APRESENTANDO JOEL SILVEIRA AO JOTABÊ!



Lá pelos idos 13 anos, eu já havia colecionado, de forma não muito organizada, uma caixa de gibis em numeração desleixada, mas nenhum livro. Não tinha o costume de os ler, e quando o fazia, nunca chegava até o final, - um defeito que conservo até hoje-. Os poucos reais que conseguia, nunca eram investidos para além dos quadrinhos. Preocupada com essa “imbecilização”, se assim podemos chamar, minha mãe me levou, já pelos últimos dias, a uma tal “Bienal do Livro”, e todo aquele mundo que presenciei por algumas horas, era uma extensão inimaginável do pouco que eu conhecia em uma biblioteca pública.

Para não sair de mãos vazias, foi me dado 1 real para que se comprasse algo, mesmo a maioria ali custando de 5 R$ em diante. Tudo o que eu buscava era algum tipo de chamado, alguma capa que conseguisse me dizer algo a mais. E após longa procura, e folheadas bisbilhoteiras, achei uma caixa em promoção, livros abandonados, custando 1 real qualquer um, títulos que ninguém ligava, e que lá estavam para não serem simplesmente descartados.

Eu nem mesmo sabia o que era “guerrilha”, e só saberia vários anos depois quem era “Joel Silveira”: fui atraído pela capa azul remetendo a uma pintura abstrata.

O abro.

Não há narrativa linear, não é uma história, há nomes que nunca ouvira falar, e provocações que me inquietaram de súbito. Um tipo de humor particular que eu não sabia descrever, mas que me fazia bem, sendo destoante de muito do que eu conhecia. O comprei pelo baixo preço, estava sendo levado o meu primeiro livro de uma futura biblioteca.


Guerrilha Noturna, junto a alguns outros livros.


Me sentindo um mago erguendo um livro de encantamentos, eu destilava pequenas doses do veneno ali concentrado aos meus amigos, e eles paravam para escutar, tão surpresos quanto, e quem sabe, tentando entender assim como eu tentava. Um deles chegou a me oferecer 20 reais por esse raro exemplar, ao qual recusei, e de esferográfica, na imaturidade da idade, escrevi “Book of life” no mesmo, demonstrando o quanto eu aprenderia com aquelas páginas. Outros trezes anos se passam, e até hoje tenho temor em ler essas pílulas ácidas até o fim. As leio, releio, transcrevo, sublinho, mas sempre querendo prolongar tudo.

 


 

JS pode passar batido aos mais jovens, quem não seja ligado à área do jornalismo, ou mesmo aprecie estudar a história brasileira. Sempre me senti dono de um tesouro perdido, e ao contrário de muitos outros impressos que tenho em casa, sempre tive cuidado em não perde-lo, pois seria sem volta.

O Jotabê, do Blogson Crusoé: “O blog da solidão ampliada”, - que conheci através do “Marreta do Azarão” -  ao alto dos seus setenta anos, sempre a nos enriquecer com seus causos e tiradas sobre a vida, me lembrava JS de forma inconsciente. E por esses anos, eu o lia, com aquela leve sensação de deja vu.

Como forma de agradecimento ao Jotabê, por continuar lutando com as palavras, faço essa ponte. “Guerrilha Noturna” é um tipo de Blogson, encadernado, e jogado aos ventos em 1994.




 158 páginas, carregadas com 491 tópicos, entre eles pensamentos irônicos, crônicas, desabafos, citações de autores, ou mesmo de notícias de jornais. Uma forma descompromissada de autoanálise no alto das sete décadas vividas. Entre as primeiras 200, transcrevi algumas das minhas preferidas (a 46 foi a primeira que me chamou atenção enquanto folheava e me fez comprar o livro, não me pergunte o porquê).

Como diz o Inominável Ser:

 

Aprecie sem moderação!




---------------------------------------------------------------------------------

 

4

 

Quando estou triste e um tanto murcho costumo escutar a Marcha Fúnebre da 3º de Beethoven; ou então, senão todo, trechos do Réquiem, de Mozart. E falo comigo mesmo:

-- Isso é que é tristeza, idiota! A sua, factual, é apenas ridícula.

 

5

 

Pouco adianta se a palavra é leve quando a mão é pesada.

 

 

8

 

Quem esteve numa guerra de verdade sabe o que nela primeiro se perde é o pudor. Em seguida, os escrúpulos, todos eles.

 

12

 

Em certos livros o prefácio mais parece um pedido de desculpas.

 

13

 

“O dinheiro é sempre o mesmo. O que muda são os bolsos.” É de Gertrude Stein.

 

16

 

O mais irritante na morte é a sua absoluta falta de senso de humor. A morte talvez seja o único profissional que não brinca em serviço.

 

21

 

Não fazendo dela uma inimiga, a insônia pode se tornar um excelente investimento.

 

29

 

Eu nunca vi na vida um rei que não estivesse nu.

 

32

 

O copioso beletrista ameaça:

-- Vou lhe mandar meu último livro.

Tenho vontade de responder:

-- Não se apresse. Estou relendo Balzac.

 

33

 

As unanimidades no Brasil são tão unânimes que sequer admitem suplentes.

 

35

 

Ninguém pode proclamar-se livre se não tem direito de dormir pelo menos uma hora após o almço.

 

36

 

De uma entrevista coletiva de Saul Bellow em Lisboa (maio de 1993):

 

“País que tem cultura não precisa de ministro. O que não tem não vai adquirir uma por um decreto do Ministro da Cultura. Cultura é uma palavra defunta, apareceu no final do Iluminismo. De repente tudo tem a ver com cultura. Mas as crianças não são educadas para ler, todo mundo aprende menos do que devia e nem todo artista é intelectual, embora tenha interesses intelectuais. Quando eu era muito jovem, milhares de pessoas se apaixonavam por literatura. Hoje, nossas sociedades são de filisteus. Tento me animar: se tiver um décimo de 1% de toda a população do mundo como leitores ainda terei mais do que Swift ou Dickens. A sorte é que a literatura nasce e renasce, como os deuses das velhas religiões.”

 

37

 

Estou penosamente fazendo o meu imposto de renda quando sou surpreendido por um amigo que vive a glória de uma maturidade sadia e operosa – e que me diz:

-- Você é um privilegiado. Já setentão, pode enfileirar uma porção de vantagens, isenções, e tudo o mais que a velhice tem direito.

Respondo:

-- Pode ser. Mas prefiro as desvantagens dos quarenta, e mais ainda os percalços, desatinos e temeridade dos trinta, nenhum deles isento, todos a declarar.

 

39

 

Sempre que eu indagava do finado Jânio Quadros, para uma entrevista encomendada ou em bate-papo informal (e isso aconteceu uma dezena de vezes), sobre os verdadeiros motivos de sua renúncia, ele bebia mais um gole de uísque, guardava teatralmente um ou dois minutos de silêncio e depois respondia, grave e fúnebre:

-- A você, Joel, eu conto.

E lá vinha com uma história sempre diferente das anteriores.

 

43

 

Por ser sincera, por não ser hipócrita – Como é intolerante a moral dos pobres!

 

46

 

Recém-saída de uma clínica especializada em recauchutagem corporal, a socialite proclama aos quatro ventos, exultante:

-- Meu bumbum está uma coisa!

Só falta acrescentar:

-- Sirvam-se!

 

47

 

Os fracassos no Brasil doem mais porque somos um país de triunfalistas por antecipação. Por isso, quando perdemos, o que acontece quase sempre, o apressado “já ganhou” ganha cores mais funéreas, e as derrotas, as proporções mais catastróficas.

 

49

 

O que pesa não são os anos – o que pesa mesmo são os quilos.

 

53

 

Há um tanto de pesadelo em toda lembrança antiga.

 

59

 

Cada dia conheço menos gente e cada dia me conheço melhor. Lucro no primeiro caso, perco no segundo.

 

60

 

Simplifiquemos as coisas e economizemos nas palavras: idiota é todo aquele cujas opiniões não coincidem com as nossas.

 

63

 

Dias atrás o sábio Conselheiro Acácio apareceu mais uma vez lá em casa (e devo dizer que suas visitas têm sido cada vez mais constantes) e acabou ficando para o almoço (sempre fica). Entre as reluzentes pérolas que me presenteou, tomei nota desta:

-- Governo bom, meu caro, é governo sem assunto, assim como órgão sadio é aquele que não se sente.

 

69

 

Eu sou eu e meus efeitos colaterais.

 

70

 

Velório: encontro de hipócritas, maus piadistas e parentes que se detestam.

 

78

 

O desagradável no suicídio é que o corpo raramente toma numa posição decente.

 

80

 

“... não é preciso estar embriagado para acender um charuto nas misérias alheias”. – É de Machado (Quincas Borba, capítulo CXVII).

 

85

 

Me peçam o que quiserem, mas não me peçam para pedir. Pedir violenta a minha natureza e desmantela o meu metabolismo.

 

91

 

Para os que aqui no Brasil (e no resto do mundo) se costumava chamar de “inocentes úteis” do comunismo, Stalin tinha uma definição mais precisa e mais cruel: “tolos honestos”.

 

98

 

“Quem nunca esteve na prisão não sabe como é o Estado.” – É de Leon Tolstoi.

 

99

 

Estar vivo é estar condenado. E ter certeza de que a última batalha será perdida.

 

104

 

Ex-presidente da República, Rodrigues Alves era senador, em 1915, quando Rui Barbosa ocupou uma sessão inteira do Senado com um discurso quilométrico, defendendo a adesão do Brasil às nações que lutavam contra a Alemanha, na Primeira Guerra Mundial. Terminada a discurseira do baiano, Rodrigo Alves comentou:

-- O homem falou quase cinco horas! E sem mijar!

 

110

 

O ciúme não é mais que um acúmulo de hematomas, sempre renovados.

 

117

 

Há muita gente por ai confundindo (ou fingindo confundir) notável com notório.

 

121

 

Desconfio muito da caridade trombeteada, dessa espécie que só se manifesta com a presença da mídia e sob a luz dos refletores.

 

129

 

De Franklin Delano Roosevelt: “O radical é um homem com dois pés firmemente plantados no ar.”

 

134

 

Quando no calçadão de Ipanema, senti que o velho embusteiro, que vinha em sentido contrário, havia me reconhecido e certamente iria me estender a comprometedora mão, não vacilei: olhei rápido para o céu, por onde, por milagrosa coincidência, ia passando naquele momento, um velocíssimo disco voador. E fui em frente, sempre de olho no límpido e escaldante azul do firmamento. O céu é para essas coisas.

 

146

 

Lá da minha terra me telefona o figurão:

-- Vou dar uma festinha, e exijo a sua presença. Não deixe de vir.

-- Levo gravata?

-- Venha como quiser. É festinha modesta, só para os amigos, uns poucos.

Não fui, e fiz bem. Mais tarde eu iria saber que o mesmo convite havia sido feito a mais cem ou duzentos “verdadeiros amigos”, que lá foram, todos engravatados. Houve até “imortal” fardado, apesar do escaldante calor de quarenta graus.

Hoje, a cautela é minha principal virtude.

 

147

 

“A vida é muito breve, e as mulheres feias muito longas. ” – É de Hemingway.

 

148

 

Toca a campainha, vou abrir a porta. E quem chega é o velho amigo que eu não via há anos e anos, e que me aparece assim, no fim de tarde, sem prevenir. Aliás, quem chega não é bem ele, mas  a sua sombra. O corpo excessivamente magro, olhos úmidos e apagados, as pernas bambas, o caminhar arrastado, a insólita bengala, daquelas bem antigas, avoengas, de castão de prata. Senta-se com dificuldade no sofá, enxuga a testa com o lenço, sussurra:

-- Os mortos sempre aparecem.

Procuro animá-lo:

-- Vai um uisquinho?

-- Nem pensar!

Mas pede a garrafa fechada, põe-se a alisá-la com suavidade, é como se estivesse coçando a barriga de um gato ou embalando uma criança.

-- Mas há quanto tempo...

Sem deixar de alisar a garrafa, bojuda como a barriga de um gato gordo, ele responde, a voz fraca:

-- Pois é como eu lhe disse: quem é morto sempre aparece.

E tenta dar uma daquelas sonoras gargalhadas de antigamente, que tanto sucesso faziam na roda do bar, anos atrás, séculos atrás. Por entre os lábios frouxos, enrugados, o que escapa é uma tentativa de sorriso forçado, sem cor, sem vida.

Levo-o até a portaria, chamo um táxi. Ele se despede:

-- Volto no dia dos finados. Ainda temos que conversar, relembrar coisas...

-- Temos? Relembrar o quê? Lembranças velhas? Melhor não. Lembrança velha dói tanto quanto remorso.  

 

160

 

“Leis são como salsichas. É melhor não saber como são feitas.” – É de Bismarck.

 

163

 

Notícia de jornal:

 

Londres – O mesmo homem que denunciava, na China, a decadência dos costumes do Ocidente gostava de ir para a cama com várias mulheres ao mesmo tempo, praticamente todas as noites. Mao Tsé-tung esquecia por completo a revolução e se dedicava a jogos sexuais, ao lado de três ou quatro lindas jovens, preferencialmente virgens.

“Essas e outras revelações sobre a vida sexual do líder chinês foram feitas pelo doutor Li, seu médico particular por 22 anos, e estão no documentário Presidente Mao – a história jamais contada, produzido pela BBC.

“Em vez de uma pessoa séria, com hábitos espartanos, o documentário mostra o “Grande Timoneiro” como um homem com a libido incontida, mesmo na velhice. Na cama, nunca dispensava as virgens, a quem gostava de deflorar.

“Mao tinha um fraco por camponesas: ele gostava de mulheres com a forma arredondadas e com as bochechas rosadas pelo trabalho árduo sob o sol forte. Achava que elas tinham a aparência saudável.

“As meninas se sentiam honradas por poderem fazer sexo com ele – revelou Li.

“Quando não podia contar apenas com virgens em sua cama, amantes de Mao eram escolhidas por um secretário, que conferia pessoalmente suas habilidades para o amor. Só as que tinham desempenho considerado “satisfatório” se encontravam com Mao.

“O líder chinês tinha suas preferidas: Zhang Yu Fang e Meng Jin Yun, que sabiam melhor do que ninguém satisfazer suas fantasias sexuais.

“—Ele as chamava de irmãs, porque eram extremamente belas e parecidas. – Conta Li.

“A queda de Mao por jovens enfurecia sua quarta mulher, Ching Ching. Uma vez, depois de surpreender o marido na cama com outras mulheres, Ching Ching foi proibida de entrar nos aposentos do líder chinês sem ser anunciada. ”

 

175

 

Volta a circular a frase, tão enjoadinha, do falecido Otávio Mangabeira: “A democracia brasileira é uma planta tenra que merece todos os cuidados para não fenecer.”

Prefiro aquela outra, de Churchill: “A democracia é o pior dos regimes, excluindo os outros. ”

 

178

 

Se você não sabe nadar, é arriscado ou no mínimo imprudente dizer que dessa água não beberei.

 

186

 

Nunca dou conselhos – Ou não os dou mais. Pois agora já sei que todo conselho pedido nunca é aquele que se espera receber.

 

194

 

Sei por experiência própria: passar dos setenta nos dá a sensação de estarmos usufruindo de um tempo que não nos pertence mais. O que não deixa de ser um roubo.

 

197

 

Começo a perceber a intenção do Nobel de Literatura na sua premiação nos últimos anos: o objetivo dos mecenas suecos, me parece, é fazer conhecidos autores dos quais não se tinha notícia, e que, ignorados pela maioria do público no mundo inteiro, assim permaneceriam não fora a famosa láurea recebida. É como se os cavalheiros da Academia sueca quisessem dizer ao premiado, tirando-o do limbo: apanhe lá esta dinheirama e agora vá escrever tranquilo, sem pensar na hipoteca e nas contas no fim do mês.

 

204

 

“Nada acontece em Brasília sem a presença do penetra; e quem não é penetra se diverte no esporte de descobrir quem são os penetras. ” – É de Guilherme Figueiredo.

207

 

Jornalista que vira assunto passa, como jornalista, a não merecer a menor confiança.

 

220

 

“... neste mundo tudo é perdoado por antecipação e tudo é, portanto, cinicamente perdido. ” – É de Milan Kundera, A Insustentável Leveza do Ser, Editora Nova Fronteira.

 

221

 

De seis em seis meses tudo muda no Brasil. Só o Brasil não muda.

 

227

 

Velho não precisa mentir, nem ser hipócrita. Não precisa mais disso.

 

231

 

Vegetariano, Hitler se empanturrava de chocolate. Até nisso era pervertido.

 

232

 

Mais Jânio. Certa vez, na casa em que estava morando em Santo Amaro e já no quinto uísque, ele interrompeu sua eloquência (o assunto era ele mesmo – o seu assunto preferido) e, virando-se para mim, bradou:

-- Aí está o Joel, que nunca me pediu nada.

A resposta me veio célere:

-- É que o senhor não me deu tempo.

 

237

 

“Se um homem necessita de religião para se conduzir apropriadamente nesse mundo, é sinal de que tem espírito limitado ou coração corrupto. ”

Sabem quem disse isso? Não, não foi Voltaire, nem Diderot, nem d’Alembert. A sentença – vejam só – é de Ninon de Lenclos. Que também disse: “Se Deus tinha que dar rugas às mulheres, podia tê-las colocado na sola dos pés.”


Até o próximo.



Me siga no Instagram: @ozymandiasrealista

Postar um comentário

0 Comentários