ACEITA UM CAFÉ?



Texto da tag "Escritor Convidado", escrito por: Jotabê
Publicado originalmente AQUI.

Às vezes, como dizia um colega meu, eu fico meio “melanchólico”. Quando isso acontece, meu cérebro desabilita as opções "sem noção" e "reflexões poça d'água" (profundas como uma). Por isso, fiquei com vontade de escrever sem muita ironia (difícil!). Não há nada de novo no que vou dizer, pois a maioria que me conhece já ouviu essas histórias bobinhas, elos de uma mesma corrente. Mesmo assim, resolvi registrar, mais para passar o tempo.

1° CASO
Como eu morava na casa de minha avó até me casar, tomei posse de um baú cheio de revistas “Seleções do Reader’s Digest” (que li de cabo a rabo), deixadas para trás por um tio quando foi estudar fora. Em uma dessas revistas eu li uma historinha que até hoje me encanta (eu sou meio bobão).

Nela, um sujeito contava suas lembranças de quando passeava pelas ruas na companhia de um tio. Ele notou que o velho tinha o costume de aproximar-se de mulheres sozinhas que vinham em sentido contrário e sussurrar-lhes alguma coisa (era espanhol, se não me engano). Não demorou muito para perceber que o tio só se aproximava de mulheres feias ou maltratadas pela vida. Curioso, perguntou o que aquilo significava. O tio então lhe explicou (Vou tentar reproduzir a fala):

 “quando jovem eu queria ser pintor, um grande pintor, para produzir belas obras de arte. Com o tempo, percebi que jamais conseguiria isso pois era muito medíocre, faltava-me talento. Assim, resolvi tentar produzir beleza de outra forma. Hoje, quando vejo uma mulher feia, desgastada, maltratada se aproximando, sei que ela jamais recebeu ou receberá um elogio por seus dotes físicos. Então, eu me aproximo dela e lhe digo “guapa” ou outro galanteio. Por uma fração de segundo, eu vejo seus olhos brilharem, eu vejo seu sonho de ser bela se concretizar. Assim, eu sinto que produzo beleza, mesmo que de forma fugaz”.


2° CASO



No início da década de setenta eu fui um dia a Ouro Preto, em pleno Festival de Inverno (que era bom pra caramba). No meio da Praça Tiradentes estava instalada uma banca ou estande do hoje extinto IBC – Instituto Brasileiro do Café. Ali estavam fazendo a degustação de um café tipo exportação.

Não sei se pelo frio que fazia naquele início de manhã, pelo charme próprio da cidade, pelo clima do festival ou, mesmo, pela qualidade indiscutível do café, o fato é aquele foi o café mais saboroso que já tomei até hoje.


3° CASO:

Por volta de 1996, uma equipe da URBEL composta de engenheiros, arquitetos e outros profissionais foi inspecionar a Vila Fazendinha (próxima aos bairros Santa Efigênia e Paraíso), por conta de obras previstas no Orçamento Participativo.
Chegamos até a parte mais alta da favela, onde já não havia mais nada, exceto uma única construção de tijolos sem rebocar, um barracão de uns nove metros quadrados, totalmente isolado. O grupo ficou ali discutindo o que seria feito, bla bla bla, obras de controle de erosão, bla bla bla descida d’água, etc. À distância, saído do barracãozinho, ficou um jovem observando.

Quando já estávamos descendo, ele se aproximou e perguntou se seria construída uma rua ali. Respondi-lhe com todo o cuidado que, infelizmente, não. Expliquei que a inclinação do terreno, muito íngreme, inviabilizava a abertura de uma rua no local. Futuramente (não agora), seria construída uma escadaria, bla bla bla. O jovem pareceu satisfeito com a explicação e mais ainda com a atenção que dei a ele. E fez a pergunta fatal:

- O senhor aceita um café?

De imediato eu pensei em como seria lavada a xícara, pois ali não havia nada, nem água encanada nem energia elétrica, tal o isolamento da moradia. Eu poderia ter dado mil explicações e recusar, poderia dizer que estavam me esperando ou simplesmente dizer – não, obrigado”. Aí entrou em cena o pensamento do velho espanhol narrado no primeiro caso e eu apenas disse:

- Claro que aceito!

O jovem me pediu para segui-lo até o quartinho. Com a porta aberta, eu pude ver a imagem da máxima privação. Naqueles nove metros quadrados, sem nenhuma divisória, podia-se ver uma cama de casal, um berço onde dormia um bebê de uns dois anos, uma pia, prateleiras, latas e um fogãozinho. Com um bule de café.  Uma moça tão jovem quanto ele me estendeu uma xícara de café ralo e morno. Meu “anfitrião” desculpou-se pela temperatura do café e perguntou-me se eu desejava que fosse aquecido (esquentado). Disse-lhe que não precisava, que estava ótimo e que eu adorava café. Tomei o café todo, agradeci e desejei saúde e sorte para aquelas três crianças.

Descendo o morro, percebi que estava feliz (ainda que preocupado com uma possível verminose futura). Eu subira o morro apenas como engenheiro, mas descera melhor como pessoa. Naquele dia eu tive a certeza que nós dois ganháramos coisas preciosas: por ter tratado aquele jovem tão despossuído de tudo com um respeito, atenção e cortesia a que ele, provavelmente não estava acostumado, acabei também ganhando a sensação de que, afinal, eu tinha melhorado e amadurecido como pessoa, como ser humano.

Não tem nenhum sentido comparar sabores e aromas daquele café ralo e morno com o que bebi em Ouro Preto, mas hoje eu sei que naquele dia, no alto da Vila Fazendinha, eu tomei o melhor café da minha vida.



Leia mais textos de Jotabê em: https://blogsoncrusoe.blogspot.com/

Postar um comentário

0 Comentários