PARA ALÉM DA FÉ, TRADIÇÃO E ESPERANÇA: O CONSERVADORISMO CÉTICO DE DAVID HUME


 Atualmente estou lendo o livro “ensaios políticos” de David Hume, e como é de habitual eu sempre trago algumas de muitas, reflexões que tenho em minhas aventuras pelo mundo da literatura, política, filosófica, entre outras. 



E hoje quero falar da famosa ideologia, o conservadorismo. David Hume apesar de como, Edmund Burke ser classificado como liberal em sua época, é também um dos expoentes do pensamento conservador com o conhecemos (ou deveríamos conhecer) nos dias de hoje. 

O Modelo de conservadorismo ocidental é diferente de outros modelos, como o Russo e o Oriental (que já foi visto no, Japão, Tailândia entre outros), o conservadorismo ocidental tem sua base e prisma no conservadorismo inglês, da qual Hume faz parte. (sei que fica difícil falar de conservadorismo no Brasil já que nem um partido conservador temos, mas pensem nos movimentos). 

Dito tudo isso, vale salientar o mais importante, a doutrina conservadora, para além de “mantenedora” de ordem, tradição, valores e questões religiosas, é antes de tudo uma doutrina que tem sua base no ceticismo. Ceticismo Político, Social, Humano e Filosófico.

Algo que eu em particular não vejo muito nos movimentos conservadores do Brasil por exemplo, vejo mais um sentimento de transformação para mudanças imediatas, porque mesmo que se queria o retorno de alguns valores antigos, ou alguma ordem antiga, na condição que estamos agora traria sim transformação social, ou seja, teríamos aqui em terras tupiniquins um conservadorismo não cético, mas sim transformista? (guarde essa frase “a verdadeira regra de governo consiste em praticar a regra constituída, ou seja a atual do momento”.)

Vamos a Hume, quando em seu livro fala sobre a coalizão dos partidos na Inglaterra e tudo pode ficar mais claro, David Hume conhecia as dificuldades de se trabalhar com uma multiplicidade de pensamentos divergentes (em uma época onde nem existia internet), para ele abolir todas as diferenças entre os partidos não era uma ideia viável, algo que já bate na nossa teclazinha do século XXI, “não gosto do partido laranja, ou do vermelho, ou do azul, pra mim todos deviam ser extintos e só perdurar o meu “, lembra o discurso de uma galera aqui não é ?

Para Hume, os partidos “perigosos” portanto seriam aqueles que não conseguissem jamais dialogar entre si (já que a coalizão não é nada mais que diversos partidos que se unem em pautas comuns para o bem comum), esses dois partidos (ou mais) radicais que se odeiam jamais formariam uma coalizão e poderiam, por fim, até pegar em armas para defender as suas ideias. O que poderia gerar uma guerra civil e a sedição do estado, pela simples falta de equilíbrio e tolerância dos partidos. 

Pode parecer um pouco absurdo falar em guerra civil por causa de partidos políticos, mas quando Hume escreveu sobre isso, a Inglaterra já tinha passado por guerras civis por esses mesmos motivos. Para Hume,a “tendência rumo à coalizão abre perspectiva mais agradável de futura felicidade, devendo ser cuidadosamente apreciada e promovida a todos os amigos da liberdade”. O caminho para alcançar a felicidade era mitigar qualquer possibilidade de um único partido impor sobre outro (ou outros) qualquer coisa absurda ao establishment. 

E continua completando, agora com uma frase que deveria ser um mantra para os conservadores “se deve encontrar um meio termo conveniente em qualquer controvérsia, persuadir cada um de que o antagonista pode às vezes ter razão, e conservar equilíbrio no elogio ou na reprovação que se fizerem mutuamente”. Basicamente a base de tudo que remete ao conservadorismo, traduzido ao “português claro”: Tolerância, Pé no chão, equilíbrio e ceticismo. 

Mas nem só de frases bonitas se sustenta o argumento de um homem, Hume nos traz o exemplo do então chamado “partido popular”, conhecido também como partido Whig, e que viria a se tornar nos EUA o partido republicano. 

No período em que Hume escreveu estes ensaios, o partido whig tinha uma bandeira de retornar a certos aspectos tradicionais da monarquia inglesa, aspectos estes que dariam mais poder para a coroa, Hume achava essa ideia perigosa, visto que já se aprendia a lição que reis com grandes poderes eram ditadores em potencial, os Whigs por sua vez faziam críticas às “inovações” na constituição promovidas pelo partido do tories ( o que pode-se se chamar de liberais para a época) que defendiam uma maior presença do parlamento e do povo nas decisões referentes ao futuro do país. 

Todavia um ponto importante sobre o ceticismo e tolerância conservadora na visão política, Hume aponta, que os Whigs também tinham seu ponto de razão e argumentação para quererem mais poderes a coroa, da mesma forma que os tories e suas “inovações” tinham razões em suas prerrogativas, tudo gira e volta ao mesmo ponto: equilíbrio.

“A regra única de governo, conhecida e reconhecida entre os homens, é o costume e a prática” Hume como bom Liberal/conservador, aposta suas fichas no empirismo, ao mesmo tempo que faz o jogo contra os whigs e seu reacionarismo conservadorismo velado de  conservadorismo. 

Hume alerta que sim, “o espírito da inovação é em si pernicioso, por mais favorável que possa afigurar-se em certa ocasião, o seu uso”, joga, assim, um balde de água fria nos tories (liberais) e voltas aos whigs. Informando que é por esse pensamento contra inovações “absurdas” do tories, que os whigs ganham força e também detém a razão sobre darem de volta mais poderes à coroa. 

A força do empirismo serve para refutar qualquer absurdo, seja ele revolucionário, seja ele reacionário, naquele tempo a constituição vigente na Inglaterra já perdurava 160 anos, coisa que Hume ironiza e diz que “qualquer constituição com 160 anos, já se prova estável, e traz estabilidade”, então qual seria o nexo de mexer em uma constituição que já tem 160 anos que que trouxe estabilidade, segurança e prosperidade ao país, apenas para trazer aspectos da antiga constituição? 

Tudo se baseando numa ideia de que com maiores poderes para a coroa, novas ideias de cunho até revolucionário seriam suprimidas e o país teria mais estabilidade (destruir estabilidade, para ganhar estabilidade?). Uma boa ideia, se não estivesse totalmente errada, já que não foi uma ideia guiada pelo equilíbrio, empirismo, ceticismo e pela razão que são para Hume as bases conservadoras. Era uma ideia, além de absurda, “apaixonada” “saudosista” e “esperançosa” (esses três sintomas de frágil conservadorismo podem ser observados em diversos movimentos conservadores do Brasil), pois até mesmo a coroa durava mais na constituição que o parlamento tinha mais poder, e o povo prosperava em segurança e economia, pois agora tinham estabilidade, e não eram mais entregues a constantes guerras civis e abusos de reis e barões.


Hume não acaba por aqui, ele ainda dá algumas pauladas no povo também, mas isso pode ficar para depois, em suma um conservador precisa ser mais cético do que “esperançoso” de fato. Afinal a frase de Roger Scruton tem que se fazer valer na vida real “nós conservadores podemos ser chatos, mas temos razão”, a razão de Scruton passa longe dessa histeria coletiva que ronda os movimentos conservadores do Brasil. 

Guardou a frase?
“a verdadeira regra de governo consiste em praticar a regra constituída, ou seja, a atual do momento”.

Sem retroceder e nem avançar cegamente, a lição de casa é: ser cético quanto às revoluções do passado e mais cético ainda quanto às revoluções do futuro, precisa-se trabalhar o agora, pois no final este equilíbrio que define se o passado valeu ou não a pena, e se o futuro valerá.



Mais textos dele podem ser lidos em seu Instagram: https://www.instagram.com/maskaracientistapolitico/

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