VISÃO SONHA COM OVELHAS ELÉTRICAS?

 


O escritor Tom King se tornou uma celebridade no mundo das HQs com obras para personagens como Batman, Senhor Milagre, Os Ômega Men, Asa Noturna, foi responsável pela saga Heróis em Crise e o elogiado O Xerife da Babilônia pelo selo VERTIGO, para quem leu boa parte desse material sabe que seu estilo narrativo angariou muitos fãs entre os leitores de quadrinhos.

 


Tinha algum tempo que eu andava atrás de conseguir o seu trabalho com o VISÃO, essa mini em 12 partes lançada entre 2015 e 2016 ganhou prêmios importantes como o Eisner e o Harvey, recentemente adquiri o primeiro volume: POUCO PIOR QUE UM HOMEM. Gosto do Visão, é um personagem interessante da Marvel e também adorei o trabalho de King com o Senhor Milagre pela DC, escrevi duas resenhas sobre a sua passagem:

Parte 1: https://ozymandiasrealista.blogspot.com/2020/11/senhor-milagre-armadilha-sem-fim-parte.html

Parte 2: https://ozymandiasrealista.blogspot.com/2020/11/senhor-milagre-prisao-sem-muros-parte.html

 Tanto que em uma delas cito que faltava ler seu trabalho com o sintozóide preferido dos quadrinhos. O termo designa uma forma de vida humana artificial com material que simula os nossos órgãos, tecidos e funcionamento corporal, na Marvel o Tocha Humana original criado pelo cientista Phineas Horton foi o primeiro. O Visão também foi criado pelo dr. Horton a partir de uma duplicata do Tocha Humana de outra linha temporal sob ordens do Ultron, usando os padrões cerebrais do herói Magnum. Sua fonte de força é a energia solar, aparentemente absorvida pela ‘joia’ em sua testa, no universo cinematográfico da Marvel ela se tornou uma das joias do infinito.

 


Depois do sucesso no cinema, Visão voltou a aparecer na série WandaVision como um construto parte do delírio da Feiticeira Escarlate causado pelo trauma dela ao descobrir a situação do seu amado depois de retornar à realidade, ela foi uma das pessoas que sumiu no evento que Thanos causou. No fim ele retornou, reconstruído pela agência governamental S.W.O.R.D., confrontou sua versão mágica e desapareceu para tentar entender como seria seu verdadeiro papel nessa nova existência. Houve uma manifestação de desagrado por parte do Tom King nas redes sociais com relação à série da TV, segundo ele não houve nenhum crédito para ele e nem para o artista da mini: Gabriel Walta, pela inspiração em algumas partes do argumento ou ao visual do personagem na produção, até o desenhista de Senhor Milagre, Mitch Gerads, entrou na polêmica concordando com o ponto de vista dos dois.

 

Assisti WandaVision e li Visão, o primeiro encadernado, acredito que rolou uma dor-de-cotovelo por parte do Tom King nessa situação, algumas coisas lembram realmente o trabalho dele, mas bem poucas já que a pegada da série é seguir os passos do universo cinematográfico, não das HQs e o foco da série de TV foi a Feiticeira Escarlate, para dar sequência nos eventos pós Ultimato e o Visão estava na linha dos filmes, as melhores referências de HQs dele foram aquelas que lembraram a passagem de John Byrne pelo título dos Vingadores da Costa Oeste, com o Visão Branco e a cena onde ele está totalmente desmontado no laboratório do governo e nem ouvi falar de reclamação do artista canadense por não ter seu nome nos créditos.

 


Passado isso, voltemos à HQ. POUCO PIOR QUE UM HOMEM me agradou bastante por explorar a questão de como uma forma de vida artificial poderia construir uma família e viver como um humano entre os demais? No caso dele o termo é CONSTRUIR mesmo, nós constituímos, formamos famílias, o vingador literalmente construiu uma esposa que nomeou Virgínia e mais dois filhos gêmeos, um rapaz chamado Vin e uma moça, Viv. O sintozóide e sua ‘família’ se mudam para uma casa em Cherrydale, que fica em Arlington, Virgínia, ali tentam viver como americanos normais em uma vizinhança normal, porém não há condições de essa ideia ir à frente sem algo dar errado, e as coisas começam a dar muito errado. Visão não criou marionetes, são sintozóides como ele, com os mesmos poderes, porém com padrões cerebrais distintos o que leva a alterações de humor, questionamentos existenciais e quase tudo o que aconteceria com uma família normal, o contato com os vizinhos, a relação dos gêmeos na escola e o comportamento da esposa, em meio a isso Visão tenta encontrar um meio de encontrar sustento para a casa, alimentação para eles é se carregarem de energia solar, mas uma casa tem custos e não pode viver com as economias que tinha, não estava recebendo salário pelos vingadores e nem tinha uma ocupação no governo ou em qualquer órgão de defesa.

 

Tudo parece correr razoavelmente normal, porém o ataque de um supervilão à residência dos Visões logo após o herói se ausentar acaba com um deles semidestruído e com um desfecho chocante protagonizado por sua esposa que recorre a atos extremos para defender sua família sintética. Desse momento em diante que a narrativa de King constrói uma trama sinistra sobre até que ponto uma entidade artificial que se acha capaz de viver e sentir como um humano é capaz de ir para defender seus desejos.

 


Em alguns momentos o comportamento do Visão assusta, como quando ele questiona o bom senso do diretor da escola em tentar aplicar uma punição ao seu filho lembrando de sua vida heróica como vingador e quando chega a ameaçar Tony Stark para que ele o ajude a salvar sua filha danificada. Lendo esse volume comecei a fazer uma associação do argumento com o que vemos em Blade Runner – O Caçador de Andróides, o cult movie baseado em um romance de Philip K. Dick: “Andróides Sonham Com Ovelhas Elétricas?”, o livro foi lançado em 1968 e adaptado para o cinema por Ridley Scott em 1982 (K. Dick morreu no mesmo ano e não viu o filme finalizado), com Harrison Ford e Rutger Hauer nos papéis principais, até o momento eu só assisti ao filme, comprei o livro em e-book para ler e poder ver as diferenças entre filme e livro.

 

No livro o caçador de andróides Rick Deckard ganha a vida caçando androides fugitivos de colônias extraplanetárias que fogem para a Terra em busca de viver ilegalmente se passando por seres humanos, seu sonho é substituir sua ovelha elétrica por um animal de verdade quando se aposentar pois no seu futuro apocalíptico a vida animal está quase extinta e ter um animal real é sinônimo de status social, situação que foi adaptada de forma diferente no filme e qual a relação com o Visão e a mini de Tom King? O sintozóide está sonhando com ovelhas elétricas, ele busca tornar sua família sintética a mais humana possível, ele não pode fazer deles pessoas, mas tenta viver como um homem e pai de família real, porém as situações que se desenrolam durante o primeiro encadernado com as consequências dos atos de sua esposa artificial e das relações que seus filhos tem com os colegas de escola só mostram que o que Visão está tentando fazer é perigoso demais, tanto para ele como para a humanidade, prova dessa analogia entre a obra de K. Dick e o texto de Tom King é quando, e de que maneira, o vingador arruma um cãozinho para ser mascote da família que dá sinais de estar ruindo diante do fato de que, mesmo tentando de qualquer jeito, não tem como serem humanos.

 


Paralelo a isso a antiga mentora da Feiticeira Escarlate, Agatha Harkness, tem uma visão de um futuro apocalíptico envolvendo o sintozóide vingador e o resto da humanidade, ela avisa aos demais heróis no final do encadernado que, nessa busca de tornar sua vida e a sua família perfeitas, o Visão arrasará o mundo. Quando conseguir a segunda parte, verei a conclusão da trama de Tom King e saberei se o Visão poderia ter sonhado com ovelhas elétricas.




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