Um Detalhe Que Ninguém Notou em Thor: Ragnarok


 

"Thor: Ragnarok" foi mais um sucesso da Marvel Studios!, apesar de uma boa parte do público não gostar do filme eu realmente amei a mistura psicodélica retrô com visuais incríveis que fazem homenagens às artes do mestre Jack Kirby com uma aventura frenética e humor excêntrico que o filme nos dá, resultando num filme pipoca divertido e perfeito para relaxar e passar umas duas horas tranquilo!...a não ser que você seja sagaz demais e tenha percebido que o filme tem alguns comentários muito pertinentes a fazer sobre como a história moderna foi calcada sobre genocídios!...mas vamos com calma!


A trama se trata de Hella,a irmã secreta de Thor e Loki, que retorna para Asgard para tomar o poder após a morte de Odin, e claro! Essa história não tem nada a ver com a mitologia nórdica ou aos quadrinhos, mas se você se apegar a detalhes assim você vai acabar não curtindo o filme da forma como deveria! De início Hella pode parecer mais um antagonista em busca de dominação mundial, porém, ao chegar em uma certa cena do filme eu fiquei reflexivo e me toquei sobre algumas coisas, e a cena em questão é a de Hella entrando na sala do trono toda decorada em afrescos que contam a história de Asgard formadas por tratados de paz, festas e amor e então Hella revela que tudo isso é uma mentira!

Hella - "Odin...Orgulhoso do que tinha..com vergonha de como conseguiu!"

E então é revelado que o império de Asgard foi conquistado através de guerra e opressão com a ajuda de Hella que depois foi banida como uma parte desconfortável do passado, ou seja, Hella é um reflexo dos ideais que Odin pregou para ter o poder, ideais que ele tenta reescrever apresentando uma versão idílica da história de Asgard.

E antes de mais nada, a Asgard da Marvel deve muito mais entre o operativo de Wagner e o teatro de Shakespeare do que deve à própria mitologia nórdica, (e engraçado que no começo do filme temos uma cena num teatro em Asgard reencenando os eventos de "O Mundo Sombrio"!) e não é à toa que os Asgardianos são predominantemente interpretados por atores britânicos com sotaques britânicos (claro que me refiro a Shakespeare!) logo não é muito difícil traçar paralelos entre esses personagens e bem...como eu posso dizer?..."O Sol Nunca se Põe Sobre o Império Asgardiano?!"

Então parece que esse filme realmente é muito mais esperto do que parece à primeira vista! e a única questão que fica no ar é de: Quem? Quem está por trás disso? Quem é o gênio por trás de comentários tão perspicazes?!...ele mesmo! Taika Waititi!

Taika Waititi é um diretor neozelandês que vinha ganhando atenção por suas comédias e dramédias independentes e seu humor característico! o que nos leva a seu local de origem! A Nova Zelândia é um país com uma história interessante! Atualmente a maioria dos habitantes de lá são de origem européia, porém, o próprio Taika é de descendência Naouri por parte de pai, o povo polinésio nativo do país.

Em 1840 o país foi anexado como mais uma colônia do império britânico e assim como os outros países que passaram pelo mesmo processo, isso foi um grande golpe para o povo nativo, eles tiveram suas terras tomadas e vendidas gerando inúmeros conflitos, e a mudança da economia para o modelo britânico deixou muitos em estado de pobreza! Foi uma cultura quase extinta pelos colonizadores...isso até os anos 70 onde os protestos pelos direitos Maori ganhassem força como forma de resgatar o povo de séculos de degradação, e Taika Waititi carrega esse legado consigo! isso já era nítido em seus filmes independentes e faz questão de trazer esse viés pós colonialista para Hollywood, por exemplo ele escreveu a primeira versão do roteiro de Moana, um filme que legitima a cultura polinésia para o mainstream ocidental ao mostrar a sua compatibilidade com a narrativa com os contos de fadas Disney! e trazer esse tipo de visão para uma indústria de alcance global como Hollywood é extremamente relevante porque o legado do colonialismo afetou profundamente o mundo todo e é talvez o maior responsável por moldar o mundo da forma como o conhecemos hoje!


Por muito tempo o colonialismo europeu foi justificado como "uma ação de trazer a civilização para povos barbáricos" mas quando a xenofobia nesse sentido ficou nítida demais a narrativa foi reescrita 

Hella - "Parece que a solução de nosso pai para todos esses problemas era encobri-lo"

Thor - "...Ou exilá-lo!"

E isso acontece porque opressão se torna tolerável quando tratada com eufemismo!

Topaz - "..e os escravos se armaram.."

Grandmaster - "Oh, eu não gosto dessa palavra!"

Topaz - "Qual?"

Grandmaster - "A palavra que começa com "E"!"

Topaz - "Desculpa, "os prisioneiros com empregos" se armaram!"

Grandmaster - "...Ok, isso é melhor..."


Pois é, quem diria que Saakar e o retrato do Grandmaster como um Jeff Goldblum que só quer que você pense que ele é um cara legal e não um déspota sádico também é tematicamente ligado a isso!

Se alguma vez você já ouviu que o mito de fundação dos Estados Unidos como sendo a de "Um monte de peregrinos bacanas vindo para as Américas se dando super bem com os povos indígenas" (uma vez que a velha narrativa de 'destino manifesto' não cola mais!) é exatamente disso que estou falando! e isso sem falar no pequeno detalhe de..sabe?... séculos de escravidão! e uma coisa: Por que eu tô falando dos Estados Unidos sendo que isso tudo se aplica muito bem ao Brasil? é sempre bom lembrar que nós brasileiros somos tanto vítimas quanto perpetuadores do colonialismo!

Enfim, o meu ponto é: Nós seres humanos temos o dom natural de entender a realidade através de histórias, e a narrativa de uma nação é um elemento essencial para a formação de sua identidade! Ao excluir todos os elementos mais desagradáveis da narrativa pode se trazer um conforto superficial mas isso não apaga ou retifica o sofrimento causado a outros e nem previne que tudo isso se repita! As narrativas precisam assumir o legado do passado sombrio e carregar o peso da responsabilidade de retificá-lo e dar voz aos que foram ostracizados! e como resultando...bem...como alguém disse uma vez:




"Não é à toa que esse tipo de discurssão veio no primeiro filme da Marvel dirigido pro um homem não-branco!"

E então, num final muito mais revolucionário que parece à primeira vista, Thor percebe que a única forma de salvar todos os 9 reinos de Hella, o legado reencarnado no colonialismo de Asgard é destruir a própria Asgard e resgatar o que realmente importa dele: o povo e sua cultura! e então, com a sua casa destruída, os asgardianos se encontram numa situação um tanto quanto curiosa, eles se tornam refugiados! se eles fossem pra Terra isso se tornaria numa narrativa de imigração em massa, isso é bastante tópico talvez?! eu não sei..isso tudo também me traz a cabeça a história de um povo sendo guiado por um líder para uma "Terra Prometida" , dependendo do rumo que essa história tomasse uma digamos...diáspora?


Aliás, eu já mencionei que se por parte de pai Taika é Maouri por parte de mãe ele é judeu? O que eu quero dizer é: Que venha Thor 4!'

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