A METAMORFOSE, KAFKA E A NATURALIZAÇÃO DO ABSURDO

 


Certamente você já deve ter ouvido falar do livro “a metamorfose” e se for um pouco mais chegado na literatura sabe que é escrito pelo “supremo” Franz Kafka, ele é realmente incrível, e no decorrer desse texto vou argumentar o porque disso. É engraçado que eu comecei a ler esses livros para fugir da política, da economia filosofia e outras vertentes do conhecimento, tudo isso é muito bom, mas cansa, e não tem nada melhor para ampliar os horizontes do que literatura de ficção, um homem sem imaginação, é um homem limitado aos seus próprios anseios, em suma um homem sem imaginação é um homem reduzido a mediocridade de sua realidade, por mais que ela lhe pareça ser incrível.

Então comecei a ler a obra de Kafka, devorei o livro, que já se inicia de maneira inusitada “certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso” e mais a frente Kafka escreve as falas de Gregor já metamorfoseado, dizendo “que tal se eu continuasse dormindo mais um pouco e esquecesse que todas essas tolices?” e depois “ah meu Deus! - que profissão cansativa eu escolhi, entra dia e sai dia viajando... (ele era caixeiro viajante).

O mais interessante ao iniciar a leitura, é ver a forma como Kafka aborda e descreve o absurdo da situação de uma pessoa que se transformou em um monstro. A situação é crítica, e em todo o decorrer da história se torna cada vez mais bizarra ainda, quando outros personagens da sua família se envolvem na trama. O fato é que mesmo narrando tanta dor, drama, e horror, Kafka escreve de maneira sutil e com certa leveza, Kafka banaliza o ou melhor, naturaliza o absurdo.

 E você pode pensar “carambolas, mas como alguém poderia naturalizar tanto caos? ‘como ser transformado em um inseto gigante, pode ser algo tratado com tanta naturalidade?” -vou te dizer uma verdade secreta, todo dia eu e você banalizamos e naturalizamos absurdos em nossas vidas pessoais e na vida em sociedade.

Milhares de moradores de ruas clamando por comida, homens matando mulheres e vice e versa, crianças morrendo em guerras civis, liberdades sendo massacradas pelos estados, desemprego em massa, assassinatos, alcoolismo, vicio em drogas, pornografia infantil, 230 mil mortos por covid... tudo é caos e tão caótico, mas estamos aqui, vivendo e sobrevivendo todo dia, e simplesmente ignoramos tudo isso, todos os dias, com a leveza e sutileza de Kafka ao narrar a tragédia na vida de um homem. E Afinal, nós mesmos nos metamorfoseamos em monstros, as vezes constantemente, sabe aquele dia que você acorda se sentindo mal pela maneira que tratou sua família, ou amigos no dia anterior ? ali você se tornou um monstro, mas você abstraiu, e o mundo seguiu, talvez você ainda seja um monstro, mas é tudo tão banalizado que nem sente mais, e quem vê você, assim como fez a família de Gregor, só ignora e te trata como paria, ou nem isso já que nem atenção devida você chega a receber.

Outro ponto interessante do livro, a Família de Gregor, chega a ser sufocante a maneira como ela lida com a situação, trancando Gregor transformado em inseto em um quarto e vivendo a vida de um jeito “normal” do lado de fora, a narração que gira em torno de Gregor chega a ser sufocante. Ele em sua forma de inseto não consegue mais se comunicar com as pessoas, e o livro não esclarece se é porque ninguém queria ouvir o que ele tinha a dizer, ou se ninguém de fato entedia o “animal” que ele se tornou, Gregor então fica meses a fio conversando consigo mesmo em um quarto sozinho. E no que isso é diferente da vida real? quantas vezes você já ficou sozinho em noites ou dias e dias nebulosos? talvez na busca por uma vaga de trabalho, talvez na perca de um parente, termino de relacionamento, problemas de saúde, e afinal que liga? ou ligou? e por que isso seria diferente do que a família de Gregor fez com ele, preferindo não ouvir o pedido de socorro do então monstro, ou apenas de seu filho pedindo ajuda.

Em diversos momentos do livro as situações se tornam mais densas, mas a narração segue sutil e leve, e talvez seja esse o segredo, ou um dos segredos de como se levar a vida. Kafka deve afinal ter entendido o ceticismo e a frieza da razão humana, pois nossa razão não é algo de todo natural, é nossa razão que nos permite abstrair em meio a tanto caos e podridão, e que nos faz ser um pouco de Gregor e um pouco de sua família a cada dia. É paradoxal que na história, Gregor, o monstro, tem sentimentos mais humanos que toda sua família humana, este paradoxo fica latente no final do livro.

Seguimos naturalizando o caos, a tragédia o ruim e abstraímos para viver, as vezes monstro as vezes pessoa..., mas afinal em qual dos dois estágios das transformações da vida somos mais humanos? metamorfoseado em um grande inseto, ou como membro de uma família tradicional? a escolha nunca foi tão insolúvel.




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