruz de Malta ou da mudança de símbolo no He-Man. O que o pessoal anda discutindo, e concordo um pouco nesse caso, é que a Teela ficou com um design muito masculinizado, o que não dá para negar. Está certo que a justificativa é que ela é uma guerreira e tem de ter músculos, mas aí entra a boa e velha suspensão de descrença. No mundo de Eternia, há magia e tecnologia, por que não pode ter uma guerreira com corpo feminino? A Sonja mesmo, que vestia um biquíni de metal e tinha peito e bunda, era uma guerreira. A Mulher-Hulk raiz tinha um corpo escultural, ao contrário da atual, que é a maior baranga. Nos últimos anos, tem havido uma problematização de personagens femininas sensuais em quadrinhos e animações. Por sua vez, a galera da lacrolândia, tem reclamado da “masculinidade tóxica” do He-Man. Mas o que eles querem? He-Man em livre tradução para o português significa “machão” ou algo do tipo.

 


Apesar de toda a problematização, já houve caso até pior que o da Cruz de Malta de He-Man. O personagem Manji, do mangá Blade - A Lâmina do Imortal, usa o símbolo da suástica, e isso causou a maior polêmica nos Estados Unidos na época, quando da publicação do mangá por lá. No entanto, a suástica tem origem no sânscrito e não tem nada a ver originalmente com o nazismo. Os nazistas gostavam desses elementos esotéricos e apropriaram-se da suástica.

Enfim, particularmente, estou com boas expectativas quanto a essa nova série animada de He-Man. Tenho o pé atrás com Kevin Smith; o acho bem irregular. Ele tem algumas coisas boas, na mídia de filmes e quadrinhos, mas também muita bosta. O chato é ele ter essa banca de “nerd honorário”. Mas torço para que o desenho seja bem-sucedido, o defensor de Eternia sem dúvida merece, e que muitos bonequinhos sejam vendidos. E esperemos que não proíbam a Cruz de Malta no símbolo do Vasco da Gama. Do jeito que anda o mi mi mi, acho bem possível.

 

 

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